Montagem: Daniel MedeirosO deputado Lira e o senador Renan: ingerência na nomeação do gabinete, nas pautas no Congresso e na PGR

A República de Alagoas

Como a disputa entre os arqui-inimigos Lira e Renan influencia a política brasileira 
20.07.23

O estado de Alagoas tem apenas 0,6% do PIB nacional e 1,6% da população brasileira. Apesar disso, a riqueza proporcionada pelo açúcar desde a colônia favoreceu o desenvolvimento de uma elite acadêmica, militar e política, com uma influência desproporcional nos rumos do país. Os presidentes Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto eram do estado, e Fernando Collor, carioca, fez sua carreira política por lá. Atualmente, Brasília parece submetida a uma disputa entre dois arqui-inimigos alagoanos: o deputado Arthur Lira e o senador Renan Calheiros. Juntos, os dois não somam 900 mil votos. Mesmo assim, a depender dos lances desse duelo, pode-se prever o êxito das pautas no Congresso, a formação do gabinete de ministros ou a permanência no cargo do procurador-geral da República. A diminuta Alagoas, assim, consegue determinar o rumo de um país de 203 milhões de habitantes.

A briga dos dois arqui-inimigos alagoanos ganhou força após a eleição de Lula, no final do ano passado. Enquanto Lira, do PP, fez campanha pela reeleição de Jair Bolsonaro, Renan se aproximou do petista. Calheiros comanda a chamada velha guarda do Senado e boa parte do MDB, partido que hoje é presidido por Baleia Rossi. Ele também faz parte de uma espécie de conselho político lulista, no qual têm assento os senadores Omar Aziz (PSD-AM) e Jaques Wagner (PT-BA). Ainda durante a transição, Renan Calheiros aconselhou Lula a se afastar de Lira, que se preparava para disputar a reeleição na presidência da Câmara. Calheiros prometeu que ficaria responsável por trazer o MDB e outros partidos do Centrão para a base petista.

Foi justamente com base nessa premissa que Lula montou a sua primeira estrutura ministerial. Criando, logo de cara, as primeiras rusgas com Lira. O líder do União Brasil, Elmar Nascimento, aliado de Lira, foi preterido na composição da Esplanada: ele queria Integração Nacional ou Minas e Energia. A primeira pasta foi parar no colo de Waldez Góes, por recomendação de Davi Alcolumbre, aliado de Renan. A segunda ficou com Alexandre Silveira, também aliado do senador alagoano. De quebra, Renan emplacou o filho no Ministério dos Transportes e viu o aliado Jader Barbalho ter uma pasta para chamar de sua, a de Cidades – comandada por Jader Filho.

Em fevereiro deste ano, Lira foi reeleito presidente da Câmara. Lula sabia que não podia ser errar nessa disputa e deu apoio a Lira, cuja vitória parecia inevitável. Mas o resultado avassalador – 464 votos, de um total de 513 –  aumentou o cacife político do deputado, que exigiu mais atenção do governo.

Renan, porém, não deu folga. Para minar o rival poderoso, ele trabalhou nos bastidores na disputa entre a Câmara e o Senado sobre a apreciação das medidas provisórias. Renan apoiou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que exigiu o retorno das comissões mistas, previstas na Constituição, mas abandonadas durante a pandemia. Isso reduziu o controle da pauta de votações que se havia concentrado nas mãos do presidente da Câmara em tempos de sessões remotas. “O rito das MPs é constitucional, não paroquial. Sou defensor das diretas, desde as Diretas-Já, ao contrário dos meus adversários em Alagoas que gostam de indiretas”, disse, na época, Renan.

Lira não digeriu bem o processo e, para mostrar a sua real força ao Palácio do Planalto, mandou uma série de recados. Alguns deles, na visão de seus próprios aliados de Lira, muito duros.

Primeiramente, ele deixou correr solta a revogação de trechos do decreto com que Lula pretendeu anular avanços desestatizantes do Marco do Saneamento. Depois, ele atrasou a tramitação da MP sobre a reestruturação da Esplanada dos Ministérios, mudando parte do texto — a Funasa foi recriada e o Ministério de Meio Ambiente ficou esvaziado. Lira pautou a urgência e o mérito do novo marco temporal das terras indígenas, proposta diametralmente oposta ao que pensa o governo federal.

Para mostrar sua insatisfação com a articulação política do governo federal, Lira sugeriu a troca de Rui Costa por Fernando Haddad na Casa Civil e a substituição de Alexandre Padilha pelo deputado José Guimarães no comando do Ministério de Relações Institucionais. “O problema não é da Câmara, não é do Congresso. O problema está no governo, na falta ou na ausência de articulação”, disse ele sobre a articulação política do governo federal.

Conforme apurou Crusoé, uma das insatisfações de Lira com os responsáveis pela articulação do governo era a excessiva ligação com Renan Calheiros. Alexandre Padilha, por exemplo, cometeu vários erros ao se aconselhar com Renan sobre assuntos da Câmara. Ao ponto de, por exemplo, ligar para Renan Calheiros para comemorar a aprovação do novo marco fiscal, em vez de ligar para o presidente da Câmara. Calheiros teria dito simplesmente: “Viu como o governo federal não precisa de Lira?”.

A importância da condução de Lira na aprovação do marco fiscal e da reforma tributária, contudo, é inquestionável. Com esses trabalhos concluídos, o deputado e seu grupo foram cobrar a fatura ao governo federal. Eles queriam mais espaço na Esplanada dos Ministérios. Já conseguiram as três vagas: Ministério do Turismo (Celso Sabino) e outras duas para Sílvio Costa Filho (Republicanos-PE) e André Fufuca (PP-MA), este último aliado de primeira ordem de Lira. Quase um filho do parlamentar alagoano.

Lula já entendeu que precisa buscar de um equilíbrio entre Lira e Renan, evitando melindrar qualquer um dos dois.

Além do Congresso e do gabinete dos ministros, a rixa alagoana se reflete no Judiciário e nos Tribunais de Contas. Renan tem influência sobre o presidente do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas, e proximidade com ministros do STF, como Gilmar Mendes. Lira, por sua vez, possui uma relação próxima com os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques. O deputado também emplacou um ministro no TCU, Jonathan de Jesus.

A competição alagoana deve influenciar a escolha de Lula para o próximo PGR. Renan Calheiros afirmou na semana passada a Lula que não recomenda a recondução de Augusto Aras ao órgão. O senador disse que Aras não era confiável. Mas, por trás dessa falta de confiança, estão manifestações de Aras que beneficiaram Arthur Lira, como o pedido de suspensão do inquérito que mira o ex-assessor do presidente da Câmara Luciano Cavalcante, citado no esquema de desvios de recursos por meio da aquisição de kits de robótica. Lira, do outro lado, tem defendido ao Planalto a recondução de Aras.

O mais recente episódio entre os dois rivais remete às reiteradas denúncias da ex-esposa de Lira Jullyene Lins. Ela tem reafirmado uma denúncia envolvendo violência doméstica em 2006. O presidente da Câmara nega que tenha violentado a ex-esposa e ressalta que queixa-crime contra ele foi arquivada pelo STF.

No Congresso, aliados de Lira ligam essas novas denúncias a uma atuação direta de Renan. Afinal de contas, Jullyene Lins é filiada ao MDB e o senador foi um dos maiores incentivadores de sua candidatura a deputada federal no ano passado.

A campanha de Jullyene foi marcada por ataques diretos ao presidente da Câmara. Em suas peças nas redes sociais, Lira foi chamado de “crápula” e Jullyene ressuscitou uma denúncia nunca comprovada de que o presidente da Câmara teria omitido de suas declarações de renda e patrimônio a compra de uma fazenda em Pernambuco, no valor de 2 milhões de reais. “Essa é a estratégia do pai dos ricos, o dono do orçamento secreto. É esse deputado que vocês querem lhe representando? Esse é o pai dos ricos”, disse Jullyene em uma das inserções de campanha.

Com o Brasil indo a reboque nessa briga, alguns bons samaritanos já tentaram  reconciliar Renan e Lira. Em 2021, a senadora Kátia Abreu organizou uma feijoada em Brasília em sua casa. Estavam no evento o ministro do STF Gilmar Mendes e o ministro do TCU Vital do Rego — dois amigos de Renan. Mas a tensão voltou a crescer em seguida por causa da competição regional. Agora, por exemplo, Renan sonha em encerrar a carreira política “em grande estilo” como governador do estado, mas para isso terá de disputar com o atual prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, o JHC, que está no PL. Lira tem incentivado JHC e se articula com os prefeitos alagoanos de olho nesse projeto de 2026. Caso Renan não seja bem-sucedido em sua busca pelo governo estadual, ele pode insistir em mais um mandato como senador, e nisso poderia disputar diretamente com Lira.

É inevitável que disputas locais tenham impacto nas questões nacionais. Senadores e principalmente deputados mantêm ligação umbilical com suas bases, dependem delas para se manter no poder.  A competição para ocupar espaços na máquina pública e obter verbas para os seus redutos, em troca de apoio ao governo do turno, jamais será interrompida e, quando feita com transparência, pode resultar em um “ganha, ganha” aceitável.  “A gente tem que lembrar que a política estadual se faz muito por meio de emendas parlamentares e exposição de influência em Brasília. Essa emenda não é corrupção. A emenda é uma forma de o deputado ou senador mostrar serviço para sua base. Se o governo federal não libera essa verba, esse deputado não tem o que mostrar e isso impacta em uma tentativa de reeleição”, diz o cientista político Valdir Pucci.

Com frequência, no entanto, a luta pelo poder local no Brasil ainda carrega traços dos velhos tempos do coronelato. Há casos em que uma derrota eleitoral  pode significar mais que uma derrota eleitoral — e a violência dessas disputas tem um impacto desproporcional na política de Brasília. “Se Lula tomasse partido por qualquer um dos lados, por Renan ou Lira, isso teria impacto no governo. Se ele ficasse com Lira, Renan iria se sentir ameaçado localmente e dificultaria a vida de Lula. Se o presidente tomasse o partido de Renan, Lira poderia comprometer a situação do Palácio pelo receio de ter uma redução de poder em Brasília”, afirma Pucci.

Dado que Alagoas é a terra do cangaceiro Corisco e um estado onde já houve até tiroteio na Assembleia Legislativa estadual, é uma boa notícia que Lira e Renan não tenham ido às vias de fato. A parte triste é o Brasil todo ficar refém dessa guerra.

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  1. Dá engulhos só de ler… que horror!! Que Deus tenha piedade do Brasil… acho que não temos mais à quem recorrer!! Tragedia!!!

  2. Que tristeza o Brasil ficar refém desses dois crápulas. Povo de Alagoas, tenha dó. O que consola é que eles estejam brigando entre si. Tomara que explodam.

  3. É de nos deixar tomados da mais absoluta perplexidade o fato de que, com tanta gente ótima, íntegra, decente, culta, cônscia, sensata, inteligente, honrada e de valor, preparada, qualificada e competente no BRASIL, o país se encontre sob as patas de 2 mequetrefes desses e suas respectivas curriolas de medíocres, subespécies, disputando ""coisinhas"" pra si próprios, como se o PAÍS, a NAÇÃO E SEUS INTERESSES PAGOS COM SEUS TRIBUTOS, simplesmente inexistisse!!!!!!!!

    1. Um PAÍS, e muito mais importante ainda, uma NAÇÃO, são estruturas grandiosas, a gestão do ESTADO, obviamente, é superlativamente mais complexa e relevante do que a de uma mega-empresa e, EVIDENTEMENTE a tríade NAÇÃO-PAÍS-ESTADO, não pode ficar sob as patas de elementos simplórios, e pior ainda, verdadeiros marginais, como os dessa subespécie que hoje infesta o poder público, que é na verdade, O PODER DE TODOS NÓS.

    2. Como se diria nessa gíria e vício linguístico hooooorroroooooso atual: precisamos """tipo assim""" (rsrsrs..😖😖😖...)..... na verdade de UMA MUDANÇA COMPLETA, EXTENSA, TOTAL, AMPLA, GERAL, IRRESTRITA E PROFUNDA DE PARADÍGMA. Só pra ficar "bem entendido".

    3. É preciso que removamos nas urnas, faxinando-as a cada vez o melhor possível, esses trastes predadores inadequados e nocivos, substituindo-os por cidadãos de bem e do bem, o mais e melhor preparados possível, mesmo que ainda não o seja possível específicamente, para que um dia, o próprio CONGRESSO NACIONAL, especialmente qualificado possa mudar o próprio sistema que o configura.

    4. Não é um moleque ordinário qualquet, como esses mequetrefes marginais boçais que majoritariamente elegemos, que poderá exercer esse míster tão importante e sofisticado, da maneira eficaz, edificante e impoluta como deve ser exercida essa nobre função, que é uma espécie de "medicina da sociedade em seu conjunto" dela tratando e resolvendo os dilemas, impasses, problemas, novas proposições, novas necessidades e com ela evoluindo em seus diversificados caminhos.

    5. A POLÍTICA Séria, assim c/ "P" e "S" maiúsculos, é 1 Ciência Social complexa, 1 exercício profissional q exige profundo conhecimento como qquer outra profissão conexa do gênero e, exige, além de preparo específico, integridade, competência, consciência pessoal e social, inteligência, sensatez, honra, dignidade, estudo e observação constante dos movimentos e anseios da sociedade organizada, q é em seu conjunto, 1 reprodução do organismo humano, c/ suas enfermidades, seu sistema imunológico, etc.

    6. Só a conduta ilibada e a qualificação aperfeiçoam a representatividade. Essa estupidez da ""representatividade incondicional"", é q gera esses monstrengos da ignorância e da perversidade, é q resulta nessas aberrações marginais aboletadas no poder público, como se p/ ex. só 1 "paciente terminal" representasse melhor a área da saúde, 1 "analfabeto" representasse melhor a área da educação, 1 "assassino" representasse melhor a população carcerária, etc, apenas pq fazem parte desses grupos sociais.

    7. A solução, penso eu, Tereza, é exigir rigidamente FICHA LIMPA, CONDUTA ILIBADA e, uma mudança radical no sistema, exigindo que qualquer candidato pretendente a representar o POVO, seja formado em curso superior de CIÊNCIAS SOCIAIS E POLÍTICAS, c/ especialização em alguma(s) das diversas áreas e, aí sim, esteja desse modo apto a provar conhecimento e competência suficiente para o exercício do cargo. É a maneira de eliminarmos os boçais ignorantes e bandidos dos cargos das áreas do poder público.

    8. O problema é o falseamento da representação. Geisel impôs limites inferior e superior ao número de deputados, para favorecer os estados do Norte e nordeste que sempre votavam com o governo. Ficou assim desde então. A solução é o voto distrital puro com retomada de cargo.

    9. Fora com essa súcia de chinfrins, ELEITORES BRASILEIROS!!!!! Enterremos essa camarilha no mais profundo, definitivo e absoluto ostracismo, sob o lixo da História!!!!

    1. Concordo com você, Maria Aparecida. Fico indignada quando vejo tanta gente mais competente e ética que poderia estar no lugar e, desculpem-me, de Estados mais avançados em praticamente todas as áreas. Mas, no final, estamos aí, vendo a briga desses dois políticos profissionais em busca somente do poder. O Brasil que se lasque.

    2. Isto não basta. É preciso que seja eliminado o parágrafo da CF que estipula um mínimo de 8 e um máximo de 80 deputados federais. SP deveria, pela sua população, ter cerca d 120 deputados e Alagoas nenhum, ou 1, que seja.

  4. Com tantos nomes citados no artigo é impossível escolher ao menos um que tenha decência e que trabalhe a favor do país. Que lástima!

    1. Exatamente, Maria Aparecida. Essa é a primeira causa do falseamento da representação.

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