Jefferson Rudy/Agência SenadoCongresso Nacional: ano será dominado pela regulamentação da reforma tributária

O que aguarda o Brasil em 2024?

A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos
12.01.24

Os prognósticos eram divididos ao início de 2023, quando Lula iniciou seu terceiro mandato. Os economistas faziam estimativas sombrias para o crescimento econômico, menos de 1% do PIB, com inflação e juros ainda nas alturas. O Congresso se encarregou de reduzir as expectativas do governo quanto às grandes mudanças propostas pelo presidente eleito. A grande revelação foi o ministro da Fazenda, que conseguiu arrancar, a trancos e barrancos, algumas das medidas econômicas mais relevantes para o futuro do Brasil.

2024 será dominado pela regulamentação da reforma tributária e pelo esforço do ministro da Fazenda de fazer cumprir sua meta de déficit zero, a despeito das intenções do presidente de continuar gastando como se o Brasil estivesse navegando na bonança econômica do início do século. O crescimento pode voltar a surpreender, apesar das estimativas modestas dos economistas e dos organismos internacionais.

A política doméstica continuará dominada pela divisão do país, mesmo quando o governo optou pelo slogan “união e reconstrução”. A luta política, voltada em 2024 para as eleições locais, parece cristalizar uma polarização que só interessa aos dois blocos opositores nas eleições de 2022. O poder do Parlamento cresceu bastante, mas no modelo distorcido das emendas individuais, de bancada e de comissão, que passaram a desfigurar completamente a noção de aplicação racional dos recursos disponíveis.

O grande ativo do terceiro mandato, no plano interno e no externo, deveria ser a política ambiental, mais proclamada do que efetivamente implementada, sobretudo se as promessas de preservação do meio ambiente e de transição energética se chocarem com os projetos e veleidades petrolíferas do presidente, inclusive na região amazônica. Durante a conferência das partes sobre mudanças climáticas em 2023, o governo resolveu associar o Brasil ao cartel dos produtores de petróleo, como se Lula pudesse cumprir sua promessa de convencer os líderes da OPEP a dar início à conversão para energias renováveis. Esse tipo de contradição também está presente em outras posturas de política externa do governo, nas quais pretende intermediar negociações de paz entre partes em confronto, ao mesmo tempo em que coloca num mesmo plano agressores e agredidos. Nessa vertente, o Brics não é tanto um ativo diplomático como se pretende, quanto é um passivo geopolítico, sobretudo em função de sua recente ampliação a novos membros peculiares. A OCDE permanece no limbo.

Os mais relevantes problemas brasileiros – além e à margem dos quase eternos desequilíbrios regionais e desigualdades sociais – estão na educação e na segurança cidadã, áreas na quais o governo ainda não apresentou propostas integradas para reduzir deficiências notórias, que se agravaram nos últimos anos. A criminalidade tornou-se abrangente, nas grandes metrópoles e nas regiões recuadas, assim como mais sofisticada, alcançando as novas tecnologias de informação e de comunicação. Um dos grandes problemas econômicos é justamente a falta de competitividade da produção manufatureira do Brasil, resultado dos níveis medíocres de produtividade do capital humano, o que deriva da baixa qualidade da educação brasileira (como refletida nos exames do Pisa).

A miséria residual e a pobreza mais extensiva poderão ser reduzidas por meio dos canais existentes de distribuição de renda e de auxílio focalizado, mas não parece haver hipótese de mudança estrutural nesse perfil iníquo da sociedade brasileira apenas através de programas governamentais. O subsídio ao consumo dos mais pobres deveria ter como objetivo principal a redução dos beneficiários pela via do mercado de trabalho, não o aumento quantitativo da população assistida. A reforma tributária ficou concentrada apenas no consumo, não na renda e no patrimônio, sendo que a regressividade impositiva poderá ainda ser agravada por um nível anormalmente alto da taxação pelo valor agregado (dados os subsídios remanescentes ou as exclusões e regimes preferenciais criados). Os novos poderes do parlamento, assim como do mandarinato estatal (a começar pela aristocracia do Judiciário) não facilitarão a correção das principais desigualdades distributivas.

Alguns dos principais desafios do terceiro mandato de Lula se situam no âmbito da política externa, uma vez que o Brasil estará, em 2004, no comando do G20, com propostas até bem-vindas no campo social e ambiental, mas também com a ilusória pretensão de uma grande reforma na estrutura da governança global, o que parece impossível, dado o aumento das tensões mundiais já identificadas a uma nova “Guerra Fria”. Nesse terreno, as opções de Lula se chocam com o seu tratamento leniente dos grandes violadores da paz e da segurança internacionais, por acaso proponentes de uma “ordem global não ocidental”, pela qual o presidente já manifestou diversas vezes sua predileção. Mais adiante virá a organização da conferência sobre aquecimento global na Amazônia, onde estarão em curso os novos projetos da Petrobras de exploração dos recursos eventualmente detectados in e offshore. No intervalo, continuarão as discussões com os parceiros do Mercosul e da União Europeia em torno dos projetos de reforma do bloco – no qual o Brasil estará relativamente isolado, em face de governos bem mais liberais – e da possibilidade de concluir um acordo que se arrasta penosamente em face dos protecionistas dos dois lados há mais de duas décadas.

Surpresas certamente advirão no decorrer de 2024, tanto no plano interno, quando no cenário externo, para as quais o presidente e seu governo precisam estar preparados, pois sucessos e insucessos de alternarão ao longo dos próximos meses. Ainda não se tem um documento de governo claramente definido em função dos seus grandes objetivos. Na arena da política doméstica e no teatro da política externa, o Executivo não dispõe de comandos suficientes para controlar a marcha e o conteúdo de suas propostas e reações aos desafios que inevitavelmente surgirão. O personalismo no ambiente interno e a diplomacia excessivamente presidencial no cenário internacional podem não ser as alavancas adequadas para uma governança efetiva em face da complexidade dos problemas que marcam o Brasil e o mundo na presente conjuntura histórica de transformação geopolítica.

Os paradoxos de uma globalização fragmentada – crescimento, crise e concentração ao mesmo tempo – afetaram o funcionamento do multilateralismo contemporâneo e os grandes Estados (com a possível exceção da União Europeia) apresentam visível tendência a atuar unilateralmente. Isso ocorre porque suas políticas internas também se encontram divididas em grupos ou lideranças mais radicais que disputam o poder. A atmosfera política e econômica do mundo é mais de névoa e de sombras do que de céu claro e caminhos desimpedidos. Lula terá algumas difíceis escolhas a fazer, num e noutro ambiente, daí a importância de se cercar de boas assessorias: econômicas, políticas e diplomáticas.

 

Paulo Roberto de Almeida é diplomata, professor e escritor

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  1. Não vejo o presidente Lula como uma pessoa que goste de se cercar de pessoas boas e preparadas, vejo como uma pessoa que faz o que quer e não ouve ninguém! Também não vejo como uma pessoa de diálogo, mas de conluios e/ou conchavos. Contudo, quando ele venceu, ainda tinha esperança q ñ fosse tão ruim qto foi e continua sendo! Esse final só me fez lembrar daquele dito q tem sido tão usado: "nada é tão ruim que ñ possa piorar!". Essa sensação é horrível e ñ vejo expectativa de melhora porque ñ vejo aprendizado por parte da população: nenhum de meus escolhidos foram eleitos (nem no país, nem no estado e na minha cidade, por certo, ñ novamente) -claro q minhas escolhas ñ são melhores q as de ninguém, mas, o que quero dizer, é q ñ vejo chance das pessoas se disporem a trilhar novos caminhos; Persistem naquele q, já sentimos na pele, leva pro buraco!

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