Ricardo Stuckert/PR via FlickLula, durante assinatura do PL: Estado tem de tirar mão intervencionista de consumo e trabalho livre

Transporte por aplicativos: proposta mostra que Lula parou no tempo

Texto é tentativa fracassada de enquadrar as novas relações em modelo engessado e obsoleto de relação empregatícia visto na CLT
08.03.24

O governo Lula enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar que regulamenta o trabalho de transporte por aplicativos. Como qualquer inovação que se integra a uma sociedade, desde a chegada dos transportes por aplicativo — e outros tipos se serviços que são propostos através de um aplicativo —, o campo do Direito começou prontamente a debater a respeito da regulamentação dessas novas relações. Logo, o assunto tornou-se controverso e polêmico.

Muitos casos envolvendo as empresas de aplicativos e os motoristas foram judicializados até chegarmos a este ponto, especialmente no que tange a existência ou não de vínculo empregatício entre empresa e motoristas. No ano passado, a 4ª Vara do Trabalho de São Paulo condenou a Uber a pagar 1 bilhão de reais e a obrigou a contratar todos os motoristas sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Em contrapartida, a jurisprudência dos tribunais superiores evidencia um entendimento de que não existe vínculo empregatício entre motorista e empresa de aplicativo.

Antes de adentrar nas questões do projeto de lei e analisar suas consequências, é importante entender a conjuntura na qual estamos vivendo— não do ponto de vista legal, mas sim humano. Com a tecnologia e a inovação, as relações interpessoais e as relações do ser humano com o mundo estão se modificando cada vez mais intensamente — e, por óbvio, nossa missão é sempre nos adaptar. A ação humana sempre será motivada pela otimização de tempo e energia. Isto significa que o ser humano sempre agirá com o intuito de sair de uma situação desconfortável para ir para uma situação mais confortável e prática para si.

Neste contexto, nos deparamos com o conceito de economia de compartilhamento ou economia colaborativa, que é um modelo econômico no qual os indivíduos compartilham entre si recursos, serviços e bens, frequentemente mediados por plataformas online. Este modelo visa a otimização da utilização de ativos e recursos, com o propósito de fomentar a eficiência e a praticidade na rotina humana. Esse modelo de negócio frequentemente envolve transações entre duas pessoas (no inglês, peer-to-peer ou P2P), eliminando intermediários tradicionais.

A realidade é a de que o sistema capitalista em si é um sistema de trocas voluntárias. O que ocorre é que essas trocas vão se aperfeiçoando com o passar do tempo, de acordo com as necessidades humanas. Se eu não quero financiar um carro, mas opto por me locomover por esse meio de transporte, agora tenho uma infinidade de opção de aplicativos que podem me oferecer esse serviço sem que eu precise comprar um veículo. O desafio do Poder Legislativo e do Executivo, quando necessário, é adaptar a legislação às novas relações de consumo colaborativo.

Analisando de perto o projeto de lei elaborado pelo Planalto, fica evidente que se trata de uma tentativa fracassada de enquadrar as novas relações — que barateiam o serviço para o consumidor e propõem mais liberdade para o motorista — em um modelo engessado e obsoleto de relação empregatícia oriundo de uma legislação de 1943.

A jornada de 8 horas de trabalho com a possibilidade de extensão para doze somente por acordo coletivo com o sindicato tira a liberdade e a autonomia do motorista. Não ficaram claros os critérios utilizados para se chegar ao valor de R$ 32,09 como salário mínimo por hora. Esse tipo de imposição incentiva o serviço de péssima qualidade, tendo em vista que, pelo modelo atual, aqueles motoristas mais bem avaliados recebem melhores corridas e melhores preços. Quando existe uma padronização de preço, o péssimo será remunerado da mesma maneira que o excelente.

A lei obriga a criação de um sindicato, como se já não bastassem os escândalos de desvio de dinheiro, nepotismo e falta de transparência envolvendo dirigentes sindicais. É assinar a permissão de tirar dinheiro do bolso dos trabalhadores para financiar uma “máfia” de mais de 10 mil sindicatos que, antes da reforma trabalhista, chegava a movimentar 3 bilhões de reais por ano.

Por fim, é imperioso ressaltar que, segundo uma pesquisa do Datafolha, 75% dos motoristas e entregadores por aplicativo rejeitam o modelo da CLT. Isso sem contar que os consumidores sequer estão sendo considerados, pois com novas imposições salariais e previdenciárias, o serviço custará mais caro e, por óbvio, menos acessível. Sendo assim, o Congresso Nacional deve rejeitar esse projeto de lei retrógrado e dar um recado ao Governo Federal: tire a sua “mão” intervencionista e deixem as pessoas consumirem e trabalharem livremente.

 

Letícia Barros é advogada e vice-presidente do LOLA Brasil

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  1. A mudança é inevitável, nem o rei-sol vai conseguir impedir. Só vai escancarar o quanto ele é um tirano retrógrado que perdeu o bonde do futuro

  2. Esse negócio de sindicatos é tão lucrativo que o ex-ministro do trabalho Carlos Lupi foi acusado de cobrar propina para aceitar registro de novos sindicatos.

  3. Pessoal, só agora eu descobri que Raul Seixas tava certo, com a letra da musica: sábio chinês. Vamos por um pessoal mais jovem pra fazer leis, né?

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