Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STFO ministro Alexandre de Moraes: ações eficazes?

Uma democracia que precisa de “defesa” será uma democracia Tabajara?

As ações do ministro Alexandre de Moraes suscitam muitas perguntas e algumas angústias. Seria o caso de investigar a eficiência delas?
10.02.23

Ao que parece, Jair Bolsonaro e seus colaboradores não dominam a arte da conspiração. A tal “minuta do golpe” evidencia o amadorismo da turma, não apenas porque a legalidade do seus termos é débil, mas sobretudo porque Anderson Torres conservou esse documento embaraçoso na própria casa. Igualmente risível é o plano para derrubar Alexandre de Moraes denunciado por Marcos do Val – uma “ideia genial”, como a qualificou, de forma irônica, o próprio ministro do STF. Sujeito distraído, o senador capixaba não sabe nem dizer se a conspirata se deu no palácio ou na granja. Nas várias versões da sua história (ou pelo menos naquelas que tive paciência de acompanhar), pelo menos o objetivo último é sempre o mesmo: induzir Moraes a admitir que extrapolou as “quatro linhas da Constituição” para sabotar a reeleição de Bolsonaro. Do Val estaria munido de um microfone oculto, para que a confissão fosse gravada.

(Esse enredo daria uma cena forte do cinema “heroico e nacional” com que sonhou um secretário da Cultura de Bolsonaro. Seria necessário apenas tomar algumas liberdades poéticas para garantir a vibração do público patriota, mais ou menos nessas linhas: no seu gabinete, Alexandre de Moraes, de toga negra, já amarrou Marcos do Val a uma cadeira e está prestes a acionar a alavanca do alçapão que precipitará o senador em um poço com piranhas. Antes, porém, decide saborear sua glória, vangloriando-se da trama que urdiu para manipular as eleições. Ele explica ao incrédulo Do Val como, na condição de presidente do TSE, suspendeu contas de Twitter e barrou memes de WhatsApp que poderiam virar a eleição em favor de Bolsonaro – e tudo só para demonstrar seu poder, pois as urnas já estavam programadas para fazer o L. Com uma risada sádica, o ministro do STF afinal puxa a alavanca – mas eis que surge Daniel Silveira, descendo do teto por um cabo ao estilo de Tom Cruise em Missão Impossível, e no último instante segura Do Val pelo colarinho, para frustração das piranhas famintas. Corta para a porta do gabinete estilhaçando-se, arrombada pelos ombros possantes do general Heleno, que adentra o gabinete seguido por agentes da Abin, armas em punho, todos gritando “A toga caiu! Teje preso, ministro!”.)

Abstraindo-se os lapsos, imprecisões e esquecimentos do senador capixaba, o que sobra é mesmo uma “operação Tabajara”, como a qualificou Alexandre de Moraes. Creio que ninguém discorda dessa definição, afora os fiscais de gíria que reclamam de uma suposta ofensa aos povos originários. O problema é que, a crer no senador que a denunciou, essa operação Tabajara era do conhecimento do então presidente da República. Na primeira versão do caso relatada por Marcos do Val, Bolsonaro era até participante ativo do esquema. Ainda que toda a história seja invenção ou delírio, o escândalo continua a envolver as instâncias mais altas dos Três Poderes: teríamos um senador contando a um ministro do STF mentiras explosivas sobre o presidente da República. E ao que parece, tudo teria acabado aí, se o senador não houvesse contado sua história a Veja (e depois corrigido o que havia dito à revista, e depois corrigido a correção, e assim por diante).

Na ocasião em que falou em “operação Tabajara” – um evento do Instituto Lide, em Lisboa –, Moraes disse que solicitou a Marcos do Val que contasse sua história em depoimento oficial. O senador recusou. “O que não é oficial, para mim, não existe”, alegou Moraes. Talvez porque eu seja leigo em matéria jurídica, me parece que esse relato destoa da costumeira postura proativa do ministro.

Para contraste, tomemos o caso dos empresários bolsonaristas que, em agosto do ano passado, foram flagrados em conversas privadas, pelo WhatsApp, nas quais manifestavam simpatia por um golpe de Estado, se esse fosse o preço para impedir o retorno de Lula ao Palácio do Planalto. No relato do Metrópoles, que teve acesso às conversas, nenhum membro do grupo falou de meios para realizar ou financiar o tão sonhado golpe. Um crime eleitoral foi aventado e logo descartado: o empresário José Koury, dono do Barra World Shopping, no Rio de Janeiro, sugeriu que os membros do grupo pagassem bônus para funcionários que votassem em seus candidatos de preferência, para depois candidamente perguntar se isso seria legal. “Acho que seria compra de votos… Complicado”, ponderou Marco Aurélio Raymundo, da Mormaii, marca de roupas de surf.

Em suma, era um grupo de senhores falando bobagens e abjeções, mas sem planos efetivos (ou sequer planos tabajara) para melar o processo eleitoral. Alexandre de Moraes ordenou busca e apreensão na casa de todos os envolvidos. Aparentemente, conversas no WhatsApp são oficiais e portanto existem.

Os filogolpistas do Zap não apareceram na lista de financiadores da destruição das sedes dos três poderes divulgadas pela Advocacia-Geral da União. O mais famoso e vistoso membro do grupo, Luciano Hang, popularmente conhecido como o “véio da Havan”, correu para dizer que não financiou e não apoiou os vândalos. Não foi desmentido.

As investigações não estarão sacudindo a árvore errada? Em curso há quase quatro anos, o inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos não foi capaz de impedir a ascensão da Horda Canarinha que bloqueou estradas, cercou quartéis e depredou Congresso, Planalto e STF. Sei que isso seria pedir demais de um inquérito judicial. No entanto, consagrou-se na imprensa e na conversa política nacional a ideia de que o inquérito e o inquiridor realizaram mesmo grandes feitos. Que talvez até tenham salvo nossa periclitante democracia.

Críticos da atuação de Moraes – os críticos sérios, não os bolsonaristas que insistem na hipérbole histérica da “ditadura do Judiciário” – centram-se na concentração de poder nas mãos do ministro, nos precedentes que certas decisões excepcionais podem abrir, nas limitações abusivas à liberdade de expressão. São todas questões de princípio. Talvez seja o caso de questionar também a eficiência das ações do ministro.

Fiquemos, por exemplo, no combate à desinformação política: que efeito teve a suspensão das redes sociais de bolsonaristas como Nikolas Ferreira e Carla Zambelli? Haveria mais negacionistas eleitorais se não fosse por ações como essa? Não deveríamos pelo menos considerar a hipótese de que a simples coibição de conteúdo considerado golpista ou antidemocrático pode criar a percepção de que os extremistas censurados são justiceiros perseguidos pelo status quo?

Há ainda uma pergunta anterior sobre o método e as métricas para se investigar esses problemas, ainda mais quando se considera que campanhas de desinformação muitas vezes correm em subterrâneos que as pesquisas não alcançam, como grupos privados de WhatsApp. Grupos de gente anônima, cujos anseios golpistas não ganham atenção da imprensa. Seus participantes talvez olhem com admiração para os vândalos do 8 de janeiro, ou talvez considerem que eles defendiam a causa certa mas exageraram na dose.

Resta ainda uma questão primeira, a mais difícil de todas: uma democracia que precisa ser constantemente defendida e protegida pela coerção judicial será uma democracia plena – ou será uma democracia Tabajara?

 

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor

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  1. Esse senhor quer passar à História como o ser que foi o baluarte da democracia em tempos obscuros. Minha esperança é que o revisionismo que foi aplicado à Lava-jato, sem discutir o mérito da validade , seja feito pela mesma História e pelo mesmo "povo" e passe a limpo admosetando aqueles que se excederam.

  2. Um Supremo altamente politizado , ocupados por apadrinhados Ministro que se preze , tem que ter postura, ética , obediência a constituição e não este cabide de empregos que tem aí com uma bandagem nos olhos Só se o povo for cego .Vejam na lava jato como se portavam e agora como estão se portando Vergonha de ter um supremo que ministro vai a reuniões do MST DEUS NOS AJUDE

  3. É como eu já falei algumas vezes, inclusive nO Antagonista: deveriam retirar a venda da estátua da justiça. E agora, dar-lhe uma balança para a outra mão. Principalmente porque o sistema de pesos e contrapesos, que teoricamente constituem uma república, parece estar quebrado. Ou essa segunda balança teria, efetivamente, sido usurpada por quem não de direito?

  4. Muita gracinha e pouca objetividade. Deixe isso para Rui Goiaba e o Agamenon, são infinitamente melhores que o cidadão ai acima.

    1. Sempre brilhante, Lavou minha alma, Obrigada Jeronimo,,,,,,,,

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