Flickr/Sarah StierchO First Republic Bank, nos Estados Unidos: comprado pelo JP Morgan

O caos nos bancos americanos

Quanto mais instituições fecham, mais os correntistas sacam dinheiro, o que leva a novas quedas e mais pânico
04.05.23

Há poucos dias, correntistas dos Estados Unidos foram surpreendidos com a terceira quebra de um banco regional em pouco mais de um mês. O First Republic Bank foi comprado pelo JP Morgan, após o FDIC (uma espécie de Fundo Garantidor de Crédito) assumir as dívidas da instituição financeira. Mas afinal o que está acontecendo com os bancos americanos e quando a sequência de falências vai se encerrar?

O negócio bancário é razoavelmente simples de ser entendido. O banco capta dinheiro dos correntistas (por meio de venda de títulos ou depósitos em conta-corrente) e empresta esses recursos para quem precisa. Para que isso tenha um mínimo de segurança, normas e regulamentações exigem que as instituições financeiras tenham ativos que assegurem os valores dos correntistas, caso eles queiram pegar o dinheiro para gastar ou qualquer outro motivo que os levem a sacar.

Nos Estados Unidos, os bancos adquirem títulos para fazer frente à parte dessa necessidade de ativos que os permitam realizar empréstimos. Eles são divididos em três categorias: “negociação (trading)” — que são papéis que permanecerão nos balanços por pouco tempo porque são negociados com frequência; “títulos de dívida” — normalmente públicos e que a instituição classifica contabilmente como um papel que será carregado até a data de vencimento; e “disponíveis para venda” — também títulos públicos ou ligados ao setor imobiliário.

Para efeitos de índices de segurança para o sistema, os papéis que são carregados até o vencimento (conhecidos também como held to maturity, em inglês) têm o valor contábil registrado como a quantia a ser recebida quando do vencimento. A ideia é que as flutuações de mercado não causem volatilidade no patrimônio dos bancos o que tenderia a ampliar a complexidade do negócio. Note, porém, que quando as taxas de juros sobem, o preço de mercado desses títulos cai e vice-versa. Como eles serão realizados, transformados em dinheiro, somente no fim do prazo acordado, não há motivo para preocupação, ou será?

Quando o FED (Federal Reserve) iniciou o ciclo de alta de juros em março de 2022, após anos de taxas próximas a zero, correntistas e investidores redescobriram que os depósitos bancários poderiam ser remunerados ou seriam transferidos para fundos de renda fixa. Os bancos passaram, então, a ofertar alguma remuneração aos clientes para evitar que houvesse fuga de recursos.

A partir daí, o custo de captação das instituições financeiras começa a subir, e a necessidade de ativos que garantam os empréstimos e os depósitos também. Soma-se a isso, a deterioração das condições econômicas, notadamente a inflação, que obrigou empresas a tirarem dinheiro dos bancos para fazer frente a obrigações financeiras — o que, por sua vez, força os bancos a vender ativos para honrar os saques.

Em determinado momento, as instituições precisavam se desfazer de títulos que seriam carregados até o vencimento. Mas aqueles papéis valiam menos agora em função da alta dos juros e os bancos começaram a apresentar sinais de que poderiam não ter dinheiro para honrar os saques. Foi nesse momento que o Silicon Valley Bank sugeriu um aumento de capital (com uma rodada de venda de novas ações) para reequilibrar o balanço. A notícia levou os correntistas a aceler os saques no banco para evitar ficar sem acesso ao dinheiro em uma eventual falência — o que se transformou em uma profecia autorrealizável, e o SVB acabou quebrando em 13 de março deste ano.

A desconfiança com o sistema bancário então vem se retroalimentando a cada nova quebra. Enquanto esse texto era escrito, dias após a falência do First Capital Bank, o PacWest Bank (outra instituição financeira da Califórnia) despontava como a provável próxima vítima e tinha as ações valendo cerca de 70% menos do que valiam no início da semana — mesmo roteiro das falências anteriores.

Para se ter uma ideia da destruição de riqueza que essa crise de confiança tem causado, os bancos regionais americanos, que chegaram a valer cerca de US$ 475 bilhões de dólares no início do ano, atualmente estão perto de US$ 100 bilhões em valor de mercado. E quanto mais caem, mais os correntistas procuram alternativas, o que alimenta mais vendas de ativos depreciados, o que leva a mais quedas, e mais pânico de correntistas.

O problema é que, para conter o problema, o FED tem poucas alternativas. Até agora, a autoridade monetária e supervisora do sistema bancário tem atuado para garantir que bancos maiores absorvam aqueles com problemas e para que o FDIC garanta todos os depósitos dos correntistas, mesmo aqueles acima dos limites de US$ 250 mil previstos anteriormente. No entanto, em um mercado com US$ 20 trilhões em depósitos, se o movimento continuar, a autarquia terá de abandonar a luta contra a inflação e cortar os juros, o que salvaria o sistema bancário e arriscaria o econômico como um todo.

Além disso, o Banco Central americano estaria estudando a revisão de medidas que relaxaram a fiscalização de bancos médios e pequenos no país a partir de 2018, exatamente os atingidos pela crise atual. Entre as medidas estariam a revisão de testes de estresse das instituições financeiras menores e o aumento do volume de capital e liquidez exigidos. À época, regras impostas após a crise de 2008 foram revisadas para facilitar a disponibilização de crédito e ajudar a impulsionar o crescimento econômico.

Até o momento, não há indicação de que haverá uma mudança na postura das autoridades americanas, e os Estados Unidos vivem seu momento de teledramaturgia brasileira enquanto esperam pela próxima vítima.

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  1. Me pergunto como será a real situação dos bancos brasileiros, afinal as taxas de juros subiram também e muito mais no Brasil do que nos USA.

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