Wilson Dias/Agência BrasilO ex-prefeito de São Paulo, quando foi deputado: ele chegou a apoiar Haddad em 2012

Bolsonaro é o novo Maluf?

O ex-governador e ex-prefeito de São Paulo não conseguia se viabilizar sozinho, mas era sempre cortejado pelo estoque de votos fidelizados que possuía
31.03.23

Volte a 31 de dezembro de 2022. Num multiverso qualquer, após realizar a transição do governo, mesmo não reconhecendo formalmente o resultado, Jair Bolsonaro marca seu último pronunciamento como presidente da República. Há panelaço e gozação do lado vencedor enquanto ele fala em cadeia nacional, mas não são eles os destinatários da mensagem.

Com tom sóbrio, mas confiante, Bolsonaro afirma que serviu o país como presidente e, agora, trabalharia como líder de uma oposição popular de direita. Levantaria alguns pontos pelos quais lutaria, como a redução de impostos, liberdade de expressão e fim da burocracia, e conclamaria desde já manifestações nas ruas em datas simbólicas, como o Descobrimento do Brasil e o feriado da Independência. Desejando feliz Natal aos brasileiros, se despediria já deixando delimitado o seu espaço no universo político nos próximos quatro anos. No dia primeiro, seria acompanhado por uma grande multidão ao aeroporto, dividindo as atenções das câmeras com a posse de Lula.

A diferença entre o que poderia ter sido e o que foi – uma saída quase fuga, sem mensagens ao próprio eleitorado, aos aliados ou a quem quer que seja – dá a pista do tamanho político de Bolsonaro hoje, quase um fantasma, sem aliados, que ainda conta com um partido porque seu presidente, Valdemar da Costa Neto, sabe do potencial de confusão que os deputados ligados ao ex-presidente possuem. Uma figura que, hoje, tem a concorrência da esposa, Michelle Bolsonaro, que representa a principal chance de o clã manter influência.

Bolsonaro, politicamente, é, hoje, muito menor do que poderia ter sido. Seu retorno ao Brasil foi marcado por saudações no Congresso Nacional de partidos que compuseram sua base. Entre os ex-parceiros, principalmente liberais e conservadores em geral, há uma justa desconfiança e falta de tempo para lhe dar atenção, envolvidos que estão em discussões duras sobre marco fiscal e, um pouco mais à frente, com a tentativa de viabilizar nomes próprios para a sucessão de 2026.

Neste cenário, Bolsonaro até ajuda Lula em um primeiro momento. Considerando a situação precária na qual o governo chega aos 100 dias, o retorno do ex-presidente é uma baita cortina de fumaça, criando uma agenda paralela que boa parte da imprensa adorará cobrir. Não haveria momento melhor para eventos diversionistas para o PT do que esse, no qual começa a atravessar o deserto de uma discussão ortodoxa fiscal que contraria o discurso com o qual foi eleito.

A pauta que a imprensa desenvolverá sobre Bolsonaro não se centrará em eventuais comentários feitos por ele sobre erros de Lula. Possivelmente, será a cobertura de um extenuante processo judiciário que será aberto contra o ex-presidente em diversas frentes. Distração à vontade com a qual certamente os estrategistas do PT contam para ajudá-los na comunicação da própria gestão. A figura de um inimigo no horizonte é sempre boa para manter a base unida (Bolsonaro usou a possível volta do PT como elemento central da sua narrativa durante seus quatro anos).

Mas isso significa que Bolsonaro não tem mais um papel a cumprir no tabuleiro político? Não tão rápido.

É preciso lembrar uma boa e velha lei da política: não são oposições que vencem eleições, são governos que as perdem. Isso significa que a importância futura de Bolsonaro é inversamente proporcional ao sucesso ou não do governo Lula. Se Lula fracassar, o ativo Bolsonaro se valorizará e vice-versa. Ou seja, ele não depende apenas de si para se viabilizar.

Para além de um futuro difícil de prever, o fato é que Bolsonaro é, hoje, um grande eleitor. Não se sabe o quanto lhe sobrou de eleitores fiéis, os que se contentam em ser alimentados pelo seu carisma. Mas, supondo, numa estimativa realista, que ele mantenha entre 15% e 20% dos eleitores brasileiros, tem um cabedal insuficiente para vencer uma eleição presidencial, mas capaz de bloquear ou impulsionar candidaturas.

Assim, Bolsonaro caminha para ser uma espécie de novo Paulo Maluf, ex-governador e ex-prefeito de São Paulo que, já na fase final da sua carreira, não conseguia se viabilizar sozinho, mas era sempre cortejado pelo estoque de votos fidelizados que possuía. Sua última famosa intervenção foi o apoio empenhado para Fernando Haddad (PT), sob a benção de Lula, na eleição para a prefeitura da capital paulista em 2012.

Claro que não é uma decisão para agora. Mas considerando a incapacidade e a falta de disposição que Bolsonaro demonstrou ao não construir uma ponte entre sua saída do poder e a liderança de uma oposição popular ao governo Lula, é seguro pensar que ele tende a se acomodar no papel de grande eleitor, o que não é pouco, e até tente submergir por um tempo. A aposentadoria, como Bolsonaro muitas vezes manifestou, até que não é um problema para o ex-presidente, se a sua manutenção como ameaça não fosse vista como algo que precisa ser alimentada pelo PT. Hoje, ele é um alvo natural e até fácil.

Assim, Bolsonaro será mantido no palco mesmo que não queira. Seu futuro depende pouco de si. Embora seja um ativo desvalorizado, mas ainda tem importância, considerando as dificuldades que Lula está enfrentando. Sabendo trabalhar a estratégia de grande eleitor e mantendo seu futuro em aberto, Bolsonaro pode continuar no jogo e até obter algum benefício. Mas o retorno será sempre relativo ao seu verdadeiro tamanho, aquele que ficou evidenciado pelo que ele não fez na sua despedida do poder.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. O Maluf não é exatamente o exemplo para pregar no Pangaré Sociopata e todo político tem curva de declínio em sua capacidade de influenciar pois as conjunturas mudam ao longo do tempo, obviamente.

  2. Essa análise brilhante, na minha opinião, torna-se vazia de expectativas pois trata-se de uma personalidade psicopática, portanto, covarde, medrosa, traicoeira, egoista. Vide fuga para a Disneylândia e o golpe da virada de mesas-atualissimos, né!- e, mesmo impossível de acreditar, mas… amplamente favorável para quem ele parece odiar, o também psicopata- mas sabido- luloptista.

  3. Bolsonaro é um autêntico encosto: não permite à direita viabilizar um novo candidato (já que possuiu cativa importante fatia desse eleitorado) ao mesmo tempo que garante uma cortina de fumaça ao PT. Ele tem que sumir para ontem. É também o que ele certamente desejará, já que trabalhar nunca foi a dele, mas sim uma boa vida de encostado, o que suas muitas aposentadorias e o cargo decorativo no PL garantirão.

Mais notícias
Assine agora
TOPO