Reprodução/EA SportsNos jogos eletrônicos, a capacidade das jogadoras será equiparada ao universo masculino

A extensão do domínio de bola

Em nome da igualdade, EA Sports FC 24 mistura mulheres e homens em campo, mas a boa intenção pode sair pela culatra
20.07.23

O domínio da luta se estendeu para os gramados. “O liberalismo econômico é a extensão do domínio da luta, sua extensão a todas as idades da vida e a todas as classes da sociedade. Da mesma forma, o liberalismo sexual é a extensão do domínio da luta, sua extensão a todas as idades da vida e a todas as classes da sociedade”, escreveu Michel Houellebecq em… Extensão do domínio da luta (Flammarion). E escreveu mais: “Existe um sistema baseado em domínio, dinheiro e medo — um sistema bastante masculino, vamos chamá-lo de Marte; há um sistema feminino baseado em sedução e sexo, vamos chamá-lo de Vênus. É tudo. É realmente possível viver e acreditar que não há mais nada além disso?”.

A Copa do Mundo de futebol feminino começou nesta quinta-feira, 19, de olho na Copa do Mundo de futebol masculino. É natural que as jogadoras se mirem no estrelado mercado dos jogadores, mas as comparações geram expectativa inalcançáveis e uma animosidade improdutiva. Reivindicar condições dignas de competição é totalmente legítimo, mas cobrar pagamentos iguais não faz sentido. As escalas dos torneios mal se comparam. A última Copa feminina atraiu a audiência de 1,12 bilhão de pessoas, 31% dos 3,57 bilhões que assistiram ao torneio masculino um ano antes, em 2018. Pela comparação, o pagamento justo para as mulheres deveria ser um terço do reservado aos homens.

De tanto martelarem, as jogadoras da seleção americana fecharam um acordo com os compatriotas do time masculino: dividirão entre os componentes dos dois selecionados os prêmios que receberem nos campeonatos. Se os jogadores do EUA não enxergam problema em ganhar proporcionalmente menos, ótimo. Mas eles o fazem por cortesia — e também porque provavelmente não dependem desse dinheiro. As jogadoras da Austrália, que sedia junto com a Nova Zelândia o torneio que começa nesta semana, devem estar de olho na combinação dos americanos.

A meio-campista australiana Tameka Yallop gravou um vídeo para dizer que seu time goza, hoje, de condições de preparação e de jogo similares às dos homens, mas falta igualar os prêmios — elas ganham apenas um quatro do que eles recebem. A Fifa promete equalizar os valores para os campeonatos de 2026 e 2027, mas naturalmente isso será feito por meio de um subsídio aos times femininos, como acontece hoje no Brasil, por exemplo. Os times da Série A do Campeonato Brasileiro são obrigados pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) desde 2019 a manter uma equipe feminina. Até 2027, a obrigação deve se estender a todos os times que disputam as quatro divisões nacionais.

O cenário ideal é que o incentivo ajude o futebol feminino a crescer de tal forma a dispensar o auxílio em algum momento. Enquanto isso não ocorre, é essencial tomar cuidado para não passar mensagens erradas. A apresentação, nesta semana, do jogo EA Sports FC 24, substituto do clássico FIFA, desatou uma polêmica exemplar. O modo Ultimate, que permite misturar em um mesmo time jogadores de épocas diferentes, como Messi, Pelé e Cruyff, também permitirá mesclar homens e mulheres, com o detalhe de que a capacidade das jogadoras será equiparada ao universo masculino, de forma a permitir que elas disputem a partida de igual para igual, como diriam os flamenguistas.

Boa parte dos fãs do FIFA não gostou da novidade, que foi apresentada pelos desenvolvedores como uma forma de promover o futebol feminino. O tiro pode acabar saindo pela culatra, não exatamente porque os jogadores de FIFA são machistas ou algo do gênero. Desde Winning Eleven, os simuladores de futebol tentam se aproximar ao máximo da experiência real de jogo. Colocar Marta no mesmo patamar de Neymar, para ficar em uma comparação recente, seria equivalente a nivelar Romário e Obina dento da grande área. Não faz sentido, não tem graça. Pode parecer bobagem, preconceito, purismo, mas é uma questão essencial e potencialmente prejudicial para o futebol feminino, que parece estar sendo forçado goela abaixo da audiência.

Ninguém é obrigado a jogar FIFA com as mulheres, argumentam os defensores da iniciativa, mas não se trata disso, é uma questão de princípio. É preciso pensar em estratégias mais eficientes e menos arriscadas para popularizar o futebol feminino, que tem crescido não apenas pelo apoio recebido, mas pelo empenho das jogadoras. Parte da audiência futebolística pegou abuso das narradoras que se espalharam pelas transmissões esportivas do país. Tanto faz se o abuso é justo ou não, porque ele leva a deboches e ataques desnecessários. Algumas emissoras têm oferecido alternativas ao espectador, como narrações humorísticas. Assiste quem quiser. Nem tudo precisa ser luta.

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  1. Igualarem as mulheres aos homens, transformando-as em homens? E em outra esfera, colocam mulheres que nasceram homens e cresceram com hormônios masculinos, que tem musculatura e estrutura óssea masculina, pra “competir” no esporte feminino. As mulheres biológicas só se dão mal nessas alternativas…

  2. Gosto de assistir futebol feminino mas não tenho entusiasmo e nem faço comparação com o futebol masculino, não é possível comparar.

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