ReproduçãoO ministro da Justiça recebe homenagem da Defesa: ninguém nega que a escolha é arriscada

Indicação de Flávio Dino reforça características políticas do STF

Objetivo é reforçar o combate ao bolsonarismo e consolidar o Poder Judiciário como protagonista de políticas públicas.
30.11.23

Uma técnica fundamental de análise é se colocar na pele dos atores do jogo. O que eu buscaria se fosse ele? O que temeria? Com quem me aliaria? Com respostas estimadas, é possível visualizar, mesmo com limites, o universo estratégico do outro, suas possibilidades de escolha. A partir dessa premissa, vislumbra-se como a indicação do ministro da Justiça Flávio Dino ao STF está ligada ao objetivo de reforçar o combate ao bolsonarismo, principal agenda que une Lula e os ministros do STF, além de reforçar o poder Judiciário como protagonista de políticas públicas.

Primeiro o contexto. No último dia 23, quando o Senado aprovou a PEC que limita o poder discricionário dos ministros do STF, um voto em especial chocou a corte. De forma desastrada, Jaques Wagner (PT/BA) anunciou seu apoio à PEC, dizendo que aquele era um problema entre o Legislativo e o Judiciário.

Assumindo o ponto de vista dos ministros, que se atribuem a responsabilidade direta pela eleição de Lula, aguentando forte pressão do ex-presidente Jair Bolsonaro, inclusive com muitos deles se sentindo ameaçados fisicamente, o posicionamento traiu não apenas um histórico de serviços prestados como também comprometeu a conclusão do trabalho de sepultamento do bolsonarismo como movimento.

A ação do governo, materializada no voto de Wagner, levou Lula a trair o único parceiro que não poderia ter traído. Pouco importa aqui o mérito da PEC, mas o que ela significou: uma ação do Legislativo de contenção do Judiciário, legal e legítima, apoiada por boa parte da imprensa não bolsonarista, e com potencial de reanimar apoiadores bolsonaristas recolhidos desde janeiro.

Agora, o objetivo. Ninguém nega que a indicação de Flávio Dino é arriscada. Ele é controverso, sua sabatina criará um palco para a oposição aparecer em rede nacional e, não é impossível, pode estimular manifestações contrárias à sua nomeação. Além disso, o Congresso, entulhado por uma pauta econômica pesada, cheia de vetos acumulados, MPs por expirar e pautas arrecadatórias desidratadas, tende a parar para acompanhar o evento. O que explica?

Uma parte da resposta, como já foi possível adivinhar, foi a cobrança do STF, que exige reparação pelo fato de os senadores, com apoio do governo, terem cutucado a onça com vara curta. A outra parte é exatamente a relação de Dino com essa agenda, que vem desde sua atuação no 8 de janeiro. Ali ele se cacifou para cerrar fileira com a turma de choque do STF e continuar contra o bolsonarismo.

A indicação de Dino, ao contrário da nomeação de Cristiano Zanin, que ganhou a cadeira como recompensa pessoal, tem uma missão específica, isto é, fortalecer um tipo de pensamento no STF que tem relação com a “defesa ativa da democracia”, tese em voga na Corte, na qual é preciso um comportamento vigilante para, se for o caso, defender a democracia até mesmo da democracia, neutralizando o que a Corte considerar uma ameaça mesmo que tenha amparo popular. Além disso, observando a agenda de votações da Corte, como marco temporal, índice de ajuste de correção do FGTS, legalização do porte e consumo de drogas, legalização do aborto, há um reconhecimento do papel do Judiciário não mais restrito à solução de conflitos, mas como um agente importante de implementação de políticas públicas, inclusive concorrendo com o Congresso em várias oportunidades.

Nesse sentido, a indicação tem propósitos sistêmicos. Lula tem um objetivo claro, compartilhado com os líderes do Judiciário, de fortalecer uma percepção institucional da corte como poder moderador e consolidá-la como um ator de empuxo de políticas públicas, numa ampliação significativa e crescente das suas competências. Nesta semana, quando Dino foi ao Senado para uma primeira conversa com os parlamentares, disse à imprensa que a fase da política passou. Uma vez vestida a toga, um juiz neutro tomaria assento. O desenho, no entanto, sugere o oposto. O risco é proporcional ao objetivo de consolidar um papel institucional e tornar o STF um ator cada vez mais político.
 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. Não são "características políticas", são ""características indecentes"" de uma legislação imoral para parte desse ambiente, que assegura aos marginais aboletados no executivo a manutenção da propriedade de uma coleção de ""julgadores de bolso"" igualmente indecentes para lhes garantir impunidade pelos seus crimes e lhes assegurar vantagens particulares eivadas de ilicitudes.

  2. Lula não dá trégua para o brasileiro. Em nenhum momento ele pensa em fazer algo sensato ou isento. É obcecado por malandragem.

  3. Na verdade é tudo uma tremenda sujeira que serve para blindar o Descondenado e o resto da camarilha, serve para apoiar eventuais desmandos do desgoverno. O fato de escolherem pessoas sem a devida qualificação técnica e de ética duvidosa mostra o nível do stf.

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