Foto: DivulgaçãoO humorista Léo Lins: proíbe o humorista de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir ou encaminhar suas piadas em qualquer plataforma

Léo Lins provoca minorias e o Judiciário responde com censura

Por mais que acreditem dever salvar o mundo com suas sentenças, juízes precisam levar em conta que estão submetido ao texto constitucional
18.05.23

Se há hoje no humor uma pessoa incontestavelmente provocativa é Léo Lins. A provocação não se destina apenas a seu público, mas também a grupos minorizados, alvo constante de suas piadas e, por tabela, ao Judiciário, que recebe os queixosos e os ouve. O problema é que como advogado constitucionalista, sempre tenho a fantasia de acreditar que o Judiciário, uma vez provocado, apertado contra a parede dos acontecimentos, diante das dificuldades do dia a dia, se comportará de modo democrático, não autoritário. Sempre me estrepo.

Na última semana, o Judiciário decidiu ouvir um pedido cautelar do Ministério Público do Estado de São Paulo e tascar no humorista uma série de restrições que não consigo chamar por outro nome diferente de censura.

“De antemão, ressalto que as medidas infra determinadas não se configuram como censura (…)”, diz o texto da decisão, antes de basicamente impedir o humorista de existir artisticamente. A ordem legal proíbe o humorista de manter, transmitir, publicar, divulgar, distribuir ou encaminhar, arquivos ou o que quer que seja que tenha conteúdo depreciativo ou humilhante em razão de raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres, ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável.

Léo Lins faz piadas com minorias? Faz. Pesadas? Sim. Ofensivas? Muitas vezes. Mas são piadas. E o Judiciário, por mais que acredite dever salvar o mundo com suas sentenças, precisa levar em conta que está submetido ao texto constitucional e proibido de censurar, por mais boa intenção que tenha. Se levarmos a ferro e fogo as imposições da decisão contra Léo Lins, qualquer humorista da atualidade teria uma gigantesca dificuldade de sustentar sua liberdade de expressão em cima de um palco. Ao buscar impedir que o humorista se manifeste no futuro, a decisão flerta com a censura prévia, vedada expressamente no julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal.

As restrições ao exercício da liberdade de expressão são possíveis, mas apenas quando essenciais, e precisam ser temporárias, justificáveis e específicas. As vedações impostas pela decisão são genéricas e abstratas, dão margem a que toda e qualquer coisa caiba no balaio das proibições. Diferentemente do entendido pelo Judiciário, neste caso, a liberdade de expressão não é uma concessão dada àqueles que se comportam bem; ela serve justamente para os que não se comportam poderem nos provocar, causando reflexão. Esta é a essência do humor, aliás, e de qualquer discurso artístico. Como já escrevi nesta mesma Crusoé sobre o mesmo Leo Lins, em ocasião diversa, o humor mais tosco sempre teve na história uma dupla função: servir como instrumento de crítica social, como nos ensina o provérbio latino ridendo castigat mores, e aliviar a tragédia com o riso.

Não se pode examinar o discurso humorístico como se cada palavra fosse dotada apenas da possibilidade de sua interpretação literal e potencialmente ofensiva: um ator que faz no teatro o papel de um pedófilo não comete o crime de pedofilia, um assassino num livro não comete assassinato, o personagem de uma piada, seu autor e intérprete não cometem crimes. O humor é arte; a piada, ficção. O limite à arte pode ser dado pela plateia, pelo repúdio social, mas não pelo Direito.

Não há suporte constitucional para que, em nome de louváveis valores democráticos como os que a decisão judicial procurou proteger, se impeça alguém de se manifestar e viver de sua profissão.

 

André Marsiglia é advogado constitucionalista e professor. Pesquisador de casos de censura no Brasil.

@marsiglia_andre

andremarsiglia.com.br

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  1. quem não sabe interpretar uma piada que evite-a. O que não pode é censurá-la. Existe espaço para todos os tipos de piadas. Cada vez que vejo eses absurdos me lembro de gênios da comédia popular brasileira. Hoje

  2. Se listar tudo o que a juíza mencionou, não sobra nada. Ou melhor, sobram as loiras e os judeus. Daí pode. Piada é justamente pra sacanear. Esta senhora deve ser muito infeliz.

    1. Justo. Piada é pra rir, é justamente algo pra NÃO levar a sério.

  3. Tanto sabe ser censura que o juiz faz questão de dizer que não é. Um crápula autêntico! Ainda pior do que a censura é a proibição de se ausentar de SP por mais de 10 dias. Num país que bandidos vivem saindo em datas festivas para nunca mais voltar, humorista tem sua liberdade de circulação restrita por piada. O Brasil é um fracasso

  4. Com o advento da internet, são muitos aqueles que se apropriaram de temas polêmicos para conseguir seus desejados "seguidores". O intuito não é fazer piada, é causar polêmica e ganhar espaço na mídia e nas redes. Enganam-se aqueles que acham que o objetivo dessa "arte" é a piada. É a polêmica que interessa, e não é piada: é monetização da visualização. Pode-se sim, usar esse tema para criticar os políticos do nordeste, mas não. O escárnio é que gera polêmica. Políticos? Não.

  5. Porque o judiciário não entende mais que a punição deve vir depois do ato? Não era assim, se multava e retirava conteúdos ilegais? Porque agora essa onda de censura prévia?

    1. Cada humor tem seu público. Conheço algumas piadas muito boas de humor negro que só posso contar para algumas pessoas. É piada. Não traduz minha posição sobre o assunto. Dizer que uma piada propaga discurso de ódio é irracional. Você sabe por quê papai Noel não desce na Bósnia? Criança que não come não ganha presente. Kkkkkk

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