Ricardo Stuckert/PR

O irmão-menor da União Europeia

A UE sempre considerou que lhe cabe ajudar e cooperar com o Mercosul, para que esse bloco chegue um dia a uma situação mais próxima do esquema com sede em Bruxelas
20.07.23

A União Europeia – em sua terceira ou quarta encarnação desde o início do processo de integração – é, sem dúvida alguma, o mais sofisticado experimento de construção de unificação política, econômica e institucional que se conhece no mundo, superior a quaisquer outros esquemas de derrubadas de barreiras em escala bilateral ou plurilateral. Esse processo de integração europeu sempre despertou ambições, se não semelhantes, pelo menos similares, na América Latina.

Quando os Estados Unidos, o Canadá e o México se lançaram na negociação do Nafta, o acordo de livre comércio da América do Norte, o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai decidiram avançar para um mercado comum. Mas esses quatro países preferiram não caminhar pela via comunitária do experimento europeu, ficando num esquema intergovernamental bem menos ambicioso. Obviamente, o mercado comum previsto para 1995 não foi alcançado, e nem sequer a zona de livre comércio ficou completa, travada por restrições em automóveis e outros produtos. Tampouco a união aduaneira logrou alcançar os compromissos fixados pelo Tratado de Assunção de 1991. A despeito de todos esses percalços, a UE, formada em 1993, sempre considerou o Mercosul uma espécie de “irmão menor, que caberia ajudar e cooperar para que este, algum dia, chegasse a uma situação mais próxima do esquema comunitário europeu.

Foi essa condescendência paternalista e a ameaça de uma área hemisférica de livre comércio patrocinada pelos Estados Unidos que fizeram a UE aceitar negociar um acordo de associação com o Mercosul, desde meados dos anos 1990. Mas bastou que Lula, o venezuelano Hugo Chávez e o argentino Nestor Kirchner sabotassem, em 2005, o projeto americano da Alca para que, pelas próximas duas décadas, arrefecesse a motivação europeia para concluir esse acordo. Ele só foi retirado do armário quando os ataques trumpistas à China, ao livre comércio e à OMC abriram uma janela de oportunidade para os dois blocos concluírem rapidamente um acordo, em junho de 2019.

Paralelamente a esses exercícios cruzados de integração, os europeus sempre incentivaram relações especiais com os latino-americanos, tanto em função dos mercados geralmente dominados pelos interesses americanos, como em virtude dos laços históricos de colonização, povoamento e emigração. Não foi por acaso que, por ocasião dos 500 anos da gesta de Cristóvão Colombo, em 1992, os espanhóis lideraram os demais europeus no estabelecimento de encontros regulares anuais entre os dirigentes dos dois continentes.

O mesmo ocorre em 2023, quando a presidência espanhola do Conselho Europeu retoma a série de encontros interrompida em 2015, por sinal sem nenhum resultado significativo. A despeito da agenda ambiciosa desta nova cúpula, não se chegou a nenhum resultado grandioso do conclave Celac-UE. Argentina, Peru e Venezuela não tiveram muito a reivindicar dos europeus, assoberbados que estão com seus próprios problemas internos. Lula disse que a China não pode ser culpada pela poluição do mundo, e sim os países que fizeram a revolução industrial. Ele também afirmou que os ricos gostam de cobrar muito e de não honrar os seus compromissos. A culpa, assim, é sempre dos ricos e dos países desenvolvidos.

As razões para a falta de resultados práticos são numerosas. A América Latina está mais fragmentada do que nunca, além de mais diversificada nas inclinações políticas de seus dirigentes. A Europa está por demais mergulhada na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia para não olhar com desconfiança para a “neutralidade” oportunista de todos esses países do assim chamado “Sul Global”. Há uma evidente falta de comprometimento dos latinos com valores e princípios democráticos e humanistas que a UE coloca entre os fundamentos de uma relação que pretenderia estratégica. O Brasil também tem uma relação estratégica com a UE, que vem do final do segundo mandato de Lula, agora talvez sem muito entusiasmo do outro lado, em virtude da postura objetivamente pró-Putin que os europeus tendem a desvendar nas suas várias declarações ambíguas a respeito do mais terrível conflito no continente europeu desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Fora da imprensa latino-americana, o encontro de cúpula não chamou a atenção da mídia global, preocupada com problemas bem mais graves em outros cenários geopolíticos. Nas manobras atuais que podem reconfigurar os grandes equilíbrios geopolíticos mundiais, a América Latina permanece excêntrica e, aparentemente, condenada a continuar a ser uma exportadora de matérias primas pelo futuro previsível. Os espanhóis e portugueses podem continuar a se interessar pela região, mas os demais europeus estão com os olhos postos em outros cenários. Quanto ao acordo Mercosul-UE, enquanto argentinos e brasileiros, de um lado, e agricultores europeus do outro, continuarem insistindo em seus instintos protecionistas, ele não parece ter grandes chances de ser ratificado, indiferente às promessas desta cúpula de 2023.

 

Paulo Roberto de Almeida é diplomata e escritor

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  1. o problema da america latina, como já ressaltou moises nalin, é que as elites economicas e politicas são desunidas, e só pensam no curto prazo. assim, todas as tentativas de blocos na américa latina tendem a fracassar. pior: o brasil é incapaz de exercer liderança na américa latina, pois quer que os demais defendam seus interesses.

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