Ramazan Rashidov/TASSAeroporto do Daguestão, no sul da Rússia: perseguição aos gritos de "Alá é grande"

A volta dos pogrons

Após o segundo maior massacre de sua história, judeus são caçados em aeroporto da Rússia, têm casas marcadas na Alemanha e cemitérios vandalizados na Áustria
02.11.23

Perseguições e massacres são parte indissociável da milenar história do povo judeu e hoje ocupam um canto sombrio na alma de cada um dos seus membros e descendentes. Sobre todos eles, a palavra “pogrom” exerce um peso doloroso. Embora o termo possa ser aplicado a qualquer grupo étnico ou religioso, sua origem iídiche na Rússia czarista do final do século 19 não deixa dúvidas de quais eram os seus alvos preferidos. O maior pogrom da história foi o Holocausto, na Segunda Guerra Mundial, em que 6 milhões morreram nas mãos dos nazistas. O segundo maior foi o atentado terrorista do Hamas, que deixou 1.400 mortos em 7 de outubro. Como a história prova, pogroms nunca são fatos isolados. Tanto que, nos dias seguintes, houve uma tentativa de massacre na província russa do Daguestão, casas de judeus na Alemanha foram marcadas com a estrela de Davi, cemitérios na Áustria foram vandalizados e judeus universitários americanos foram ameaçados de morte.

A reação a todos esses episódios de antissemitismo não foi diferente da que se viu após o atentado terrorista do Hamas. Em vez de se indignar com a violência contra seres humanos, apenas pelo fato de serem judeus, e condenar a brutalidade, veículos de imprensa buscaram justificar ou contextualizar a selvageria. As ameaças a judeus no Daguestão, segundo esses meios, seriam produto da indignação da população local, de maioria muçulmana, com a situação dos palestinos da Faixa de Gaza, que ficaram presos em meio à guerra entre Israel e o Hamas. Uma das versões insinuava até que havia muitos palestinos refugiados entre os homens que invadiram a pista do aeroporto no Daguestão em busca de judeus.

O antissemitismo mais cru, assim, foi escondido com explicações oportunistas. “Não há um efeito de causalidade, como se algo que acontecesse em Gaza levasse a outro fato no Daguestão. O antissemitismo já estava lá. Esses acontecimentos só funcionam como um álibi, como um gatilho, para os antissemitas se manifestarem”, diz Fernando Lottenberg, comissário da Organização dos Estados Americanos para o combate ao antissemitismo. “Quando judeus da diáspora são responsabilizados de forma coletiva pelo que ocorre no Oriente Médio, isso é antissemitismo. Não se vê isso com outros povos. Quando a Rússia invade a Ucrânia, imigrantes russos no Paraná ou nos Estados Unidos não são alvejados. Quando a Turquia bombardeia o Curdistão, imigrantes turcos na Alemanha não são alvo de protestos. Isso só ocorre com os judeus.”

Nas cenas registradas no Daguestão, é preciso registrar ainda que não há uma tensão permanente entre a população judaica, de apensa 4 mil pessoas, e a maioria muçulmana. O que existe, isso sim, é o uso indevido das diferenças étnicas e religiosas pelo governo russo com fins políticos, por meio de campanhas de desinformação. “Os judeus nunca foram bem recebidos na Rússia, e isso não tem necessariamente uma relação com os muçulmanos”, diz Raphael Tsavkko, doutor em direitos humanos, jornalista e pesquisador de minorias étnicas. Tanto a Rússia czarista quanto a União Soviética tiveram uma carga forte de antissemitismo, e isso também pesa no Kremlin sob a presidência de Vladimir Putin.

Em maio do ano passado, o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, disse que o nazista Adolf Hitler tinha “sangue judeu. O argumento de acusar os judeus por crimes cometidos contra o próprio povo é um recurso para negar o Holocausto, surgido após a Segunda Guerra Mundial. A ideia é de que não faria sentido acusar Hitler pela tragédia, uma vez que, no fundo, ele próprio seria judeu. Confunde-se, assim, a vítima com o seu algoz, para que o crime seja anulado. Dois dias depois, Lavrov acusou Israel de apoiar neonazistas na Ucrânia, o que obviamente não faz o menor sentido. Em junho deste ano, Putin usou essa estratégia com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, que é de família judia. O russo tentou colocar no rival a pecha de neonazista e questiona suas credenciais judias: “Tenho muitos amigos judeus desde a minha infância e eles dizem que Zelensky não é judeu, que ele é uma vergonha para o povo judeu. Não estou brincando“.

À narrativa oficial antissemita, juntou-se o uso de canais das redes sociais, principalmente do Telegram, os quais têm alguma relação com as estruturas governistas. Um deles, o Grey Zone, próximo ao grupo de mercenários Wagner, disse que os ataques do Hamas do dia 7 de outubro tinham como objetivo “desmilitarizar e desnazificar Israel”, ecoando as palavras que Putin usou para justificar a invasão da Ucrânia e empregando a tática de confundir vítimas e algozes. Quem deve ser “desmilitarizado e desnazificado”, afinal, é o Hamas. E o governo russo. Outro canal do Telegram convocou seus seguidores a irem ao aeroporto do Daguestão no domingo, 29, para procurar “refugiados de Israel”.

No país em que só há canais de televisão oficiais, a cobertura da guerra tem se concentrado em criticar Israel, um aliado dos Estados Unidos. Desde o atentado de 7 de outubro, Putin tem capitalizado o conflito no Oriente Médio para desviar a atenção e buscar enfraquecer o apoio militar americano à Ucrânia. Sendo assim, canais de televisão oficiais russos têm condenando fortemente todos os atos do governo israelense, isentando os terroristas de suas atrocidades. Esses canais russos descrevem a guerra como um ato de genocídio contra o povo palestino e muçulmanos em geral.

É principalmente no antissemitismo do Kremlin e no uso paraoficial das redes de televisão e dos canais do Telegram que deve ser buscada a causa dos atos de antissemitismo no Daguestão. E vale lembrar que os pogrons, por definição, ocorrem com o beneplácito das autoridades. Suas consequências desta vez, por pouco, não foram terríveis.

As centenas de homens que invadiram a pista do aeroporto de Makhachkala no domingo, 29, gritavam “Alá é grande” e estavam deliberadamente caçando judeus. Não se sabe o que eles teriam feito caso tivessem capturado algum. Um ônibus com os passageiros que desceram do avião que tinha decolado de Tel Aviv foi apedrejado. Vinte pessoas ficaram feridas. Um grupo de israelenses foi resgatado em um helicóptero militar e levado para uma base próxima. Um homem que desceu no terminal do aeroporto foi abordado por cerca de cinquenta pessoas, perguntando se ele era judeu. O sujeito se safou porque “rapidamente entendeu o que estava acontecendo” e disse que não era judeu. Ele teve de mostrar o seu passaporte russo para confirmar sua versão. “Nós não estamos tocando em não judeus hoje”, avisou um dos integrantes da turba furiosa. Diante de atitudes como essa, tentar contextualizar ou justificar tais atos sem acusar os seus perpetradores ou instigadores, é abrir uma porta para novos pogrons.

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  1. O segundo maior massacre de judeus foi praticado pelo exército romano contra os judeus no século 1, qdo cerca de um milhão de pessoas foram mortas e ocasionou a Diáspora daquela população.

  2. NA VERDADE OS VERDADEIROS CULPADOS SÃO OS DEMÔNIOS MULÇUMANOS QUE, EM NOME DA SUA RELIGIÃO (QUE PREGA A MORTE) MATAM, ESTUPRAM E FAZEM OUTRAS BARBARIDADES EM NOME DE DEUS. AS CRUZADAS ESTAVAM CERTAS.

  3. Não consigo entender como pode haver guerra baseada em premissas religiosas. Como pode um Deus desejar a morte de seus filhos?

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