Mateus Bonomi/Agif/FolhapressFlávio Dino: incentivo à teorias da conspiração e ataque contra empresas

As fake news do PL

Governo, oposição, parlamentares, ONGs e empresas se valeram de notícias falsas no debate do projeto de lei, cuja votação foi adiada
04.05.23

O governo Lula e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, fizeram um esforço concentrado para aprovar o Projeto de Lei 2630, conhecido como PL das Fake News, na terça, 2. A data foi estabelecida em regime de urgência, com a alegação de que era necessário proteger as crianças brasileiras de ataques em escolas. Mas, sem poder contar com o número suficiente para aprovar o PL, Lira tirou o assunto da pauta. Foi uma derrota dupla: para ele e para o governo.

O paradoxal é que, ao longo de um intenso debate, os dois lados da discussão, o da situação e o da oposição, fizeram uso de meias verdades e alegações sem fundamento — apesar de se colocarem como contrários a essa prática.

O espetáculo a que os brasileiros assistiram nesses dias foi um festival de fake news executado pelos integrantes do Executivo, parlamentares, empresas digitais, ONGs e até jornalistas. No auge da discussão, o Ministério da Justiça se revoltou contra o Google, que divulgou artigos críticos ao projeto de lei e inseriu frase logo abaixo do campo de busca, em sua página principal. “O PL das fake news pode piorar sua internet” e “O PL das Fake News pode aumentar a confusão sobre o que é verdade e mentira na internet” eram os títulos dos textos. O ministério ameaçou com uma multa de 1 milhão de reais por hora, caso a empresa não deixasse clara sua posição contra o projeto de lei e classificou as frases como propaganda em sua página principal. A pasta também tentou obrigar o Google a publicar conteúdo favorável à proposta no mesmo espaço.

Na entrevista coletiva em que anunciou a medida contra o Google, Dino ainda investiu contra outra plataforma, o Twitter: “Há muitos usuários, jornalistas, inclusive, mostrando que, durante horas, não conseguiram postar as suas posições. Há uma conhecida jornalista que fez esse teste ao vivo”, comentou Dino. Ele se referia à uma apresentadora da CNN Brasil, que não conseguiu postar um texto e uma foto ao vivo sobre o PL 2630 no Twitter na segunda (1º). A acusação da jornalista era de que o algoritmo estaria impedindo a publicação de mensagens sobre o projeto. Mas a apresentadora chegou a essa conclusão sem qualquer método ou consulta a especialistas. Ela apenas criou, em poucos minutos, a sua própria explicação para o insucesso com a postagem. O dono da rede social, Elon Musk, comentou o vídeo da CNN Brasil e classificou a alegação como inverídica. “O Twitter sofreu brevemente algumas falhas técnicas que ocorreram por causa do seu crescimento, as quais afetaram usuários em todo o mundo. Muitas pessoas estavam se conectando simultaneamente”, escreveu  Musk. “Alocamos mais capacidade para servidores de autenticação e resolvemos o problema”, completou.

Jornalistas e comentaristas têm liberdade para fazer suas análises e comentários. Mas quando um ministro de Estado usa isso para sustentar teorias da conspiração, ele não está buscando aprimorar a discussão, e sim fortalecer  seu próprio lado. O resultado só pode ser ainda mais confusão e notícias falsas.

Na mesma pegada de Dino, o NetLab, da UFRJ, divulgou um relatório com o título A Guerra das Plataformas. O centro alegava ter reunido evidências de que o Google estaria apresentando resultados de busca para atacar o projeto, destacando o termo pejorativo “PL da Censura“. O NetLab, contudo, não detalhou quais seriam esses indícios. A empresa disse que a alegação era falsa. Uma busca feita em modo anônimo, que não deixa resquícios de quem estava usando o computador, mostra que esse termo negativo era apenas um dos vários oferecidos como resposta pela ferramenta.

Indecisões e alterações no projeto de lei, cuja relatoria ficou com o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), também renderam muitas incertezas. Silva ampliou o escopo do projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB-CE), alterando-o substancialmente, a ponto de avançar o debate sobre os algoritmos das plataformas digitais, uma área nebulosa. Orlando também chegou a cogitar a definição de uma autoridade reguladora estatal. Por pressão da bancada evangélica, que temia que versículos bíblicos pudessem ser vetados na internet, o trecho foi retirado do relatório final. Contudo, a supressão criou um hiato de poder e, consequentemente, uma corrida para ver quem assumiria essa função. Ao menos três atores ficaram em evidência: a Anatel, o governo federal e o Judiciário. O temor de que o governo criaria uma entidade para promover a censura não se dissipou.

Na quinta, 4, uma emenda atribuindo à Anatel esse papel já estava em elaboração. Faltava, no entanto, um parlamentar para assumir a autoria. “A ausência de algo claro na lei preocupa todo mundo. Estamos dialogando para tentar entender o que o governo está pensando. Colocaram todos em uma sinuca de bico difícil de resolver“, comentou Laura Moraes, diretora da Avaaz Brasil, uma das ONGs que participou das audiências do PL no Congresso.

O Judiciário, enquanto isso, era apontado como instância automática na ausência da definição do órgão. Laura advertiu, no entanto, que a ausência de uma definição abre brecha para questionamentos. Um deles é sobre qual braço do judiciário executaria a função reguladora. Com muitas perguntas e nenhuma resposta, foram as fake news que dominaram a discussão. O adiamento da votação, assim, acabou sendo celebrado por todos. Abaixo, selecionamos algumas notícias falsas que ganharam tração nesses dias.

 

O PL das Fake News…

… é baseado no modelo cubano
Texto compartilhado pelo deputado Mário Frias (PL-SP) comparou o PL das Fake News à regulação das redes sociais em Venezuela, Nicarágua e Cuba. A mensagem é ilustrada com uma imagem do ditador soviético Josef Stalin. Na verdade, a inspiração para o projeto brasileiro é alemã. A Lei de Fiscalização da Rede foi aprovada na Alemanha em 2017 e ficou conhecida popularmente como Lei do Facebook. A norma alemã estipula um prazo de 24 horas para a retirada de conteúdos “claramente ilegais” e prevê multa em caso de descumprimento.

… vai proibir a divulgação de versículos bíblicos
O projeto não proibirá a publicação de versículos da Bíblia. O deputado Deltan Dallagnol (Podemos), no dia 24 de abril, afirmou que algumas passagens bíblicas seriam censuradas por se enquadrarem em conteúdo discriminatório a mulheres e à comunidade LGBT. Entretanto, a primeira versão do projeto, de Alessandro Vieira, de 2020, já falava em respeitar a manifestação religiosa, o que está de acordo com o artigo 5º da Constituição.

… vai impedir a remoção de conteúdo desinformativo
Um editorial divulgado pelo Google omitiu alguns fatos em seu principal argumento contra o PL das Fake News. Segundo a plataforma, ela seria proibida de remover conteúdo produzido por “qualquer empresa constituída no Brasil para fins jornalísticos”, incluindo por sites de desinformação que se autodeclaram veículos jornalísticos. De fato, o artigo 32 da versão mais recente do projeto proíbe a remoção de conteúdo jornalístico caso seja motivada para se eximir da responsabilidade de remunerar um veículo jornalístico. Isso pode gerar brecha, mas o próprio artigo 32 ressalva “os casos previstos nesta Lei, ou mediante ordem judicial específica”, e o projeto prevê regulamentação posterior para aprimorar o processo de remuneração.

… vai remunerar sites de desinformação
Meta também engana em seu editorial contrário ao PL das Fake News sobre ponto interligado àquele do editorial do Google. A proprietária do Facebook afirma que a obrigatoriedade de remuneração às empresas jornalísticas pelo uso de seus conteúdos nas plataformas resultaria no financiamento de sites de desinformação que se passam por veículos jornalísticos. O artigo 32 do projeto prevê condições para essa remuneração. O veículo precisa estar constituído há pelo menos 24 meses e produzir “conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada, profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no Brasil”. Essas condições podem ser vagas e dar brecha para agentes de desinformação, mas o projeto prevê regulamentação posterior para aprimorá-las.

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500
  1. As mentiras seduzem mais que a verdade.Os que combatem as fakes news são os mesmos que as praticam.Pimenta nos olhos dos outros é refresco. Ingenuidade que acredita nos políticos de nosso país. O Lula tem compromisso com a verdade? Como acreditar nele, que se julga uma metamorfose ambulantes? A hipocrisia é a principal carcteristica desse pessoal.

  2. Este projeto de lei cria a visão da figura do provedor de aplicação, e em seu parágrafo do art. 9º, da versão origin, realmente fala sobre "não implicação em restrição ao livre de desenvolvimento da personalidade individual à manifestação... de conteúdo... religioso...", que na teoria protege a minha manifestação individual, mas coloca na figura dos provedores a responsabilidade de garantia desse direito. Cujo o cunho deste direito é conflitante com a própria lei. Deltan está correto...

  3. “Cabeça! CabEÇA! CABEÇA DINOSSAURO! CABEÇA DINOSSAURO! PANÇA DE MAMUTE! PANÇA DE MAMUTE! PANÇA, PANÇA, PANÇA DE MAMUTE! ESPÍRITO DE PORCOOOOOOOOOO, ESPÍRITO DE PORCOOOOOOOOO, ESPÍRITO DE 🐖 🐷 ‼️” 🍷🗿

    1. Para quem é burro de pai e mãe ou sabe de nada, inocente, o PL das “fake news” não pretende atacar a liberdade de expressão; esse monstrengo defendido por quem usa do poder “da caneta” para divulgar meias verdades e mentiras inteiras (com qual propósito? 🤷🏻‍♂️) quer mesmo é ANULAR O DIREITO DE INFORMAÇÃO das pessoas. Ou vc acredita no Jornal Nacional? Em quantos “jornalistas” você acredita realmente? É pelo DIREITO À INFORMAÇÃO QUE VOCÊ DEVE PRESSIONAR OS PARLAMENTARES: NÃO ao PL das “fake news”.

  4. Esse debate no Brasil está completamente contaminado, o que apenas poderia resultar num PL horroroso. Aqui não se está legislando com o objetivo de salvaguardar o interesse de quem busca notícia, mas sim o interesse econômico dos veículos de imprensa tradicionais e o privilégio da mentira à mesma imprensa e aos agentes políticos, por si só uma poderosa ferramenta de poder.

  5. "...festival de fake news executado pelos integrantes do Executivo, parlamentares, empresas digitais, ONGs e até por jornalistas." Como assim "...até por jornalistas."??? Talvez fosse melhor "...principalmente por jornalistas."

    1. ...Jornalistas sim dos veículos tradicionais escritos e falados são os mais açodados no apoio ao cala-boca de redes sociais. Basta exigir identificação nominal como aqui que vão pensar duas vezes antes de escrever aleivosias, mentiras ou análises torpes e vergastadas sobre a realidade sociopolítica.

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