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"Minha experiência de guerra" - o relato comovente de uma israelense que veio ao Brasil

A israelense Aviv Eckshtein morava com a família na cidade de Jaffa, em Israel, quando teve início o atentado terrorista do Hamas, em 7 de outubro. Em artigo para a Crusoé, ela conta como o conflito mudou a sua vida.   "Tarde de sexta-feira, dia em que a maioria dos israelenses trabalha apenas meio turno....

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Aviv Eckshtein
9 minutos de leitura 24.11.2023 15:00 comentários 3
Aviv Eckshtein

A israelense Aviv Eckshtein morava com a família na cidade de Jaffa, em Israel, quando teve início o atentado terrorista do Hamas, em 7 de outubro. Em artigo para a Crusoé, ela conta como o conflito mudou a sua vida.

 

"Tarde de sexta-feira, dia em que a maioria dos israelenses trabalha apenas meio turno. Em um confortável pátio nas ruas de Jaffa, a parte antiga da cidade de Tel Aviv, eu e minha esposa recebíamos nossos melhores amigos. Bate-papo, comes e bebes de Tel Aviv, música, risadas infinitas e contagiantes e, acima de tudo, muito amor neste dia mágico. Foi o marco do final de uma era. Não fazíamos ideia do que nos esperava ao amanhecer de sábado. Essa foi a última vez que todos sentimos pura alegria e felicidade.

Ao amanhecer do dia seguinte, o feriado de Simchat Torah, um dos dias mais importantes e sagrados para o povo judeu, acordei com o som de um alarme de míssil vindo de fora. Confusa e ainda meio dormindo, pois nada explicava o gatilho para os mísseis interceptados em direção a Tel Aviv vindos de Gaza, achei que fosse algum bug no sistema de alarmes, ou talvez um teste. Definitivamente não; eram mísseis.

Quando ouvi as vozes alarmadas dos vizinhos, às 6h30 da manhã, me dei conta que realmente algo se passava. Realmente estávamos sendo atacados. Corremos para a escada do prédio. Esse espaço era o mais protegido de mísseis, já que não tínhamos um cômodo designado dentro de casa, como a maioria dos cidadãos israelenses tem em suas casas há muitos anos.

Com os olhos entreabertos, rodeados de vizinhos chocados, esperamos dez minutos, de acordo com as instruções, e voltamos ao apartamento. Eu queria voltar a dormir, porque a realidade desses ataques de mísseis por inimigos de Israel é algo com o qual estou acostumada. Ter que correr para um abrigo por conta de mísseis faz parte do nosso cotidiano.

Minha esposa, que nasceu e cresceu em Porto Alegre, ficou assustada e optou por fazer café e ligar a TV em busca de respostas do porquê foi acordada de tal forma.

Fiquei com ela para assistir ao noticiário e, aos poucos, nos foram reveladas imagens que começaram a despedaçar nosso mundo.

Um vídeo de um terrorista entrando pela fronteira de Israel-Gaza com um paraglider, algumas vans brancas no sul do país descarregando terroristas mascarados do Hamas carregando armas que só podem ser vistas em videogames. Mais alguns vídeos de terroristas que os cidadãos israelenses tiraram das janelas de suas casas. “Eles estão dentro. E eles são muitos.”

Meia hora depois, chegam registros de que a cerca da fronteira entre Israel e Gaza foi violada por milhares de habitantes de Gaza com tratores. Em seus rostos se via a sede de sangue; em seus olhos se refletia um ódio profundo. Não eram apenas agentes do Hamas, mas também os cidadãos que o mundo considera "inocentes". Um deles parecia ser um homem idoso, mancando com muletas. Mas todos com o claro objetivo: assassinar o maior número possível de judeus.

Naquele momento pensei que, em um ou dois minutos, as FDI (Forças de Defesa de Israel) chegariam ao local e encerrariam esse evento horrível!

Passada uma hora, seguida por outra e por várias intensamente estressantes horas mais, as forças de segurança e as FDI não pareciam estar engajadas e respondendo. Se não chegassem aos kibutzim perto da Faixa de Gaza que foram invadidos, nossas vidas nunca mais seriam as mesmas e a magnitude do evento seria insondável.

Não preciso descrever a destruição, o massacre, o caos. Os cidadãos israelenses implorando por ajuda, cercados nos abrigos de guerra das suas casas com crianças pequenas, bebês e idosos. Muitos pulando da cama sem nem escovar os dentes, não tiveram tempo de evacuar suas casas. Gritos de terror em árabe do lado de fora da porta, os terroristas já estavam dentro das casas.  

Tenho certeza de que vocês puderam sentir a grandeza do ocorrido através das imagens divulgadas pelo mundo afora. Dessas, muitas não foram divulgadas em Israel imediatamente. Acredito que por prevenção de trauma e pânico.

Israel é um país pequeno. Se você não tem ligação direta com as famílias vitimadas, alguém de seu ciclo tem. Familiares de amigos presos em abrigos, cercados de terroristas, perderam a comunicação telefônica. Eles eram o nosso meio de informação. Logo em seguida, amigos começaram a ser convocados e se apresentaram ao Exército.

Sentada e chorando em frente à tela da TV, gritava para minha esposa que isso não fazia sentido. Algo grande e sombrio estava acontecendo. "Onde estão as forças de resgate que vão ajudar meus irmãos que estão queimando vivos dentro dos abrigos?" Meus amigos, que até poucas horas atrás celebravam o amor e a paz em um festival de música, dançando a noite toda, esperando o nascer do sol, vivenciando amor puro e a felicidade que, tentando escapar para salvar suas vidas, foram baleados por todos os lados por assassinos sem um pingo de humanidade, massacrados às centenas. Meninas foram estupradas vivas e mortas ao lado de suas amigas que tiveram que se fazer de mortas para não passar pelo mesmo suplício.

Por quê? Não consigo entender, por mais que procure um motivo que justifique esse tipo de morte e violência.

Após sete horas, as FDI chegaram aos kibutzim e com coragem e imensa bravura protegeram os residentes de Ottef-Aza. Eles travaram batalhas sangrentas com milhares de terroristas, enquanto viam imagens horríveis que ficarão para sempre gravadas em suas mentes: corpos israelenses deixados no chão das ruas, famílias inteiras massacradas em suas casas, corpos queimados irreconhecíveis, bebês decapitados, mulheres estupradas. O próprio diabo caminhou por aquelas ruas. Um segundo holocausto para o povo judeu.

Os combates duraram vários dias até que as FDI e as forças de segurança israelenses finalmente obtiveram o controle da região e das comunidades atacadas. Os terroristas foram eliminados e apreendidos. Os moradores que escaparam e sobreviveram foram evacuados para o centro e o norte de Israel, para hotéis e casas de civis que abriram as suas portas aos irmãos.

Ao mesmo tempo, um choque total prevalecia sobre o povo de Israel. Estávamos na escuridão total, no medo existencial: não estamos mais seguros, nem mesmo em nossa própria casa. Muitas perguntas foram feitas. Como esse desastre aconteceu? Por quê? Muitas perguntas ainda sem respostas.

Incrédula, lembrei que, em 2021, ocorreram incidentes de segurança em Israel e alguns árabes-muçulmanos que viviam em Tel Aviv saíram às ruas em manifestações de violência contra os judeus, queimando bandeiras israelenses e sinagogas. Saquearam lojas e empresas judaicas e tudo que estava à vista.

O bairro onde morávamos e vivenciamos tudo isso, é um bairro misto, onde judeus vivem ao lado de árabes israelenses. Os árabes que vivem livremente no Estado de Israel são empresários de sucesso que conduzem carros de luxo, alguns são advogados, outros são juízes, alguns são membros do serviço público e servem ao governo. Só eles podem explicar o ódio contra nós. O ódio é profundo e fundado numa escala inimaginável. Claro, nem todos os árabes o sentem, há aqueles que adotaram o Estado de Israel como seu Estado e são uma parte inseparável do Estado e dos cidadãos de Israel.

Temendo outro pogrom (agressões e assassinatos cometidos contra uma comunidade), minha esposa e eu fomos para a casa do meu tio, que fica a 40 minutos de carro ao norte de Tel Aviv e é considerada mais segura. Decisão sábia, pois segundo a uma única vizinha israelense que decidiu ficar no prédio onde morávamos, à noite houve uma chuva de fogos de artifícios para celebrar o massacre daquela manhã de sábado.

Passamos a semana seguinte em constante tensão. Cada farfalhar, cada ruído engatilhava o medo existencial. Temendo que terroristas se infiltrassem em nossas casas, um dia nos encontramos com facas de cozinha nas mãos, escondidas no banheiro, atrás da porta, tremendo de medo. Todas as luzes da casa estavam apagadas, as portas trancadas e as janelas fechadas. E eu tentava fazer um plano caso os terroristas entrassem em casa nos atacassem. Disse à minha esposa: “Não importa o que aconteça, você não se deixe ser capturada; é melhor morrer do que ser mantida em cativeiro por esses monstros que vieram de outra dimensão”.

Assim que foi confirmado que estávamos seguras da infiltração de terroristas, cheguei à conclusão de que não poderia deixar a mulher mais querida para mim passar e vivenciar mais experiências desse tipo. Afinal de contas, eu estou acostumada, até certo ponto, a essa terrível realidade da guerra e da defesa constante da minha existência como parte do povo judeu. Mas, para uma pessoa que não é nascida em Israel e onde não vive há décadas, esta não é uma situação que possa ser digerida. “Devemos deixar Israel”, disse a ela. A pressão diária e a preocupação de sua família do Brasil obviamente contribuíram para a decisão.

Compramos uma passagem aérea e saímos de Israel alguns dias depois.

Continuarei minha história na próxima vez. Histórias heroicas de um povo forte, gente de corações de ouro que se uniu e teve como objetivo espalhar amor a cada um de seus irmãos judeus.

Até a próxima vez...

Aviv"

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Aviv Eckshtein

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Comentários (3)

KEDMA

2023-11-24 19:26:48

Relato emocionante.


JCB

2023-11-24 17:29:01

Esses terroristas não têm religião mesmo! e quando têm, é aquela que manda matar infiéis só porque não são da mesma religião.


Miguel Gus

2023-11-24 15:41:00

Quando tu estiver aqui e ouvir ou ler de um compatriota que tu não passa de um “verme sionista” tu terás que pensar aonde é o pior lugar para um judeu. Mark Chagall fez a figura de um violinista no telhado. Chegou a hora das escolhas .


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