Arthur Barreto/BotafogoTorcida do Botafogo: "Entreguem logo o campeonato"

Os torcedores do subsolo

A perspectiva da derrota diante da expectativa de vitória torna até os botafoguenses insuportáveis
03.11.23

As agruras do destino fizeram dos torcedores do Botafogo seres dóceis, resignados. Depois que Garrincha e Nilton Santos se foram, apenas Túlio Maravilha conseguiu botar um sorriso genuíno nos lábios dos botafoguenses, há quase 30 anos. Desde então, os alvinegros do Rio de Janeiro tiveram de se contentar com as animadas passagens de Loco Abreu, Seedorf e Honda pelo clube, em meio a décadas sem títulos expressivos e com três rebaixamentos para a segunda divisão nacional. Bastou a expectativa de título do Campeonato Brasileiro deste ano, contudo, para tragar a torcida mais doce do país para o subsolo das conspirações.

O Botafogo liderou o campeonato nacional de forma folgada por rodadas a fio, mas capenga no segundo turno, após perder seu treinador para o Campeonato Saudita, entre outros problemas comuns a qualquer de seus adversários, como lesões, erros de arbitragem, azar e a própria incompetência. Sem conseguir manter a expressiva campanha da primeira parte da peleja, seus torcedores veem Palmeiras e Red Bull Bragantino, entre outros, ameaçarem a conquista. E já começam a enxergar esquemas ardilosos contra o triunfo alvinegro.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não permitiu que a partida contra o Fortaleza fosse jogada na terça-feira seguinte ao adiamento do fim da partida contra o Athletico Paranaense, evitando burlar uma regra criada para proteger os atletas? Obviamente estão querendo prejudicar o Fogão. E a bola na mão de Pitta na derrota em casa para o Cuiabá?

Entreguem logo o campeonato”, brada o torcedor do subsolo botafoguense, se abraçando a Dostoiévski. “Sou um homem doente… Um homem mau. Um homem desagradável. Creio que sofro do fígado. Aliás, não entendo níquel da minha doença e não sei, ao certo, do que estou sofrendo. Não me trato e nunca me tratei, embora respeite a medicina e os médicos. Ademais, sou supersticioso ao extremo; bem, ao menos o bastante para respeitar a medicina”, diz o narrador de Memórias do Subsolo (Editora 34), mas poderia ser o casseta Hélio de la Peña ou qualquer outro botafoguense anônimo após mais uma derrota.

A perspectiva da vitória torna o torcedor insuportável. Ou melhor: a perspectiva da derrota diante da expectativa da vitória torna o torcedor insuportável. Deve haver uma palavra alemã para descrever isso. Numa situação como essa, de risco iminente do título praticamente conquistado, o acaso some. A possibilidade de erro deixa de existir e mesmo a decisão de seguir as regras à risca passa a ser considerada um erro, no caso de essas regras prejudicarem as pretensões do torcedor.

Já aconteceu recentemente com os são-paulinos, com os flamenguistas, com os palmeirenses — esses últimos alimentados pela própria comissão técnica, como eu mesmo já destaquei em É preciso saber perder. É muito difícil admitir que um time talhado para triunfar perdeu pelas próprias falhas. Ainda mais para um adversário que luta contra o rebaixamento ou cujos jogadores são evidentemente piores. É o futebol, para o bem e para o mal.

Mas que um botafoguense venha hoje a público dizer — e, mais do que isso, de fato acreditar no que diz — que existe algo ou alguém no Brasil contra ele é realmente espantoso. Não há amante do futebol no país atualmente que esteja torcendo contra o título do Botafogo — com a exceção óbvia daqueles cujos times ainda disputam a primeira colocação, e não exatamente por implicância com os botafoguenses, mas por amor às suas próprias agremiações.

Até que se prove o contrário, a CBF que luta contra o título do Botafogo é a mesma que luta contra o título do Palmeiras ou do Flamengo, etc. Na última quarta-feira, o time de Tiquinho Soares e Lucas Perri fez um primeiro tempo brilhante contra o Palmeiras. Marcou três gols, que poderiam ter sido cinco ou seis. Na segunda etapa, contudo, o alvinegro voltou irreconhecível e levou a virada após a expulsão de Adryelson — que foi de fato questionável. O dono do clube, John Textor, explodiu.

O mundo todo viu, isso não é cartão vermelho. Ele [Adryelson] pegou a bola primeiro. Não tenho certeza nem se foi falta. Mas não é cartão vermelho, ele [o árbitro] mudou o jogo. Isso é corrupção, isso é roubo. Por favor, me multa, Ednaldo [Rodrigues, presidente da CBF], mas você precisa renunciar amanhã de manhã”, disse Textor, acrescentando que o campeonatose tornou uma piada”. Naturalmente que o dono da SAF do Botafogo não mencionou o pênalti — também questionável — marcado em Tiquinho, que o alvinegro perdeu logo antes de seu time levar o segundo dos quatro gols que determinariam a segunda derrota seguida.

Não é por mal. Assim se explica o homem do subsolo dostoievskiano: “Sabeis, senhores, em que consistia o ponto principal da minha raiva. O caso todo, a maior ignomínia, consistia justamente em que, a todo momento, mesmo no instante do meu mais intenso rancor, eu tinha consciência, e de modo vergonhoso, de que não era uma pessoa má, nem mesmo enraivecida; que apenas assustava passarinhos em vão e me divertia com isso. Minha boca espumava, mas, se alguém me trouxesse alguma bonequinha, me desse chazinho com açúcar, é possível que me acalmasse. Ficaria até comovido do fundo da alma, embora, certamente, depois rangesse os dentes para mim mesmo e, de vergonha, sofresse de insônia por alguns meses. É hábito meu ser assim.”

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Parabéns pela excelente análise da situação atual da "eterna estrela solitária"?!?! Sou tricolor (atual campeão da Libertadores), mas torço que não...

Mais notícias
Assine agora
TOPO