Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilRoberto Campos Neto, presidente do Banco Central e novo Judas favorito dos petistas; ele apanha mais que Bolsonaro

Indignação como performance 2, a missão

31.03.23

Foi questão de minutos. Na hora em que o Comitê de Política Monetária do Banco Central se reuniu pela última vez, em 22 de março, e decidiu manter o juro básico em 13,75%, comentei com amigos que já era possível ver o Tuíte Indignado de Gleisi Hoffmann — esse objeto voador plenamente identificável —se aproximando no horizonte. Não deu outra: logo apareceu a presidente do PT dizendo que Roberto Campos Neto (a decisão do Copom é colegiada, mas a fulanização é fundamental) não tinha entendido seu compromisso com o Brasil, que a política monetária “dele” já havia sido derrotada (na eleição) e todo aquele discurso que um ChatGPT, com ênfase em “PT”, produziria automaticamente.

Como não quero ser maldoso e insinuar que houve um “salve” orientando a facção sobre o que fazer, registro que o mesmo conteúdo essencial de ataques ao presidente do BC foi reproduzido de maneira 100% orgânica e espontânea pelas redes sociais petistas e filopetistas. Aconteceu o mesmo uma semana depois, quando o Copom divulgou a ata do encontro de 22/3 e companheiros de viagem do governo Lula na imprensa a classificaram como “um espanto”.

Essa ata, assim como a nota do dia da reunião, afirma que o Copom “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”. Em economês, isso quer dizer que, se a inflação voltar a subir muito, o BC vai dar uma paulada com o porrete da alta dos juros. O trecho está repetido de forma literalmente igual, com as MESMAS palavras, em todas as atas do comitê pós-agosto de 2022 (ou seja, com Jair Bolsonaro ainda na Presidência), depois de todas as reuniões em que o comitê decidiu deixar a Selic como estava. Só se o “espanto” foi com o copia-e-cola do pessoal do Copom.

O truque é manjado: Lula e o PT politizam a questão dos juros e acusam a autoridade monetária de politizar a ata (control C + control V é um ato político!). E dá-lhe posts enfurecidos e manifestações indignadas fora das redes contra a “postura política” do Banco Central — de novo, tudo muito espontâneo e orgânico, mas sem ninguém explicar como o bolsominion que preside o BC subiu os juros de 2% para quase 14% em ano eleitoral, coisa que Bolsonaro deve ter adorado. Aliás, Roberto Campos Neto pode ser destituído do seu cargo pelo presidente da República, desde que haja aval do Senado; a própria autonomia do BC, aprovada pelo Congresso há dois anos, pode ser desfeita. Por que o PT fala tanto contra Bob Fields Grandson, “esse cidadão”, mas não faz nada disso?

É óbvio: porque hoje o partido não tem votos no Congresso para fazer isso. Lula sabe, Gleisi Hoffmann sabe, até aqueles petistas orgânicos e espontâneos (ou pelo menos alguns deles) sabem. A saída é falar muito: ir para as redes sociais tentar fritar Esse Cidadão no grito e pressionar pela renúncia dessa terrível figura que mantém os juros altos apenas para favorecer os banqueiros e matar o povo — e que será o único, ouviram bem?, o único culpado se Lula não puder entregar o que prometeu. A saída é, em suma, investir na indignação como performance.

Já escrevi aqui sobre essa ideia de indignação como performance, inclusive no título da coluna que publiquei logo após a morte de Marília Mendonça. Mas, naquele texto, falei só dos costumes dos habitantes das redes sociais e nem mencionei o amplo uso político da coisa. A indignação performática vende, dá audiência a programas policiais na TV, elege políticos, permite congregar o grupo (a tribo, a seita, escolha sua metáfora) no exercício do ódio a um vilão. Isso não quer dizer que não existam indignações sinceras, muito menos que elas não sejam justas; só que mobilizá-las pode render — e rende — dividendos políticos.

Millôr Fernandes, essa figura sempre sábia e sempre citável, dizia desconfiar de todo idealista que lucrava com o seu ideal. Vale o mesmo aqui: desconfie de todo indignado que lucra com a sua indignação (“sua” nos dois sentidos: a dele e a de vocês, distintos leitores). Seria melhor ainda não darmos lucro nem voto aos indignados profissionais, mas não tenho nenhuma esperança de que isso aconteça no Bananão, nesta encarnação ou em qualquer outra; vamos continuar deixando essa gente com os bolsos cheios. Cheios de amor pelo Brasil, é claro.

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A GOIABICE DA SEMANA

A volta de Jair Bolsonaro ao Brasil no avião do Harry Potter é boa candidata, mas para mim o campeão da semana foi Flávio Dino: em audiência sobre o Marco Civil da internet na última terça (28), o ministro da Justiça disse que, “se o algoritmo é humano, ele está sujeito a questionamentos e portanto está obrigado a prestar contas a toda a sociedade”. Imagino que o ministro tenha querido dizer que os algoritmos são criados por humanos, mas isso não é desculpa: Antônio Rogério Magri, o inesquecível ministro do Trabalho de Fernando Collor, também quis dizer que sua cachorra — que ele levou ao veterinário em carro oficial — era um ser vivo e saiu “a cachorra é um ser humano como qualquer outro”. Shit happens.

Foto: Bruno Spada/Câmara dos DeputadosFlávio Dino: o “algoritmo humano” é uma versão 2.0 da cachorra do Magri

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