Rodrigo Pacheco e Arthur LiraRodrigo Pacheco e Arthur Lira: a relação azedou

Programa mais emendas

Deputados acham uma forma de driblar STF com as chamadas emendas de bancada; manobra é patrocinada por Arthur Lira
10.11.23

Nesta semana, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), confirmou que o parlamento vai criar uma nova emenda: a RP5 – a emenda destinada às bancadas partidárias. Os valores ainda estão sob análise, mas em um primeiro momento fala-se que esse novo instrumento de “empoderamento do Congresso” poderia dispor de  aproximadamente 10 bilhões de reais do Orçamento, já em 2024.

A divisão dos valores seguiria a proporcionalidade das bancadas. Ou seja, os partidos maiores teriam um quinhão maior. Hoje, por exemplo, o PL controla cerca de um quinto do Congresso. Caso o valor de 10 bilhões de reais seja de fato destinado a esse tipo de emenda, o partido do ex-presidente da República vai ter, à sua disposição, em torno de 2 bilhões de reais. O PT teria algo na casa de 1,5 bilhão de reais. O União, de Danilo Forte, 1,1 bilhão de reais, aproximadamente. E por aí vai.

O detalhe curioso sobre essa emenda, além dos valores bilionários, é que a destinação de recursos seria determinada pelo colégio de líderes do Congresso. Ou seja, o clube de parlamentares do alto clero terá ainda mais poder e influência.

Caso a regra estivesse em vigência, os recursos destinados ao PL ficariam à disposição de Carlos Portinho, no Senado, e Altineu Cortês, na Câmara. No PT, os responsáveis pela indicação seriam Jaques Wagner e José Guimarães; o quinhão do União Brasil seria determinado por Elmar Nascimento na Câmara e por Efrain Filho, no Senado.

Ainda há uma discussão se essa emenda seria impositiva ou não. A Câmara e o Senado querem a impositividade; o Planalto trabalha em sentido contrário.

“Da mesma forma que tem a emenda individual, a emenda de bancada por estado, teremos também a emenda de bancada por partido, o que é muito importante para democratizar o acesso das legendas ao Orçamento e dar mais transparência à execução orçamentária”, disse essa semana Danilo Forte.

Desde o início da tramitação da LDO, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem articulado pessoalmente a criação de um instrumento que substitua o orçamento secreto. Lira ficou contrariado com a decisão do STF que, no ano passado, declarou inconstitucionais as emendas do relator-geral, que tornavam totalmente opaca a destinação de bilhões de reais. Na visão de Lira, o STF interferiu na independência do Congresso. Pior ainda, tirou parte do poder que ele compartilhava com Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, pois embora as emendas fossem nominalmente do relator, nenhum tostão era gasto sem que os chefes das duas casas dessem aval.

Outro ponto que influi na criação desse novo instrumento é a insatisfação dos parlamentares com as negociações do governo Lula, hoje visto como “sem palavra“. No começo do ano, Lula prometeu aos deputados que eles seriam ouvidos na execução do orçamento. Haveria uma espécie de “emenda informal” – a possibilidade de que deputados e senadores influíssem nas ações dos ministérios. Não deu certo. Os parlamentares reclamaram que a liberdade de que passaram a dispor era muito menor que na época do orçamento secreto. Afirmam, além disso que o Executivo demora demais a liberar os recursos.

“As emendas para as bancadas partidárias darão ainda mais poder aos caciques das legendas“, diz Márcio Coimbra, presidente do Instituto Monitor da Democracia, vice-presidente da Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) e ex-diretor do Senado. “As RP5, terão de ser mais transparentes que as RP9, que identificavam as emendas de relator, caso contrário, não fará nenhum sentido adotá-las.”

Há um outro movimento no Congresso que busca transferir poder do Executivo para o Congresso. Tramita no Senado um projeto de lei complementar que obriga o governo federal a executar as emendas parlamentares apresentadas por comissões permanentes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Congresso Nacional.

Há, atualmente três tipos de emendas: as individuais, destinadas a cada parlamentar; as de bancada estadual, com indicação feita por deputados e senadores de um mesmo estado; e as de comissão temática, com recursos indicados por colegiados no Congresso.

Tanto as individuais quanto as de bancada são impositivas. As primeiras são limitadas a 1,2% da Receita Corrente Líquida (RCL) e as de bancada a 1% da RCL. Caso a proposta do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), com relatório favorável do senador Mauro Carvalho Junior (União-MT), seja aprovada pelo Congresso, o governo federal seria obrigado a arcar com outros 7,6 bilhões de reais de forma obrigatória.

O Congresso nunca teve tanto poder. Em 2014, as emendas parlamentares chegavam a 14 bilhões de reais. Essa cifra teve algumas oscilações nos anos subsequentes e chegou, durante a era Temer, ao patamar de 20 bilhões de reais.

Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o valor foi de 17,4 bilhões de reais. Então veio o primeiro grande salto: em 2020, com o orçamento secreto, os parlamentares dispuseram de 44 bilhões de reais para gastar. Depois de novas reduções nos dois anos seguintes, o Congresso conseguiu emplacar um recorde na virada de um governo para o outro: 46 bilhões de reais. Foram 21,2 bilhões de reais por meio das emendas individuais; 7,7 bilhões de reais por meio das emendas de bancada e 9,8 bilhões de reais alocados nos ministérios, mas gastos segundo as indicações dos deputados e senadores, depois de negociações com o Palácio do Planalto.

O governo federal reservou 37,6 bilhões de reais para deputados e senadores no orçamento de 2024. Mas se as maquinações do Congresso, o valor não será menor do que 47 bilhões de reais. Novo recorde.

“Não é coincidência que tenhamos visto nos últimos dez anos o papel dos presidentes das casas legislativas, principalmente da Câmara dos Deputados, ganhar relevo no cenário nacional. De 2015 para cá, as emendas parlamentares passaram a corresponder a percentuais cada vez maiores das despesas discricionárias da União”, afirma Magno Karl, cientista político e diretor-executivo do Livres. “Podendo executar um terço do orçamento discricionário, mas sem uma agenda política clara, o Legislativo mudou os termos das conversas em Brasília. O custo de negociação para o Executivo cumprir seus projetos aumentou demais, como Lula deve ter aprendido nos últimos meses.”

E não parece haver volta nesse processo.

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  1. O país é ingovernável. Entre as despesas obrigatórias e alocação de recursos pra currais eleitorais com vista a garantir reeleições eternas nada sobra para planejar e desenvolver o país.

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