A apedeutocracia e o roubo institucionalizado
Quando a ignorância governa o Estado

Há um tipo de governo que não se limita ao amadorismo, nem se contenta com a mediocridade.
Eleva, com orgulho, a ignorância à categoria de método, de identidade e mesmo de ideologia.
Nele, a esperteza, diferente da inteligência, é elevada à condição de virtude.
Trata-se do que chamo apedeutocracia, o governo dos incultos, dos que desprezam o entendimento baseado em fatos, dos que veem na sensatez uma ameaça e na formação uma fraqueza. Um regime em que os piores assumem o poder, não apesar de sua inépcia, mas justamente por causa dela.
A palavra, de raiz grega, une apaideutos (sem educação, não tocado por processo formativo) a kratia/kratos (poder).
E o que ela descreve é cada vez mais familiar ao brasileiro comum. O caso mais recente e escandaloso envolve o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): fraudes milionárias, quadrilhas internas, aposentadorias fantasmas.
Uma máquina pública foi transformada em espólio de guerra: saqueada, loteada, desmoralizada.
Seria exagero dizer que o roubo no INSS é fruto direto da apedeutocracia?
Não se considerarmos que a corrupção se tornou não um desvio, mas uma engrenagem do sistema.
E que quem a opera são, em sua maioria, gestores incapazes de compreender minimamente o que estão gerindo: porque desprezam a técnica, desconfiam da razão e ridicularizam qualquer esforço sério de governança: o roubo é o propósito, o télos.
O saber é tratado como elitismo. A competência, como arrogância. A honestidade, como ingenuidade.
Na apedeutocracia, o sujeito que lê é visto com desconfiança; o que pensa, com repulsa; o que denuncia, com censura.
A política se converte em palanque para gritos vazios, o debate é substituído por slogans infantiloides, e a administração pública vira um cabide de boçais leais apenas à sua própria rede de interesses.
O escândalo no INSS, nesse sentido, não é exceção: é a prova viva do que acontece quando a burrice organizada se une à malícia impune.
O mais grave, no entanto, não é o crime em si: é a sua naturalização como parte da cultura institucional.
Quando um povo se acostuma a ver o Estado como máquina de saque e não como guardião da justiça, é porque o horizonte da civilização já se apagou.
E isso não ocorre por acaso: é preciso destruir a autoridade do saber para que o poder da esperteza triunfe.
É assim que a apedeutocracia se sustenta: fazendo com que a ignorância seja confundida com humildade, o populismo com virtude, e, insisto, a esperteza com inteligência.
Aliás, a apedeutocracia não se limita à máquina estatal. Ela se manifesta com igual vigor nos palanques, nos microfones, nas redes sociais; e, sobretudo, nos posts virais que pretendem denunciar o sistema enquanto o alimentam, escorados em doses cavalares de ignorância da audiência.
O exemplo mais recente veio do deputado Nikolas Ferreira, que publicou um vídeo indignado sobre o caos no INSS.
Nele, acusa a “esquerda”, aponta o dedo para a impunidade, denuncia o clientelismo, mas convenientemente silencia sobre a participação ativa da “direita” nas mesmas práticas que agora critica (o comentário de Felipe Moura Brasil sobre o caso é excelente).
O discurso é fácil, o moralismo é raso, e a omissão é gritante.
A crítica se transforma em espetáculo, o escândalo vira trampolim, e o conteúdo é moldado para agradar o algoritmo, não para informar a população.
A inteligência, aqui, não é mobilizada para compreender ou transformar, mas para manipular a emoção alheia (com o estímulo agressivo do sistema límbico: é preciso manter a emoção sempre devidamente ativa) e encobrir a própria cumplicidade.
Na apedeutocracia, a ausência de arcabouço ético é ambidestra.
Não se trata de um problema técnico ou meramente institucional. Trata-se de um colapso moral e formativo.
Enquanto o Estado continuar a ser ocupado por quem despreza a educação, a filosofia, a ciência e a administração honesta como pilares do bem comum, continuaremos a viver sob o domínio de analfabetos morais, que não sabem o que é o bem público e, pior ainda, não querem saber.
Dennys Xavier é escritor, tradutor e PhD em Filosofia
As opiniões dos colunistas não necessariamente refletem as de Crusoé e O Antagonista
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2025-05-15 04:08:07A democracia, para funcionar, exige um eleitorado esclarecido, maduro e com ciência clara de cidadania e civismo. Ser eleitor traz obrigação de se manter informado e cobrar empenho do eleito. Tudo isso esclarece por quê nossa democracia é um fracasso e o recente engajamento popular nela apenas resultou em mais ruído, mais populismo, mais violência e a mesma falta de representatividade e qualidade dos eleitos.
ALDO FERREIRA DE MORAES ARAUJO
2025-05-13 09:36:59O PT, Lula e o resto da esquerdalha mostrou aos demais políticos como se assalta o Estado em todas as instâncias, de forma articulada e ainda sair praticamente impune e chamando os outros de ladrão.
RICARDO PISANI
2025-05-12 13:32:57Texto impecável. parabéns !
Pedro Vitor Veiga Silva Magalhães
2025-05-12 12:05:12Excelente! Enquanto o brasileiro não enxergar isso, não sairemos do lugar.
F-35- Hellfire
2025-05-11 23:58:13Dennys Xavier, seu texto é impecável! Lula sabe que tudo o que vc afirma neste texto é verdade. Estamos cansados de ver o poder agigantar-se na mão dos maus.De ver a impunidade seletiva. De ver declarações de um ignorante rico e poderoso que não se envergonha de roubar em todos as instâncias do governo, em todos os órgãos do governo, estatais, bancos públicos, INSS, BNDES, Petrobrás, Correios, Fundos de Pensão das estatais, Obras Públicas, , nos "campeões nacionais"(JBS, etc...) Um nojo! Gilmar Mendes em vídeos que circulam por aí, afirmou que Lula implantou uma "cleptocracia" no Brasil. Penso que é errado o predidente da república indicar o nome de juízes para o STF, procuradores, advogados para a advocacia geral da União, também nesse sentido precisamos mudar nossa constituição .
Sergio Lima Santos
2025-05-11 14:31:48Muito bom seu artigo .
Carlos Arany da Cruz Martins
2025-05-11 12:36:06Perfeito!
Junior
2025-05-11 07:14:59PERFEITO....
Liane Fiorillo
2025-05-10 19:40:22👏👏👏👏
Luciano Torres
2025-05-10 11:37:54Ortega Y Gasset