Pillar Pedreira/Agência Senado

Para uma choldra, até que fomos bem

Queria ver como se sairiam alunos japoneses, coreanos, singapurenses e chineses se fossem ensinados por professores brasileiros, ainda por cima segundo as diretrizes do MEC
08.12.23

O Brasil inteiro chocado porque alunos brasileiros tiveram um resultado péssimo no Pisa (Programa de Avaliação Internacional de Estudantes).

O Brasil teve 379 pontos em matemática, o que significa 93 pontos abaixo da média, que é de —(mas agora eu teria que somar 379 e 93, e não consigo, pois eu também já fui um estudante brasileiro). E em leitura os estudantes brasileiros fizeram 410 pontos, que é 66 pontos abaixo da média — se é que eu, como brasileiro, entendi direito o texto que trazia esses números.

Ou na verdade nem chocados ficamos, porque não esperávamos nada muito melhor. Esperávamos? Por favor. Sempre falamos das nossas mazelas com o misto de desespero e volúpia com que um personagem de Eça de Queirós fala de Portugal:

-Isto aqui é uma choldra!… – eles sempre dizem na minha memória.

Ou como fala para a Elaine aquele casal de indianos civilizados de Nova York na série Seinfeld: “Não vá para a Índia. É um lugar horrível. Horrível! Você sabia que a Índia é o único pais que ainda tem a praga? (ri) É, a praga! Pelo amor de Deus!”

Mas estamos encarando tudo pelo lado do avesso. A questão não é o quanto os alunos brasileiros vão mal. A questão é o quanto os alunos brasileiros vão bem, considerando-se que são ensinados por professores brasileiros. Queria ver como se sairiam alunos japoneses, coreanos, singapurenses, chineses etc., se fossem ensinados por professores brasileiros, ainda por cima segundo as diretrizes do MEC. Eles se sairiam tão pior do que os alunos brasileiros que não haveria nação com que poderíamos compará-los. Filhotes de cocker spaniels teriam desempenhos melhores que os deles.

O fato de os alunos brasileiros só irem muito mal, mesmo sendo ensinados por professores brasileiros durante doze anos, indica que eles são anormalmente inteligentes e esforçados. Sei que não parece, de ouvi-los falar, mas é como ver um homem que não faz exercício nenhum e que só come acelga ser capaz de levantar um peso de dois quilos na terceira ou quarta tentativa: você começa a suspeitar que ele tem o material genético de um Schwarzenegger.

Estou sendo injusto com professores brasileiros, que todos sabemos que recebem mal, têm que enfrentar uma burocracia grotesca e malévola e, a julgar pelos vídeos que aparecem sempre nas redes sociais, vivem recebendo tapas de alunos e de mães de alunos? Talvez. Obviamente um professor brasileiro sofre a desvantagem de ser brasileiro, mas antes disso sofre a desvantagem de ser professor; há um problema intelectual de professores de modo geral. Como escreveu o filósofo (e professor) Eric Voegelin em seu “Reflexões Autobiográficas”:

 

“Cleanth Brooks (…) contou-me que precisava preparar um capítulo sobre erros comuns para um manual de estilo (…) e que encontrar esses erros comuns era uma tarefa muito difícil. Fiquei um pouco surpreso e, inocente, disse: ‘Bem, é muito fácil encontrar erros típicos. Basta pegar qualquer livro de educação e você encontrará uma meia dúzia por página.’ Então ele me explicou que não podia aplicar esse método, pois os pedagogos estavam muito abaixo da média em termos de alfabetização, o que impedia que seus erros fossem considerados típicos do anglofalante médio. Em vez disso, estava usando manuais de sociologia, e às vezes precisava ler vinte páginas para extrair um exemplo realmente significativo. E mesmo assim lamentava, porque o inglês escrito pelos cientistas sociais não podia ser considerado típico; estava abaixo da média, ainda que não tanto quanto o dos pedagogos.” (Tradução de Maria Inês de Carvalho.)

 

Reza a lógica, e todos os nossos sentidos, que se uma categoria é intelectualmente defeituosa nos Estados Unidos, ela deve ser ainda mais intelectualmente defeituosa no Brasil. Que tragédia, em todo caso, só termos professores para ensinar nossos alunos. Se eles pudessem ser ensinados por alunos ainda mais novos que eles, mas de nações menos obtusas! Se pudéssemos criar um programa de intercâmbio de estudantes, que trouxesse escolares bem jovens do Japão ou da Índia, para que eles, a pretexto de trocarem experiências e vivências com alunos brasileiros mais velhos, não trocassem nada mas na verdade ensinassem um pouco de matemática, biologia, história e assim por diante… Será completamente impossível?

Mas enfim, quem sou eu para falar mal do intelecto dos professores brasileiros? Por pior que ele seja, ainda está claramente acima do intelecto de duas categorias das quais faço parte — jornalistas e escritores brasileiros. De modo que sim, não sou ninguém. Curvo-me numa bola abjeta de humildade.

 

Alexandre Soares Silva é escritor

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  1. Em todas as eleições vemos políticos prometendo bons salários para os professores, maiores investimentos em pesquisas etc. O que acontece? nada! Mas eu posso comparar os professores com os policiais num quesito. Ganham pouco e tem que suportar as injustiças. Se bater é preso. Se prender pode ser afastado, se deixar o cidadão sem segurança então é incompetente. São preparados? Tem as ferramentas necessárias para lidar com seus problemas e desafios? Muitas categorias vivem esse drama no Brasil.

  2. Do Brasil já seria de esperar. Curioso é que os resultados vieram maus em um enorme número de países ocidentais. É na educação que se perde a guerra econômica do futuro e esses modelos facilitistas causarão dano às vidas desses mesmos que se dizem interessados em proteger.

  3. Sempre vamos muito mal no exame PISA, ficamos sempre entre os últimos países. Algo deveria ser feito. Algo deveria bater na consciência das nossas otoridades (sic); qual o quê, continuamos sempre da mesma enfadonha e medíocre maneira.

  4. Os professores brasileiros são heróis, sr. Alexandre, que o senhor devia respeitar, não fazer estas comparações injustas e ridículas. Nossos professores trabalham em condições difíceis, ganham pessimamente e como você mesmo escreveu, correm até risco de vida para cumprir a sua tarefa. Respeito senhor escritor!

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