Marcelo Camargo/Agência BrasilLula e Maduro, durante visita do venezuelano a Brasília: "democracia consolidada", segundo Celso Amorim

No colo do ditador

Maduro frauda eleições e inicia banho de sangue. Para Lula, “não tem nada de grave”
02.08.24

Depois de 25 anos de chavismo, a população venezuelana acreditou que poderia se libertar da ditadura em uma eleição acompanhada de perto por alguns poucos organismos internacionais e por outros países. O ditador Nicolás Maduro, assim, poderia deixar o cargo como fez o chileno Augusto Pinochet, derrotado nas urnas em um plebiscito, em 1987. Após a votação no domingo, 28, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) declarou a “vitória” do ditador com 51,2% dos votos, sem mostrar as atas de votação. O candidato da oposição, Edmundo González Urrutia teria ficado com 44,2%. Dois dias depois, a oposição, divulgando as atas na internet, afirmou que o vencedor foi Urrutia, com 70% dos votos. Maduro levou apenas 30%. Foi a maior margem de vitória na história das eleições venezuelanas. O ditador reagiu com fúria e deu início a um banho de sangue, como ele tinha prometido dias antes. Até a quinta, 1.062 pessoas tinham sido detidas, incluindo menores de idade. Vinte e uma tinham sido assassinadas. Temendo pela própria vida, a líder da oposição, María Corina Machado, escondeu-se e seu paradeiro é desconhecido.

Instado a tomar alguma providência nos primeiros dias da confusão, o presidente Lula afirmou que o processo eleitoral foi “teoricamente pacífico, não houve violência, não houve nada”. Ele disse que o governo venezuelano deveria mostrar as atas de votação e que caberia à Justiça avaliar o caso. “Tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial. Não tem nada de anormal. Teve uma eleição, teve uma pessoa que disse que teve 51%, teve uma pessoa que disse que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro, não. Entra na Justiça e a Justiça faz“, afirmou o presidente na terça, 30 de julho.

Há nessas declarações vários equívocos graves. O primeiro é afirmar que não houve violência. Ainda no domingo, 28, motociclistas mascarados e policiais cercaram seções e ameaçaram eleitores, no intuito de desmotivar o comparecimento às urnas. Integrantes da oposição foram impedidos de entrar nos centros de votação ou foram hostilizados por motoqueiros armados leais ao regime. Na quarta, 31, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) divulgou um comunicado falando que, de cerca de 300 protestos populares realizados após o pleito, 115 tinham sido violentamente reprimidos.

O segundo problema é confiar que Maduro entregará as atas. “Eu, na hora em que estiveram apresentadas as atas, e for consagrado que as atas são verdadeiras, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral na Venezuela”, afirmou o petista. Foi decisão de Maduro não entregar as atas. O presidente do CNE, Elvis Amoroso, um ex-deputado do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Chávez e Maduro, prometeu que divulgaria as atas “nas próximas horas”. Mas, mesmo após o prazo previsto em lei, de 72 horas, o CNE não cumpriu sua obrigação de mostrar esses documentos.

Maduro sabe que, se ele mostrar as atas verdadeiras, ficará comprovado que ele foi derrotado. Na quarta, 31, o ditador chegou até a debochar dos pedidos para que ele mostrasse as evidências de sua “vitória”. Em uma conversa com jornalistas, ele abriu a Bíblia e leu parte de João 20: “Estenda a mão, coloque-a ao meu lado e não seja um incrédulo, mas um crente. Então Tomé respondeu: ‘Meu Senhor e meu Deus’. E Jesus lhe disse: ‘Porque você me viu, Tomé, você acreditou. Bem-aventurados os que não viram e acreditaram’. Eu falei [que entregaria a ata] e alguns acreditaram. E outros tiveram que ver para crer. Bem-aventurados aqueles que acreditaram sem ver”. O ditador quer que todos acreditem em sua palavra e na de Elvis Amoroso, sem insistir para que eles comprovem o resultado.

O terceiro problema no posicionamento de Lula é ter fé na imparcialidade da Justiça Venezuela. O Tribunal Supremo de Justiça, entidade equivalente ao STF brasileiro, está totalmente dominado pelo ditador. Na quarta, 31, Maduro montou uma cena constrangedora para as câmeras, ao enfileirar todos os juízes da Sala Eleitoral da Corte para entregar a eles um recurso, pedindo para eles avaliarem o resultado do CNE. Quem recebeu o documento foi a presidente da Corte, Caryslia Beatriz Rodríguez Rodríguez, que já foi parlamentar e prefeita pelo PSUV. Ao assumir seu cargo no TSJ, em janeiro deste ano, ela prometeu “uma unidade perfeita entre os patriotas, em união cívico-militar”.

Nesta quinta, 1º, Lula nutria a esperança de resolver a questão conversando diretamente com Maduro. Mas sua diplomacia telefônica nunca funcionou, nem na invasão russa da Ucrânia, nem na guerra entre israelenses e o grupo terrorista Hamas. Como de costume, almejando a posição de mediador, o Brasil ficou em cima do muro nos fóruns internacionais. Em uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), o Brasil se absteve em uma votação na quarta, 31. A atitude brasileira inviabilizou uma resolução pedindo a publicação imediata das atas eleitorais na Venezuela e o respeito aos direitos humanos.

Lula pode telefonar quantas vezes quiser, mas Maduro já deu mostras que não dá importância às palavras do brasileiro. Antes das eleições, depois que Lula se disse “assustado” com as ameaças do venezuelano de que iria promover um “banho de sangue”, Maduro lhe recomendou um chá de camomila. O ditador está muito seguro de si, porque ainda conta com a lealdade de seus militares e com o apoio de governos amigos. A fraude eleitoral foi prontamente aplaudida por Rússia, China, Irã e Cuba — quatro países alinhados com o governo Lula e que sustentam o regime chavista comprando petróleo, fornecendo armas e agentes de inteligência.

O abacaxi que Lula tem nas mãos será duro de descascar, mas foi regado por ele próprio. O petista apoiou Hugo Chávez e Maduro quando foi presidente e nos anos seguintes. Negociatas foram feitas com os venezuelanos e a empreiteira Odebrecht, com recursos sendo desviados para o PT. No ano passado, Lula retomou relações diplomáticas com Maduro. Hoje, ele luta para incluir a Venezuela novamente no Mercosul, sem qualquer motivo além da proximidade ideológica. Seu assessor especial, Celso Amorim, afirmou há duas semanas que a Venezuela é uma “democracia consolidada” e relativizou as ameaças de Maduro de que haveria um “banho de sangue” e uma “guerra civil fratricida” caso ele deixasse o poder. “Eu tenho a impressão, sendo, digamos, talvez um pouco compreensivo, que ele estava se referindo a longo prazo, luta de classes, coisas desse tipo, coisa que, de qualquer maneira, não deveria falar”, afirmou Amorim. Com tantos agrados, Maduro se acostumou muito mal com o servilismo dos petistas e por isso não tem hoje motivos para escutar seus bajuladores, agora que eles esboçam um tom diferente ao telefone.

Com a repressão chavista a pleno vapor nas ruas, Lula se isola no mundo e no Brasil. Mesmo governos de esquerda e políticos brasileiros têm sido duros com o ditador venezuelano, condenando a ditadura, denunciando a fraude e exigindo respeito aos direitos humanos (leia matéria nesta edição de Crusoé).

No Brasil, Lula ainda vai na contramão dos anseios da população, repetindo os mesmos desatinos quando criticou a Ucrânia e Israel. Uma pesquisa do instituto RealTime BigData, divulgada em primeira mão por Crusoé esta semana, mostrou que 73% dos brasileiros discordam da frase de Lula de que “não há nada grave” na eleição da Venezuela, 73% consideram que a vitória de Maduro foi ilegítima e 79% dos entrevistados acreditam que a Venezuela é uma ditadura.

Lula terá sua imagem manchada nesta crise venezuelana, seja qual for o seu desenlace, mas foi ele próprio um dos artífices dessa situação.

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  1. Lula não tem fé na imparcialidade da justiça Venezuelana, ele tem é certeza da necessidade do ditador dominar, controlar as instituições e narrativas, a exemplo do que acontece no Brasil. Lula está comprometido com Maduro, que sabe de TODOS OS PODRES do nosso presidente. Aí lembro que ele estava preso..., até que apareceu uma rachadinha na história !

  2. O Brasil é um anão diplomático e Lula um anão moral. Precisamos saber quem trouxe esse pesadelo de volta (além de Bolsonaro, naturalmente).

  3. Lula, nosso eterno apedeuta. Eternamente limitado por sua própria ignorância e dos que o cercam cometem erros devastadores para nós, brasileiros e para nossa diplomacia. O fato de defender um déspota assassino só nos revela o quanto o mesmo gostaria de estar em seu lugar fazendo a mesma coisa. Lula tem o coração voltado para ditadores revelando assim, as projeções de seus mórbidos desejos.

  4. Lula diz que voltou para se vingar., que não sossegaria enquanto não f…desse o Moro. Pois é , algo está “pintando” no ar que parece muito tem a ver como m Lava-Jato. Taí descondenado . Seu futuro acabou.

  5. Acreditar que o nosso "descondenado" ia fazer diferente é acreditar em Papai Noel e na Fada Madrinha. Mesmo com evidências a mostra, se é que serão mostradas, a postura será a mesma. Não tenho ilusão que esse sujeito vá cobrar nada....enfim, NADA DE NOVO NO FRONT.

    1. A ditadura tupi avança aos poucos, desmoralizaram as forças armadas, dividiram o poder com o legislativo e STF nomeado exatamente como o multi criminoso Zé Dirceu publicamente previu e não houve qualquer reação ... três apodrecidos poderes assassinam lentamente a dignidade nacional nos tornando semi escravos e faz de uma nação rica e próspera sua fétida e infecta latrina ... a "descondenação" prova isto.

  6. Maduro não tem alternativa ESCANCARA A DITADURA ou cai fora preferencialmemte para Cuba já que ninguém vai querer o indigesto sapo ... várias vezes escrevi (e fu censurado) que o mesmo ocorrerá aqui fatalmente é só aguardar o resultados das eleições deste ano ... o cartão vermelho será claro.

  7. A Esquerda e Lula não estão nem ai .Daqui a pouco, todo mundo esquece da Venezuela pois a Venezuela tem petróleo , o mundo vai continuar neste jogo de faz de conta infelizmente.

  8. Lula e seu partido envergonham o Brasil perante seu e a comunidade internacional. Este ano é em 2026 também. Temos que extirpar esse partido não votando em seus candidatos, nem para vereador.

  9. O Maduro vai tentar escancarar a ditadura já vigente e o Lula, que é seu refem por tramoias passadas com empreiteiras, vai continuar com esse discurso dissimulado. Vergonha de política externa imprestavel

  10. A imagem do Lula não ficará manchada nesta crise na Venezuela. O Lula inteiro é todo manchado há muitos anos. Só os cegos não vêem. Fora Lula!!!! 🐀🤮💩

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