Marcelo Camargo/Agência BrasilFerraço ainda no Senado: movimentos sutis, mas certeiros, põem o Congresso de costas para a sociedade

As “forças subterrâneas” do Congresso

De saída de Brasília após perder a eleição, Ricardo Ferraço tenta explicar por que seu projeto que obrigaria empresas a ampliarem a segurança de barragens não foi a votação e fala sobre o jogo obscuro que domina o Congresso e põe os interesses da sociedade em segundo plano
01.02.19

Depois da tragédia de Mariana, o senador Ricardo Ferraço, do PSDB capixaba, propôs um conjunto de medidas para ampliar a segurança das barragens construídas Brasil afora. As mudanças na legislação obrigariam as empresas mineradoras, em especial, a investir pesadamente para impedir que o desastre ocorrido na cidade mineira se repetisse. Não deu certo. A proposta chegou a ganhar parecer favorável na Comissão de Meio Ambiente, mas nunca foi votada. Acabou no arquivo. Três anos depois, na esteira do rompimento da barragem em Brumadinho, que deve deixar para a história a lamentável marca de mais de duas centenas de mortos, Ferraço tenta explicar por que seu projeto não avançou. Diz que “forças subterrâneas” impediram a votação. O desabafo é um retrato do jogo obscuro que domina Brasília e, com frequência, impede que os interesses da maioria se sobreponham aos de um punhado de empresas e empresários que financiam políticos e partidos.

Crusoé perguntou que forças são essas e de que maneira elas se manifestam. Em resposta, o senador claramente se esforça para não fulanizar, mas prossegue em seu diagnóstico: “Não são visíveis. Mas existem. É sempre muito sutil”. De saída do Senado após oito anos (na tarde de quarta-feira, ele já estava praticamente despejado de seu gabinete, que havia começado a receber a mudança do novo ocupante, o pernambucano Jarbas Vasconcellos), o político de 55 anos, que já foi vereador, deputado estadual, deputado federal, secretário de estado e vice-governador do Espírito Santo, afirma que os parlamentares trabalham de costas para a sociedade, são corporativistas, agem à revelia das vontades da sociedade e acabam reféns de uma “confraria” comandada por caciques como Renan Calheiros. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Afinal, de onde vêm e como operam as tais “forças subterrâneas” que impediram a votação do seu projeto que ampliava a segurança das barragens?
Eu chamo esses movimentos de subterrâneos porque, na prática, eu nunca consegui identificar de onde vinham. Não são visíveis. Mas existem. É sempre muito sutil.

Como se deu o impedimento?
Fui relator de uma comissão especial para analisar o rompimento da barragem de Mariana. Trabalhamos muito ao longo de alguns meses ouvindo Deus e o mundo, de especialistas às mineradoras. Ao final, chegamos à conclusão de que havia um conjunto de fragilidades e vulnerabilidades no sistema de barragens. Fizemos então uma proposta de lei criando uma nova política de barragens, mais dura. O projeto foi para a Comissão de Meio Ambiente. O Jorge Viana (senador do PT do Acre) foi relator e apresentou relatório. Nunca conseguimos deliberar. Em algum momento foi feito um pedido para que, além da Comissão de Meio Ambiente, a Comissão de Infraestrutura fosse também ouvida sobre o projeto. Esse tipo de iniciativa geralmente é feita para procrastinar a deliberação porque, além de ouvir uma comissão, precisaria ouvir outra. Se já não se conseguia votar em uma, ficaria ainda mais difícil votar em duas. Colocaram no meio do caminho mais um obstáculo (O requerimento foi apresentado pelo senador Pedro Chaves, do PSC de Mato Grosso do Sul. O projeto nem mudou de comissão nem foi apreciado. Acabou arquivado no final de 2018).

Os seus colegas não se mostravam interessados?
Não recebi apoio interno aqui na Casa. Quando o projeto ficou pronto, fui ao plenário discursar em sua defesa. Quando foi protocolado, fiz novamente a mesma coisa. E na comissão eu ligava e pedia ajuda, mas nunca tinha quórum, nem sessão, nem entrava na pauta. Não houve comprometimento nem compromisso dos colegas, nem do governo.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência Brasil“Isso só anda muito pressionado. Se não tiver pressão popular, entra na inércia”
Por que o Congresso não encampa essas pautas de interesse da sociedade em geral?
Tem problemas estruturais aqui. Um regimento imperialista. É dado ao presidente do Senado uma prerrogativa absurda. As reuniões de líderes que deveriam ocorrer sistematicamente para definir a pauta não acontecem. Tem essas disfunções no dia a dia que resultam na ineficiência de resultado e que geram desgaste para a casa. Além disso, falta foco. Não tem escopo, objeto, se trabalha com tudo e com nada ao mesmo tempo, são aprovadas coisas que não têm relevância, que são acessórias. E faltam, em alguns momentos, coragem e comprometimento de ter uma pauta sintonizada com aquilo que realmente seja necessário e precisa ser feito.

Dê outros exemplos.
Nós votamos aqui o fim do foro privilegiado. Deu um trabalho desgraçado. E já faz dois anos. E o projeto está lá na Câmara parado. O Congresso não dialoga com a vida real. Circunstancialmente até dialoga, mas, em geral, não.

Significa que os parlamentares são muito mais suscetíveis ao poder econômico do que aos interesses dos cidadãos?
Não é só isso. Não tem problema aqui só pela influência do setor privado. Tem a influência do setor público também. Nesse caso das barragens, havia uma lei que criou o Plano Nacional de Segurança de Barragens. Ela estava em vigor desde 2010. Ali tem um conjunto de atribuições para o governo, especificamente para o Departamento Nacional de Produção Mineral (hoje Agência Nacional de Mineração). E o que houve foi uma omissão absoluta do estado no cumprimento desse plano. O Brasil é muito bom para criar leis, mas é péssimo para cumpri-las. E aqui aparece outro traço da nossa cultura política. Quando o assunto se instala, tem uma energia concentrada nele. Depois, essa energia se dissipa. Passa o calor da tragédia e ninguém quer mais saber do assunto.

Marcelo Camargo/Agência BrasilMarcelo Camargo/Agência Brasil“O Brasil é muito bom para criar leis, mas é péssimo para cumpri-las”
E o que é preciso para o Congresso andar mais sintonizado com a sociedade?
Pressão da rua. Isso aqui só anda muito pressionado, só anda estressado. Se não tiver pressão popular, entra na inércia do dia a dia. O Congresso é disperso por natureza.

Vem daí, aparentemente, a alta taxa de renovação dos congressistas em 2018, especialmente no Senado.
Sim, e também fui punido (ele se candidatou à reeleição, chegou a aparecer bem nas pesquisas, mas acabou amargando o quarto lugar). Não acredito que tenha sido pelos meus atos e atitudes, porque creio que sempre andei em linha com esse sentimento das ruas. Mas o conjunto da obra do Congresso é muito ruim. A fotografia é muito ruim. Somos um poder que deve e muito à sociedade, porque poderíamos ter feito um monte de coisas boas e não fizemos. Patinamos.

Ao parlamentar que se vê falando sozinho, resta sempre a opção de pressionar os demais para aprovar um projeto que seja de interesse popular. Não funciona?
Essa pressão existe, mas ela é sempre constituída por uma minoria que não consegue mover a maioria. E essa minoria fica dando murro em ponta de faca. Vem uma denúncia contra algum parlamentar e o corporativismo se estabelece. Um senador protege o outro como se fosse uma confraria. Quem manda é o MDB de Renan (Calheiros), Eunício (Oliveira), (José) Sarney, Romero Jucá. É isso aí.

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  1. O outro caminho? É o caminho da roça. Os infelizes que estiverem no rastro de uma avalanche de rejeitos minerais, que mudem de cidade, de vida, de emprego, não importando qual o custo . . . pelo menos preservarão suas vidas. E quando chamamos políticos de CRIMINOSOS e a política de CRIMINOSA sentem-se hipocritamente ultrajados. Gente nojenta.

  2. Reorganizar a representatividade de cada estado no congresso, reduzindo o número de parlamentares e aumentando sua especificidade através do VOTO DISTRITAL PURO!!!! O caminho é por aí!

  3. Somente agora que o senhor ficou fora da "Confraria" resolveu botar a boca no trombone?. Por que não denunciou isso para todos os brasileiros. Embora sempre soubemos o que ocorre na nossa politicagem.

  4. Creio que falta divulgação por parte dos bons políticos, pelas redes sociais, da atuação ou omissão dos maus políticos. Se as ruas querem que os políticos ajam em favor do povo, é a elas que se precisa recorrer, à sua força e influência. Muitos de nós julgamos ml, bons políticos, porque suas vozes não nos clamam pedindo ajuda e apoio.

  5. Nós, povo e sociedade sentimos que funciona bem assim como ele descreve. Tanto é assim, que nominaram os de outros partidos que não sejam PMDB, PT e PSDB, de "baixo clero". Quando na verdade, "baixo" é o QI, caráter e ética desta "confraria".

  6. Aí eu pergunto: por quê 81 SENADORES?! Se fossem 2 por estado já não seria MAIS do que o suficiente??? Aí eu fico imaginando: já pensou QUANTA VERBA PÚBLICA seria economizada cortando-se 1/3 de TUDO que é gasto com o Senado??? Isso deixaria de sufocar Saúde, Educação, Segurança, etc... Aí eu pergunto também: pra quê 513 DEPUTADOS FEDERAIS??? Neste caso imagine o quanto representaria para a economia do país o corte da METADE desses parlamentares?!?!?!

    1. Plenamente de acordo. Menos parlamentares, menor custo aos cofres públicos, maior consenso por ser menor o contingente. Não há sentido em tantos partidos políticos, afinal não há tanta diferença entre ideologias, quando o que se deve buscar é a condução correta da coisa pública. Porque será que os países mais organizados e desenvolvidos têm uma máquina pública mais enxuta. Já passou da hora de mudarmos o rumo prá essa direção.

  7. Mesmo pedido (alicerçado no artigo 1º, parágrafo único, CF) feito em comentário a outra reportagem da Crusoé: mais vigilância e cobrança por parte do povo aos 3 poderes. Se não abandonarem a velha política e passarem a nos representar DE FATO, não apenas de direito, RUA!!!!!!!

  8. Não vi a imprensa olhar para o Conselho Administrativo da Vale. Ali estão os representantes das corporações proprietárias da empresa, que definitivamente direcionam e autorizam as políticas da companhia, e que possuem as ligações com os políticos e com os governos. Eles seriam os personagens certos para exigir da diretoria as medidas indispensáveis para o controle e acompanhamento das barragens. Mas, isso não dá lucro.

  9. Enquanto o país depender de uma sub-raça que vota por votar, que elege bandidos a séculos, jamais seremos respeitados por esses vermes. Só com um IRA, a explodir essas desgraças , que se apoderaram do poder, um dia mudaremos essa nação. Quando bandidos, fazem suas próprias leis, nada pode dar certo. Pobre Brasil, tão rico e tão podre.

    1. Pedro Amaro Por isso, acredito que o voto voluntário, seria, pelo menos, 80% solução. Voto consciente, de gente esclarecida, que sabe o que faz. E, conjugado com o voto distrital, teríamos ainda maior controle sobre a conduta de nossos parlamentares.

  10. Essa ANM já nasceu viciada. Ela obedece às mineradoras. São velhos petistas que se agarram nos cargos. Muitos com mansões em Brasília!

  11. Essas " forças subterrâneas " emanam dos interesses dos donos das mineradoras e atuam com crueldade implacável em regiões subdesenvolvidas com África e América latina. Isto vem desde Cortez. As do vale do Paraopeba derrubaram Getúlio Jânio e jango por que queriam incorporar nossas riquezas minerais ao Patrimônio Nacional. O tema é interessante mas nenhum jornalista o " estudou " como deve.

  12. Como ele mesmo disse, tudo isso se resolve com pressão da sociedade e hoje em dia temos a melhor ferramenta para fazer pressão, as mídias sociais que elegeram um presidente e poderão fazer com que esses, não todos, bandidos passem a trabalhar em favor do povo.

    1. Duvido que consigam. São uma confraria formada por bandidos, corruptos e outras fáunas. Talvez se o soldado, o cabo e o Jeep fizessem uma visitinha no congresso ajudaria na presão das ruas e mídias sociais.

  13. Acredito que os novos senadores desarquivarão o projeto de Ferraço que sempre foi um representante correto do povo e sua proposta não merece ficar no esquecimento. Vamos fazer pressão, enviando emails para todos os senadores.

  14. Espero que Crusoé mantenha um folow up dos assuntos importantes e nos mantenha informados, cobrando de nós a pressão para que os parlamentares se mexam .. o trabalho é arduo e imenso mas aos poucos chegaremos lá.

  15. Otima oportunidade do Ricardo se manifestar sobre o que ocorre com a maioria dos nossos parlamentares. O Senador Ricardo sempre atuou de maneira exemplar em defesa do Brasil e em especial do povo capixaba, merecia ser reeleito. Vai, se ainda quiser, ter nova oportunidade.

  16. Ferraço foi trocado exatamente pelo sentimento que deveria ter uma mudança generalizada para que o recado fosse claro, mil vezes ele que a Rose de Freitas, essa sim deveria sair. Infelizmente nem todos estados da união fizeram esse movimento e algumas maçãs mais que podres foram reeleitas, como o Renan.

  17. O ex senador expôs com clareza o que realmente ocorre... Pena que não fez essas denúncias enquanto estava lá... Perdeu a chance!!! Agora é uma nova era... Sem Renan!

  18. São , na verdade, despachantes dos grupos que financiaram suas campanhas. Estão lá para defender os interesses dos seus grupos. Nada de novo.

  19. Se é assim pra que tantos deputados e senadores. Fecha tudo ou deixa só os deputados em menor número. Pra que senadores. Só pra atrapalhar o país. O Brasil precisa urgente de uma nova A constituição. A que esta aí já caducou.

  20. Quando será que o Brasil se libertará dos Sarney, dos Renan, dos Jucá? Só Deus para chamar esses caras para uma longa conversa.

  21. As declarações de Ricardo Ferraço dizem tudo. Os senhores parlamentares não agem em benefício da Nação mas em beneficio próprio . Que democracia....

  22. Espero que com a renovação de 85% do Senado, ocorra alguma mudança nesse cenário. Lamentável! Eu sinto como se tivesse jogado meu voto no ralo.

  23. Com um Congresso desses, o melhor seria fechá-lo. Deixa somente o presidente com seus ministros trabalharem para melhorar o Brasil. Se STF atrapalhar, fecha-o também. Chega de tanto descaso com os eleitores e com o povo brasileiro! Não elegemos ninguém para nos roubar. Não elegemos ninguém para nos fazer mau.

  24. Tudo aquilo que já sabemos. Acredito que lutamos, com as forças democráticas que tínhamos disponíveis contra isso. (Intensa troca de informações por meio de redes sociais e voto). Temo, pelo andar da carruagem, que, mesmo conseguindo renovar, em mais de 50%, o membros do Congresso Nacional , que nossa luta tenha sido em vão.

    1. Tenho a impressão diante de tantos absurdos, que no Brasil, poderíamos definir Política assim: Arte de enganar a sociedade.

  25. Espero que essa entrevista chegue ao conhecimento dos nossos congressistas e de tantos quantos se interessam pela moralização da política brasileira.

  26. Esta entrevista deixa bem claro o que todos sabemos, este sistema político que temos, simplesmente não funciona. Enquanto insistirem em mantê-lo, mais crises, e mais desgraças se acumularão. Só não vê quem não quer.

  27. Eu acho que falta comunicao do eleito com os eleitores. Todos esses processos deveriam vir ao conhecimento dos eleitores para que possamos pressionar os bandidos.

    1. Exatamente, não adianta chorar sobre o leite derramado. Teríamos que ter uma imprensa também descomprometida para atuar nesses casos

  28. A falta de sintonia entre o Congresso e o eleitorado se reflete também na derrota do excelente senador Ferraço. O eleitor não acompanha a atuação dos políticos em Brasília e elegem os corruptos de sempre.

    1. Excelente onde? Sempre levou vantagem para apoiar o PT. Ganhou os 400 mil distribuídos por Dilma para aprovar suas contas, confira! Só correu quando viu que o barco estava adernando.

    1. Lembre-se que ele assumiu esse lado ético agora, mas foi esse mesmo senador que recebeu 400 mil para aprovar as contas da Dilma, lá atrás. Ele é daquele tipo que se veste de acordo com o público, mas a realidade pode ser bem outra. O pai, que é seu mentor e deputado, é o protótipo do slogan “rouba mas faz”, rei entre empreiteiros. Nunca ouvi falar que ele fosse de outra espécie. Mas, claro, o discurso é lindo... ahã, sei...

  29. É uma vergonha... por essa razão e muitas outras é que o Brasil se encontra nessa situação miserável. Acho que está muito longe de todos nós nos livrarmos dessa praga que aniquila a esperança do cidadão brasileiro voltado ao bem comum...

  30. Ferraço é um melhores e ficou fora. Prá "compensar" elegemos a Leila do Volei senadora. A sociedade eacolhe mal e não faz pressão. Nao há como sair da lama.

    1. Ainda bem que a Dilmanta foi candidata ao Senado em Minas, se fosse em qualquer estado do Nordeste, teríamos que engolir mais uma senadora corrupta é incompetente!!

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