Valter Campanto / Agência BrasilParlamentares tomam posse em fevereiro: hipocrisia

A certeza da impunidade por meio da anistia dos partidos

O interesse do sistema não é incluir as mulheres, mas sim se manter no poder
18.05.23

A discussão sobre a anistia para partidos políticos que não cumpriram a distribuição de recursos para candidaturas de mulheres voltou à tona. Foi aprovada na CCJ da Câmara dos Deputados a PEC 9/2023, que visa a estender para as eleições de 2022 a anistia, já concedida para os partidos que não cumpriram as regras sobre cotas nas eleições de 2018 e 2020.

Vamos à linha do tempo: a partir de 2018, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) definiu que os partidos devem repassar 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para candidaturas de mulheres, em virtude das cotas de gênero que exigem a presença também de 30% de mulheres nas chapas eleitorais. Entretanto, em 2018 e 2020, mais de 20 partidos não cumpriram a norma e por isso apresentaram a PEC 18/2021, buscando anistiar-se. Com isso, deixaram de ser aplicadas sanções como devolução de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário.

A justificativa para essa benesse foi que não houve tempo hábil para que os partidos pudessem se preparar para a distribuição de recursos, já que, de acordo com os defensores da PEC, os dirigentes já haviam definido a maior parte da destinação dos recursos. Essa justificativa, ainda que duvidosa, foi acatada pelo Congresso Nacional e, em maio de 2022, a então PEC foi promulgada, deixando os partidos impunes.

Em 2022, contudo, ocorreram novas eleições e, sem surpresa, novamente foram cometidas fraudes na distribuição de recursos. Cerca de 40% dos partidos não cumpriram a obrigação definida pela norma do TSE. Em vez de arcarem com as consequências, decidiram propor mais uma PEC para estender a anistia às eleições de 2022. A pergunta que fica é: até quando os partidos continuarão a fugir de punições por meio de PECs? A verdade é que os políticos não têm interesse que a regra sobre candidaturas femininas um dia seja de fato aplicada.

A mobilização popular liderada por 50 movimentos da sociedade civil foi significativa e fez com que o projeto saísse da pauta da CCJ no dia 25 de abril, mas não foi suficiente para derrubá-lo de vez. Nesta terça-feira, 16 de maio, ele voltou para a pauta e foi aprovado com 45 votos a 10. Infelizmente, esse é um sinal que o projeto tem grandes chances de ser aprovado em plenário e os partidos devem se tornar novamente impunes.

Enquanto isso, as mulheres ainda estão longe de ocupar uma representatividade igualitária nos cargos públicos. De acordo com dados divulgados pelo TSE em 2022, apesar de representarem 52% da população brasileira, as mulheres ocupam apenas 16% dos cargos eletivos no país. As cotas para gênero na política, que foram discutidas no artigo publicado anteriormente aqui na minha coluna nesta Crusoé, trouxeram como consequência o surgimento de mais candidaturas laranjas. Como resposta a isso, recursos públicos foram destinados para tornar as candidaturas viáveis. Entretanto, o sistema não cumpriu sua própria regra e retirou as punições por não cumpri-la, o que reforça que o interesse do sistema não é incluir as mulheres, mas sim manter-se inalterado. 

A certeza da impunidade é o recado que fica diante de situações como essa, especialmente quando se trata da gestão de recursos públicos. Infelizmente, vivemos tempos sombrios em que a sensação de que a lei não é aplicada igualmente para todos mina a confiança nas instituições e a segurança jurídica brasileira. A Operação Lava Jato, por exemplo, foi a maior investigação de corrupção na história do país, mas, infelizmente, não foi suficiente para garantir que os corruptos fossem punidos e afastados definitivamente do poder. Até mesmo um ex-presidente que foi condenado por corrupção e acabou na cadeia voltou ao Palácio da Alvorada, enquanto o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que desviou milhões de reais dos cofres públicos, aguarda sentenças definitivas em prisão domiciliar. Nesse contexto, a renovação política, que deveria representar a saída de alguns nomes do espaço público para permitir que novas lideranças femininas ocupem cargos, é constantemente ameaçada  pela perpetuação do compadrio.

Vale lembrar que o que se discute neste texto não é a moralidade do fundo eleitoral e do fundo partidário, que, somados, resultam em cerca de 6 bilhões de reais de dinheiro público para financiar campanhas e partidos, mas sim a hipocrisia dos políticos e dirigentes partidários. Estamos avançando lentamente na inclusão de mais mulheres, especialmente aquelas que representam a renovação, na política brasileira. No entanto, se dependermos apenas do Congresso Nacional, não veremos essa mudança acontecer durante nossas vidas. É por isso que precisamos mobilizar a sociedade civil para obter mais apoio e força popular para trazer novos nomes femininos ao poder. Uma mudança real na representação política das mulheres no Brasil só será possível com um esforço coletivo que envolva a sociedade civil, as instituições e os próprios partidos políticos. Somente assim poderemos construir uma democracia mais sólida e representativa.

 

Anne Dias é advogada, presidente do LOLA Brasil e líder do Livres

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  1. Tudo está errado aqui (como sempre), muita purpurina e pouca ação: 1- a participação feminina deveria ser consequência do engajamento ativo da mulher na política e no eleitorado em elegê-la (pelo valor das suas propostas e não pelo seu sexo);2- havendo imposição legal, ela deveria vir sempre do congresso e não do TSE;3-havendo lei, cumpra-se! Um exemplo desgraçado pro cidadão ter partidos que atuam ilegalmente na maior cara de pau, limpando em nova legislação a ilegalidade que cometem.

  2. Um tema bastante rico esse sobre a participação das mulheres na política aqui no Brasil. Seria interessante saber como é essa participação na América Latina e Europa.

  3. Para aumentar a participação feminina na política, é preciso que as mulheres queiram e vão atrás. Não tem que ter cota pra isso.

    1. Pois é Renata mas infelizmente o imbatível mulherio gosta mesmo de votar é em espadas e preferem ir ao poder como coadjuvantes para controlar o idiotizado macharal a quem fazem de gato e sapato e que o digam a Roze e a Janja ... sem neura claro.

  4. Difícil de acreditar que teremos representatividade, sobretudo num país que não tem pessoas que possam fazer as leis serem cumpridas de forma justa e ética. Aqui o negócio é OBA-OBA. Quem leva mais! O Carnaval incorporado na vida pública. Daqui não saio, daqui ninguém me tira!!!

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