CNACafeicultores brasileiros: país alimenta um em cada sete habitantes do planeta

O agro é pop

Vilanizado por alguns e tratado como palanque político por outros, o setor tem boas lições a ensinar à economia brasileira
04.05.23

Situada em Planaltina, no Distrito Federal, a sede da Embrapa Cerrados conta com um inusitado jardim japonês. É por lá que estão depositadas as cinzas do pesquisador Masato Kobayashi.

Desconhecido no Brasil, Kobayashi foi o líder da missão da JICA, a Agência Japonesa de Cooperação Internacional, em um dos projetos mais revolucionários já empreendidos no Brasil.

Ao contrário do mito descrito na carta do descobrimento de que por aqui “em se plantando tudo dá“, o Brasil passa longe de ser um país abençoado pela natureza.

Nossos problemas geográficos são diversos, não por coincidência, 60% da nossa população vive na região costeira.

Temos desde rios que correm para dentro, como o Tietê que nasce há 22 km do mar, mas percorre um caminho de 1136 Km até finalmente encontrar o oceano Atlântico, como também solos impróprios para o cultivo agrícola.

E foi justamente nesse segundo ponto que, em 1977, a Embrapa e a agência japonesa decidiram atuar.

Por meio dessa cooperação, o Brasil superou os desafios geográficos, incluindo pesquisa científica e técnicas de produção que permitiriam ao país explorar a atual região de maior produção agrícola no país, e que nos rende o autoapelido de “celeiro do mundo“.

Na prática, por meio de 7% do seu território, o Brasil alimenta um em cada sete habitantes no planeta.

Para ficar ainda mais claro: em 1977 o país produzia 38,2 milhões de toneladas de grãos. Em 2022, produziu cerca de 308,2 milhões de toneladas, um aumento de 8 vezes. No mesmo período, a população brasileira saltou de 113,9 milhões para 213,2 milhões de habitantes, “apenas” dobrando.

Essa relação é importante de ser entendida uma vez que, como você já deve ter lido, a produtividade brasileira está estagnada há quatro décadas. Isso significa que a riqueza produzida por trabalhador se mantém praticamente estável quando olhamos a economia como um todo.

Na prática, o Brasil aumenta seu PIB apenas aumentando o número de trabalhadores na ativa. O setor agrícola é uma exceção: sua produtividade cresce, em média, 3,3% ao ano, ou quase sete vezes mais que o total da economia.

E engana-se quem acha que isso decorre de uma expansão desenfreada de novas áreas de cultivo.

Cerca de 87% desse aumento veio da PTF, a Produtividade Total dos Fatores, dividida da seguinte forma: 20% de terras, que se tornaram mais produtivas, 20% dos trabalhadores, também mais produtivos, e 60% de tecnologia.

Em suma, o agro agregou tecnologia como nenhum outro setor produtivo no Brasil.

Nada disso, porém, parece passar de maneira positiva pela cabeça de nossos ilustres governantes.

Temos, em especial nos nomes que compõem o atual governo, uma certa “mania de industrialização“, oriunda do viés ideológico.

Como é típico de governos com forte apego emocional à ideia de  planejamento central, a indústria toca o coração dos nomes que hoje comandam a economia.

Indo um pouco mais a fundo, é possível entender o peso de Lula, um ex-operário da indústria, no campo da esquerda, graças a essa visão sobre o papel desse setor no desenvolvimento de um país.

Isso não é exatamente uma exclusividade nossa. Nos primórdios da economia, a ideia de que apenas a agricultura gerava riqueza era dominante. Esse pensamento deu origem aos fisiocratas.

Esse grupo de economistas franceses, liderados pelo médico François Quesnay, o autor da expressão “laissez faire, laissez passer, le monde va de lui-même” (deixai fazer, deixai ir, o mundo anda por si mesmo), sedimentou as bases econômicas do liberalismo, tendo forte influência sobre Adam Smith, que passou anos na França antes de publicar seus mais relevantes trabalhos.

Como Smith pontuaria, entretanto, a riqueza pode ser obtida em qualquer dos três setores, estando atrelada não à produção, mas à complexidade da produção.

Nesse sentido, o agro brasileiro também se sai bem, como o uso de tecnologia (oriunda em boa parte da indústria) deixa claro.

Mas há algumas razões para que o setor primário (incluindo o agro, pecuária e extrativismo) seja o único setor a apresentar ganhos relevantes de produtividade.

Um fator importante é o tributário. Considerando a má escolha brasileira por concentrar os impostos por aqui em duas áreas (consumo e trabalho), o setor primário paga uma carga tributária muito menor do que a média.

Como aponta a CNI, a Confederação Nacional da Indústria, o agro paga 6 reais de impostos a cada 100 reais em faturamento. A Indústria paga 43 reais e o setor de serviços, 23 reais.

Há também as desonerações, mas elas não fogem da regra geral. A agricultura e a agroindústria somam 40 bilhões de reais em impostos que o governo abre mão de arrecadar. O número é igual ao da Zona Franca de Manaus e menos da metade das desonerações com o Simples Nacional, majoritariamente focadas no setor de serviços.

O que o agro tem que outros setores não tem é, de maneira resumida, a concorrência.

Como nossos intelectuais de esquerda apaixonados pela indústria gostam de frisar, o setor agrícola exporta a maior parte da sua produção (como mencionado acima, produzimos o suficiente para alimentar 900 milhões de pessoas).

Isso obriga o agro brasileiro a concorrer com o americano, o francês, o argentino, o neozelandês, o canadense e, enfim, todos os outros países do mundo.

O agro não possui concentração capaz de formar preços. Os preços são dados em bolsas de commodities como Chicago ou Londres.

E esse caso é simbólico, uma vez que o segredo da Coreia do Sul, o exemplo favorito de todo país emergente que defende a industrialização, encontra-se na competição externa.

O governo sul-coreano concentrou seu apoio em indústrias capazes de competir e se estabelecer em mercados globais.

Por aqui, subsidiamos a indústria e ainda fechamos a porta para garantir que ela consiga explorar o mercado consumidor interno. Em resumo: favorecemos a ineficiência no setor.

Que o agro tenha se tornado uma espécie de inimigo do governo é bastante simbólico.

É também lamentável que o setor se disponha a entrar numa disputa política, uma vez que um entendimento poderia colaborar para avançarmos reformas e políticas cruciais ao país.

Para quem ainda tem a esperança de viver em um país desenvolvido, conflitos só garantem tempo perdido, desviando o olhar de um setor que dá certo e cujas dinâmicas poderiam ser replicadas.

Como mencionado na coluna da última semana, o país precisa avançar na abertura comercial.

Somos o 5⁰ país mais fechado do mundo. Se somarmos as importações e exportações brasileiras e dividirmos pelo PIB, chegaremos a um número menor do que Cuba. Um total escárnio.

É essa lição que o agro deveria estar empenhado em apoiar.

 

Felippe Hermes é jornalista

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