Rodrigo Freitas/Crusoé"A Operação Lava Jato já fechou onze acordos de leniência e utilizou quase duzentas delações durante os trabalhos de investigação. O Brasil, disparadamente, é o país que mais usa esses recursos na região"

‘A Lava Jato criou um ecossistema benéfico’

Geert Aalbers, diretor de uma consultoria de riscos que mediu a capacidade dos países da América Latina de combater a corrupção, diz que o Brasil é o mais bem preparado legalmente para combater os malfeitos com dinheiro público
12.07.19

Em uma parceria com o Americas Society/Conselho das Américas, a consultoria de riscos Control Risks concluiu nas últimas semanas um estudo sobre a capacidade das instituições de combater a corrupção em oito países da América Latina. O trabalho foi elaborado com metodologia própria e, a partir de agora, será atualizado e publicado anualmente. Em sua primeira versão, o Chile foi o país que apareceu mais bem preparado para coibir e debelar atos ilícitos. O Brasil vem em segundo lugar. “Mas, no que se refere ao arcabouço legal para atacar os desvios, o Brasil está em primeiro e aparece disparadamente à frente dos demais”, diz o holandês Geert Aalbers, diretor da Control Risks no Brasil. “O sucesso da Lava Jato é o melhor exemplo dessa força.”

Formado em Direito, Aalbers veio ao Brasil em 1996 para uma viagem de férias. “Ironicamente, o primeiro lugar em que fui parar foi Curitiba. Falaram que, como eu era europeu, iria adorar a cidade”, diz. Há treze anos, ele trabalha na Control Risks, que mantém escritórios em 36 países, conta com 3 mil funcionários e tem como negócio principal auxiliar empresas privadas a avaliar riscos envolvidos em suas operações pelo mundo afora – o que inclui desde a simples possibilidade de sofrerem roubos e sequestros de funcionários até achaques de funcionários públicos e mudanças bruscas nas leis. Além de trabalhar na companhia, Aalbers também dá aulas de compliance no Insper, onde ensina as empresas a cumprir com as exigências das leis trabalhistas, ambientais e de combate à corrupção. A seguir, a entrevista que concedeu a Crusoé, em São Paulo.

Entre os países das Américas, o Brasil caiu da 12ª posição em 2012 para a 20ª no ranking da Transparência Internacional. Fomos ultrapassados por Jamaica, Suriname, Trinidad e Tobago, Argentina, Guiana, Colômbia e Panamá. A corrupção piorou no Brasil?
Esse não é um fenômeno fácil de medir. Isso porque, quando uma pessoa comete um ato ilícito, ela o faz de maneira que ninguém tome conhecimento. Tudo é feito debaixo dos panos. Então, o que a Transparência Internacional mede é a percepção da corrupção. Eles realizam entrevistas com várias pessoas e perguntam se elas têm tido notícia ou presenciaram atos de corrupção. Assim, quando há muitas matérias na imprensa sobre pessoas sendo interrogadas ou presas, isso fortalece essa sensação e o país acaba caindo no ranking. Foi o que aconteceu com o Brasil. Pelos critérios da Transparência, o Brasil está em uma linha decrescente, indo direto para o inferno. A impressão geral é a de que as coisas não estão indo muito bem por aqui. O que nós medimos foi outra coisa. Nosso objetivo foi calcular a capacidade que cada país tem de combater a corrupção, um índice que abreviamos como “CCC”. Analisamos catorze variáveis, como a independência do Judiciário, a qualidade do jornalismo investigativo, a dinâmica das organizações da sociedade civil e o funcionamento do Legislativo. Ao final, damos uma nota para cada país e montamos um ranking.

Por que medir isso?
Porque é esse o ponto que mais interessa às empresas. Para executivos, empreendedores e investidores, não basta saber se tem muita corrupção em um determinado país. O que faz toda a diferença é saber se essa nação terá como resolver o problema, como o Brasil, ou se não existe qualquer prognóstico positivo de isso acontecer, como é o caso da Venezuela. No último ranking da Transparência, por exemplo, a Argentina está mais bem posicionada que o Brasil. Alguém poderia concluir que a corrupção é menos grave entre os argentinos. Mas é o Brasil que tem a melhor capacidade em lidar com o problema. Para quem pensa no longo prazo, essa é a informação mais importante.

Rodrigo Freitas/CrusoéRodrigo Freitas/Crusoé“De cinco anos para cá, o compliance explodiu no Brasil. E foi a Lava Jato que mudou essa cultura”
Em que o Brasil se destacou no estudo de vocês?
Naquilo que chamamos de capacidade legal. Nesse item, medimos a independência do Judiciário, o papel das agências contra a corrupção, como a Polícia Federal, os recursos à disposição do Ministério Público, a cooperação internacional e, principalmente, o uso de instrumentos legais como os acordos de leniência e as delações. A Operação Lava Jato já fechou onze acordos de leniência e utilizou quase duzentas delações durante os trabalhos de investigação. O Brasil, disparadamente, é o país que mais usa esses recursos na região.

A existência de um aparato legal muito poderoso não inibe a iniciativa privada?
Dou aulas de compliance no Insper, em São Paulo. Ensino como as empresas podem se organizar para cumprir as normas existentes, sejam elas trabalhistas, ambientais ou, no caso, relacionadas à ética nos negócios. Há cinco anos, as empresas do Brasil não se preocupavam muito com isso. Elas sabiam que se algum malfeito fosse detectado não haveria punição. Nada aconteceria. Mesmo firmas estrangeiras que tinham departamentos de compliance em outros países não se preocupavam com esse tema no Brasil. Elas faziam um cálculo frio e entendiam que não valia a pena investir nisso por aqui. De cinco anos para cá, o compliance explodiu no Brasil. E foi a Lava Jato que mudou essa cultura. Agora todos sabem que, se algo for descoberto, inclusive por meio de delações, as consequências serão graves. De uma hora para outra, as companhias entenderam que precisam cumprir direitinho as regras. Devem implantar programas para prevenir a corrupção e evitar que seus funcionários entrem em esquemas suspeitos. Todos ficaram mais expostos e decidiram agir. A Lava Jato criou um ecossistema benéfico.

É fácil implementar mecanismos de prevenção à corrupção?
Para uma empresa que não tinha feito nada até então, pode ser trabalhoso. Como é preciso instaurar controles internos, elas podem se sentir engessadas no início. Com o tempo, essas exigências se tornam parte da cultura da empresa. No Brasil, diversas empresas passaram por essa transição. Criou-se uma massa crítica baseada na ética e elas passaram a cobrar o mesmo comportamento das demais. Querem que os fornecedores, os clientes e os distribuidores também não se envolvam com corrupção. Nos contratos, exigem que os funcionários da outra empresa passem por treinamentos. Também pedem que, caso apareça uma suspeita, elas possam analisar os documentos da outra companhia. Estatais que abrem licitações também solicitam que os participantes de um leilão tenham programas internos de prevenção. A situação é tal que, se alguém se negar a fazer essas coisas, poderá ficar de fora do jogo. Combater a corrupção dentro das empresas tornou-se uma necessidade no Brasil hoje por causa da Lava Jato.

O Brasil demorou para se mexer?
Os americanos adotaram uma lei, o Foreign Corruption Practices Act, ainda em 1977. Mas a legislação ficou dormente por mais ou menos duas décadas até começar a funcionar para valer. Hoje, o Departamento de Justiça e a Comissão de Valores Mobiliários, a SEC, exigem que as empresas internalizem as regras. Há algum tempo, qualquer empresário americano sabe que, se fizer uma besteira, poderá acabar preso. O Brasil só começou há cinco anos, mas está fazendo isso em uma velocidade espantosa. Isso certamente fará com que a percepção de corrupção no país diminua no futuro. A adoção tem sido muito acelerada, muito mais do que tem ocorrido nos outros países da América Latina.

Os executivos pensam nessas coisas quando são convidados a trabalhar em uma empresa?
Nos cargos mais altos, já existe uma preocupação nesse sentido. Eles querem saber se a companhia que quer recrutá-los tem comprometimento ético. Ninguém quer ficar exposto. Eles sabem que, se explodir uma bomba, podem ir para a prisão. Essa precaução também pode ser constatada atualmente antes de os executivos assumirem cargos em conselhos de empresas. Se forem omissos em algo, eles reconhecem que poderão ser responsabilizados.

No ranking de combate à corrupção, a Venezuela tirou zero na independência e eficiência dos órgãos de combate a corrupção. Por quê?
A Venezuela está falida em termos de democracia. O Judiciário está complemente nas mãos do governo. Não há independência alguma. Os órgãos fiscalizadores não funcionam. Todo o sistema está corrompido. É uma cleptocracia. O sistema foi desenhado para permitir que os burocratas enriqueçam. É assim que o ditador Nicolás Maduro conquista lealdade. Ao mesmo tempo, ao permitir e incentivar a corrupção, Maduro coloca uma espada sobre a cabeça de cada um dos boliburgueses, a elite dos chavistas. Se alguém sair um pouco da linha traçada por ele, Maduro pode facilmente iniciar uma caça às bruxas e punir os desafetos. Este é o esquema clássico do crime organizado. Os chefões sempre permitiram que seus subordinados enriquecessem. Mas, ao mesmo tempo que eles acumulam fortunas, também ficam mais vulneráveis.

Rodrigo Freitas/CrusoéRodrigo Freitas/Crusoé“Se alguém sair um pouco da linha, Maduro pode facilmente iniciar uma caça às bruxas e punir os desafetos. Este é o esquema clássico do crime organizado”
Por que o Chile se saiu melhor que o Brasil no ranking geral de combate a corrupção?
Os chilenos não têm uma capacidade legal tão eficiente quanto os brasileiros. O motivo é óbvio: eles não tiveram que lidar com escândalos tão grandes. Acordos de leniência e de cooperação internacional não se desenvolveram muito por lá. Mas o Chile se sai melhor por ter uma democracia mais madura, com menos partidos e uma sociedade civil mais organizada.

O excesso de partidos é um problema no Brasil?
É um dos principais. Como há mais de trinta siglas, o Legislativo tem dificuldade para criar leis e a todo momento é preciso fazer negociações. Isso abre a porta para que ocorram interferências externas no trabalho dos parlamentares. O financiamento e a fiscalização das campanhas políticas também atrapalham. Como as empresas foram proibidas de fazer doações, isso aumentou a probabilidade de os políticos buscarem outras maneiras para obter recursos, como o caixa 2. É por isso também que o ministro da Justiça, Sergio Moro, quer criminalizar o caixa 2.

O sr. vê algum risco de o Congresso ou o STF interromper o trabalho da Lava Jato?
Há pressões sobre a Lava Jato por vários motivos. Se um deputado está sendo investigado, é obvio que ele não vai gostar da operação e tentará fazer algo. Isso faz parte da lógica humana. Mas, até agora, a Lava Jato tem conseguido sobreviver a essas pressões, tanto do Legislativo quanto do Judiciário, graças ao tremendo apoio popular.

E o projeto que criminaliza o abuso de autoridade? Ele pode ser usado para intimidar juízes e procuradores que lutam contra a corrupção?
Entendo que, embora o conceito do projeto não seja ruim, o momento em que isso apareceu precisa ser analisado. Essa proposta, cuja tramitação estava parada, foi acelerada depois da publicação de supostos diálogos pelo site The Intercept. É um sintoma clássico de oportunismo, justamente para tentar cortar as asas da Lava Jato. Pressões desse tipo vão continuar. Logo mais, o STF irá decidir sobre as prisões em segunda instância. Nós estamos monitorando essas coisas.

O sr. teme pelo futuro da Lava Jato?
Se considerar a operação como um todo, é fácil ver que dificilmente ela será derrubada. Além do apoio popular, vale ressaltar que o trabalho não está mais concentrado em Curitiba. Ele se expandiu para Brasília, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo. Expandiu-se no Ministério Público e no Judiciário. Não é algo que dependa apenas do Sergio Moro ou do Deltan Dallagnol, como no passado. A operação se institucionalizou e, com isso, tem mais forças para resistir.

Se o Lula for solto, isso representará um golpe na operação?
Depende. Muitas pessoas hoje querem ver o Lula preso, não como resultado de uma análise jurídica, mas simplesmente pelo desejo de vê-lo atrás das grades. Independentemente disso, a esta altura todo mundo acredita que o ex-presidente, em algum momento, será solto. Tudo vai depender das circunstâncias. Se ele for libertado agora, em uma data próxima aos vazamentos que questionam a integridade do Sergio Moro e do Deltan Dallagnol, seria algo explosivo. Mas, se ele for solto mais para a frente, por uma questão técnica, então será algo menos sensível, ainda que muita gente fique chateada. E a Lava Jato vai continuar.

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  1. "E a Lavajato vai continuar." Gostei disso! Vou gostar mais ainda quando advogados disfarçados de ministros no baixo-stf caírem nas malhas daquilo que eles mais odeiam: Justiça!

  2. Deputado ser contra a Lava Jato é compreensível, afinal há muitos envolvidos em corrupção. Por que o Judiciário também é contra? Tem corrupto lá? Tem bandido lá? Tem não, né?

    1. Por isso, defendamos a "Lava Toga". É o complemento que falta para garantir a continuidade da Lava Jato. Como o entrevistado afirma, parte da confiança no Brasil se deve à pressão popular. Continuemos, pois, conscientes de nossa responsabilidade e de nosso poder!

  3. Parabéns pela entrevista. O depoimento de Geert Aalbers é muito equilibrado e mostra que a Lava-jato trouxe um grande benefício para o país. É claro que ainda há muito a fazer, mas um país onde haviam empresas com departamentos especializados em propina precisa de uma mudança cultural profunda.

  4. Sim, a LAVA JATO hoje é uma INSTITUIÇÃO, tá nos centros mais importantes do país, graças a República de Curitiba. Falta chegar no Nordeste, estamos esperando a cinco anos e nada ainda.

  5. Excelente reportagem. Guarde esse nome: Duda Teixeira. Só foi esquecido de informar que no Chile você anda mais despreocupado na rua. Os restaurantes transbordam até as calçadas. Onde você ouve diferentes línguas, tem uma política eficiente, eficientissima. A passagem daqui a Santiago, ida e volta custa menos que São Paulo ao Rio ida e volta. Os hotéis tem descontos grandes para turistas estrangeiros.

  6. Excelente entrevista. Das melhores já publicadas aqui a alhures. O entrevistado mostra bom conhecimento do Brasil e da mentalidade nacional. Suas conclusões são respaldadas por fatos e argumentos fortes. E é gratificante ver a importância da Lava-jato para esta mudança de conceito sobre o Brasil. Realmente, com a eficiente ação da "República de Curitiba" o país deu uma guinada na sua história. E a eleição do Bolsonaro foi um dos fatos mais marcantes. É seguir em frente! E que JB ande na linha...

  7. A Lava a Jato depende de Porto Alegre também , que foi esquecido de mencionar pelo entrevistado . A diferença do Brasil para a Venezuela, é que o governo da Venezuela controla o judiciário. No Brasil , os poderes legislativo e judiciário controlam o executivo.

  8. Como se vê, existe profissão pra tudo que é coisa. O que eu gostaria de saber do expert é se ele entende que o Intercept tem muito material. Quantas horas de vídeos e áudios? Muita coisa não está sendo divulgada agora, mas, com o tempo, poderá ser usado o material para chantagem e ameaças de morte? To be or not to be.

  9. Excelente análise sobre a situação de uma possível liberdade do Lula - esse que ainda é o Chefe da maior e mais danosa quadrilha que o Brasil já detectou. Com poder de destruir a nossa República.

  10. o Brasil é o 2°lugar, mas na prática o Chile, que ficou na frente não apresenta os resultados que nós produzimos em tão pouco tempo.

  11. Porque o Chile tem uma posição acima do Brasil? Bem. A considerar o que temos presenciado em termos de pesquisas em solo brasileiro estariamos. a desacreditar. Mas trazida por um Professor Holandês que dá aulas em SP, vamos dar crédito. Só que observo o tamanho do território do Brasil e o do Chile e as proporções em termos de área e de habitantes teriam sido consideradas para o resultado final da pesquisa? No desenvolver da entrevista eu senti que o Brasil é o 2°lygar

  12. Como foi possível um notório bandido como é Glauber Braga, dentro do plenário, ofender Sérgio Moro, herói nacional, amado por todos os cidadãos brasileiros de bem e admirado por milhões de estrangeiros, dentro e fora do Brasil. Bolsonaro precisa mandar caçar o mandato deste canalha, julgá-lo e prendê-lo com 30 anos de cadeia!

  13. O risco de ocorrer corrupções em diferentes áreas dos órgãos públicos, no Brasil, ainda é imenso. Nossas leis são muito brandas, e a quantidade de possibilidades é enorme, além disso, nossa justiça é extremamente lenta, as prescrições têm prazo curto e assim são inúmeros os incentivos para acontecer. Precisamos mudar a Constituição, tirando o foro privilegiado, proibindo legislar em causa própria, como aumento de salários e edição de dispositivos legais que protegem os infratores.

    1. E penso que para crimes de corrupção não poderia ter prazos de prescrição .

  14. Uma sugestão para o poder legislativo brasileiro: Convidar esse brilhante profissional, expert em transparência, para subir nas tribunas da Câmara e Senado e palestrar sobre "Compliance". Seria o dia que teria orgulho e prazer de assistir uma sessão plenária do legislativo.

  15. Essa entrevista é muito Boa, excelente. por isto eu acho que seria importante que vocês liberassem a sua leitura para todas as pessoas, pelo O Antagonista por exemplo e ainda permitissem também que fosse compartilhada. parabéns pela entrevista.

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