Reprodução/YouTubeJudeus e árabes israelenses se enfrentaram nas ruas de Israel: carros e lojas queimados

A guerra sem fim

O conflito histórico entre Israel e grupos palestinos ganha uma dimensão inédita ao se estender para dentro das cidades israelenses
14.05.21

Os distúrbios dos últimos dias em Israel e nos territórios palestinos introduziram a essa velha rixa uma nova dinâmica, que moldará os inevitáveis eventos futuros. Diversas cidades registraram choques sangrentos entre judeus e árabes-israelenses — os habitantes de Israel que têm origem árabe e perfazem 20% da população. Não foi, portanto, um confronto circunscrito aos palestinos que moram nos territórios da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que não possuem cidadania israelense. Incitados por líderes radicais e vídeos das redes sociais, eles saíram armados com armas e coquetéis molotov queimando sinagogas, lojas, colégios, carros e casas de judeus nas regiões de Lod e Acre. Por sua vez, ultranacionalistas judeus espancaram árabes, incendiaram seus carros e depredaram lojas em Tel Aviv, Tiberíades e Bat Yam. Com as notícias já correndo o mundo, líderes árabes incitaram ainda mais a população, enquanto políticos israelenses pediram calma e descreviam o que parecia o início de uma guerra civil. “O que está acontecendo agora é algo que nunca vimos. Não sei o que o futuro nos reserva, mas estamos muito perto de uma nova realidade, em que cidades de Israel terão de ser submetidas a controle militar”, diz Shaul Bartal, professor de estudos palestinos na Universidade Bar-Ilan.

Identificar com precisão a origem da mais recente onda de tumultos é um desafio. Em parte, a região sofre com ciclos de violência que se repetem todo ano a depender do calendário. O fim do Ramadã, o mês sagrado para os muçulmanos, é tradicionalmente um momento propenso a confusões. Este ano, a data dos muçulmanos coincidiu com o Dia de Jerusalém, celebrado em 10 de maio. É quando todos os anos grupos de judeus ortodoxos de extrema-direita organizam uma marcha para celebrar a conquista da cidade na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Tradicionalmente, a marcha, escoltada por policiais, passa pelo quarteirão muçulmano da Cidade Velha de Jerusalém, em um claro sinal de provocação.

Desta vez, novos elementos foram adicionados à fogueira. Em abril, jovens palestinos subiram no aplicativo de vídeos TikTok, usado majoritariamente por adolescentes, cenas deles próprios agredindo um judeu ortodoxo. O objetivo era estimular ataques semelhantes. Na segunda-feira, 10, a Suprema Corte de Israel deveria dar a palavra final sobre o despejo de seis famílias palestinas em um bairro de Jerusalém Oriental. O terreno é reivindicado por famílias judias que ali viviam antes da fundação de Israel, em 1948.

Yousef Masoud/Thenews2/FolhapressYousef Masoud/Thenews2/FolhapressExplosões causadas por ataques aéreos no sul de Gaza em resposta a uma chuva de foguetes disparados contra Israel
Há ainda o símbolo sempre usado para detonar ódios acumulados: a Mesquita de Al Aqsa e o Domo da Rocha. Líderes palestinos, para atiçar seus seguidores, espalharam que o governo de Israel quer impedir que os muçulmanos rezem nas duas mesquitas, que ficam sobre as ruínas do antigo Templo de Salomão. É um risco inexistente. O governo de Israel, contudo, tem bloqueado o acesso ao local em momentos de extrema tensão, como o atual. Nos últimos dias, grupos de árabes começaram a acumular pedras, armas caseiras e coquetéis molotov, para atacar os judeus que rezam logo abaixo, no Muro das Lamentações, um resquício do antigo Templo que fica a poucos passos da Mesquita de Al Aqsa. Após receber informações sobre o que estava para acontecer, a polícia israelense entrou na área, que é gerida pela Jordânia, usando bombas de gás lacrimogêneo.

A imagem da polícia israelense no Monte do Templo foi o estopim para que o grupo terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza, começasse a disparar centenas de foguetes contra a população de Israel. Em uma das idiossincrasias que só o Oriente Médio é capaz de produzir, o grupo fundamentalista muçulmano mirou a cidade de Jerusalém, considerada a terceira mais sagrada do islamismo. Em quatro dias, 1.800 foguetes foram lançados contra Israel, que respondeu com bombardeios na Faixa de Gaza. Mais de oitenta terroristas foram mortos.

Assim que o primeiro foguete foi lançado, ficou mais evidente a disputa entre as facções palestinas. O Hamas buscou assumir o protagonismo da reação a Israel como uma maneira de desafiar a Autoridade Palestina, que governa a Cisjordânia. A relação entre os dois grupos, que nunca foi boa, piorou sensivelmente em abril, quando o presidente da AP, Mahmoud Abbas, cancelou as eleições que estavam marcadas para maio e julho. Seriam as primeiras eleições em 15 anos, pois Abbas sempre encontra uma nova desculpa para impedir que rivais tomem seu lugar. O Hamas estava confiante que poderia vencer o pleito e seus membros ficaram furiosos com o cancelamento. Ao tomar a dianteira nos protestos, o grupo tentou se posicionar como o legítimo representante dos palestinos para colocar a AP nas cordas.

O que levou os distúrbios a se espalharem por várias cidades, indo muito além da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, foi a entrada em ação de uma turma ainda mais horripilante, a Ala Norte do Movimento Islâmico. Declarado ilegal em 2015, esse grupo tem suas origens na Irmandade Muçulmana, berço de diversas organizações terroristas sunitas. Criada em 1928 no Egito, a Irmandade Muçulmana ganhou influência em diversos países da região, promovendo assistência social e administrando escolas e hospitais. Em 1987, suas unidades na região da Palestina deram origem ao Hamas. Nas décadas seguintes, a Irmandade Muçulmana seguiu crescendo. Quem assumiu a Irmandade e acolheu diversas de suas entidades foi o presidente turco Recep Tayyp Erdogan. No poder desde 2003, ele tem a ambição de liderar os muçulmanos.

Shehab News AgencyShehab News AgencyFuneral de integrante do Hamas na Faixa de Gaza: escalada do conflito
Em Israel, a Irmandade Muçulmana atende pelo nome de Movimento Islâmico. É dividido em dois braços. A Ala Sul, mais moderada, tem um partido político, a Lista Árabe Unida, e participa das eleições em Israel. A Ala Norte é bem mais radical. Seus membros recusam a autoridade da Jordânia para gerir a área da Mesquita de Al Aqsa e do Domo da Rocha. Diversos dos símbolos do movimento foram avistados entre os jovens que acumularam armas para atacar os judeus no Muro das Lamentações. Em 2017, o líder da Ala Norte, xeique Raed Salah, foi preso e condenado a 28 anos de prisão por incitar uma terceira intifada. Em 2015, o grupo foi declarado ilegal.

A ação da Ala Norte é essencial para compreender os enfrentamentos desta semana. “A capacidade de o Hamas influenciar diretamente o que acontece nas ruas de Israel é bastante limitada, enquanto a Ala Norte, com sua retórica centrada na questão da Mesquita de Al Aqsa, tem uma penetração muito maior. Seus membros, que geralmente se vestem de preto ou de verde, tiveram um papel muito relevante nos últimos acontecimentos”, diz o pesquisador israelense Harel Chorev, diretor da Rede de Análise sobre o Oriente Médio da Universidade de Tel Aviv. No primeiro grande levante palestino contra Israel, a Primeira Intifada, em 1987, os árabes-israelenses não participaram. No início da Segunda Intifada, em outubro de 2000, muitos deles se rebelaram. Nesta semana, porém, eles conquistaram um papel central.

Nos últimos meses, os árabes-israelenses foram beneficiados pela rápida campanha de vacinação contra a Covid e pareciam estar mais inclinados a participar da política local. Em sua campanha para as eleições de março deste ano, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu cortejou intensamente os árabes, apresentando-se com o nome de Abu Yair (o pai de Yair, seguindo o costume árabe de o pai ser lembrado pelo nome do filho). Até mesmo um dos quatro partidos árabes, o Lista Árabe Unida, apoiou Netanyahu, justamente do braço político da Ala Sul do Movimento Islâmico. Até que ponto a maioria dos árabes-israelenses quer conviver em paz com o judeus e participar da política israelense, eis o grande ponto de interrogação.

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  1. No Antigo Testamento (Genese), os dois povos que há muito se enfrentam são na verdade irmãos: os árabes descendentes de Ismael (primogênito de Abraão) e os judeus descendentes de Isaac (filho mais novo de Abraão). Se não fosse a atitude de Sara, esposa de Abraão que obrigou o marido a expulsar Ismael e sua mãe, possivelmente o mundo seria melhor.

  2. O colunista apresenta os fatos. No entanto alguns leitores pretendem que ele os distorça e não chame terroristas de terroristas.

  3. A Irmandade Muçulmana não surgiu para ser entidade de caridade como a matéria sugere. Pelo contrário, o objetivo era e sempre foi a instalação de um califado sob a regência da sharia. Mais honestidade intelectual, caro jornalista...

  4. Uma matéria tendenciosa como esta é o motivo do cancelamento da minha assinatura. Vocês mencionam a morte de "80 terroristas" presumindo que todos palestinos são terroristas? Então tentem vender a assinatura deste jornaleco em Israel pois eu não compro mais e faço a maior propaganda negativa

  5. A reportagem passa de informativa a tendenciosa, como sempre acontece qdo o assunto é o conflito entre israelenses e palestinos. Israel ocupa territórios palestinos desde 1948 - a ocupação militar mais longa da história - e desde 1967 promove assentamentos de “colonos” desafiando convenções de Genebra e da ONU. Israel tem um dos maiores poderios militares do mundo - inclusive nuclear - e não se furta a usá-lo contra os palestinos em operações desproporcionais aos ataques q porventura sofre.

    1. Primeiro, seu comentário tendencioso (e, portanto, desonesto) dá a entender q Israel usa armamentos nucleares. Não usa. Segundo, Israel PONDERA E MUITO os armamentos e tipos ataques que utiliza. Já os terroristas USAM TUDO QUE ESTIVEREM ao alcance: crianças bombas por exemplo. Apesar de Israel não utilizar armas nucleares, não duvido q terroristas as usariam caso as tivessem. No mais, as ocupações israelenses só foram consequência da agressão sofrida (a qual jamais é reconhecida como errada).

  6. Desde 1948 este fogo cruzado persiste, até quando inocentes irão morrer fomentando tanto ódio tanto de um lado como de outro?

  7. Dizer que os mortos por Israel eram todos terroristas! E as crianças mortas eram também terroristas? Notei no artigo um pouco de parcialidade!

    1. Não somente fala de 80 terroristas mortos mas ainda não comenta as outras mortes, nem das crianças. Estou chocada

    1. Leonardo, esse conflito só acabará quando não houver um único judeu ou palestino na região. Infelizmente.

    2. Israel é a única democracia do Oriente Médio. Uma start-up nation, líder em tecnologia. Pena que tenha que guerrear com esses grupos terroristas que rejeitam a paz.

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