Divulgação UmbroFluminense lançou camisa para homenagear Cartola, com as cores da Mangueira

Vestindo futebol

Os uniformes estão na mira da alta costura, mas vão muito além do efêmero das passarelas; não saem de moda
10.11.23

O Fluminense lançou há algumas semanas uma terceira camisa em homenagem a Cartola, um de seus torcedores mais ilustres. Feito nas cores da escola de samba Mangueira, o uniforme estampa o manuscrito da canção Corra e Olhe o Céu. A Umbro, fabricante da camisa do recém-campeão da Copa Libertadores de América, também é responsável pelo Sport Fino, terceiro uniforme do Sport Club do Recife confeccionado em homenagem ao escritor Ariano Suassuna, outro torcedor ilustre. Além de emular a vestimenta do autor de O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, a camisa reproduz a frase “Felicidade é torcer pelo Sport”, do homenageado. As camisas são celebradas como sucessos comerciais, e a Umbro nem precisava ter ido tão longe na arte para consegui-lo. Bastaria o futebol.

A Adidas pôs na rua em setembro uma linha de roupas “extracampo” para Arsenal, Bayern de Munique, Juventus, Manchester United e Real Madrid, seus maiores parceiros. São versões de passeio de seus uniformes. “Estamos vivendo um hype em torno de camisas de futebol e designs gerais influenciados pela cultura do futebol, tanto no streetwear quanto na moda”, disse à agência Reuters o diretor criativo global da Puma, Heiko Desens, outra marca que explora o nicho.

Para se ter uma ideia do que está acontecendo nesse mercado, o Crystal Palace, clube modesto da Premier League — se é que ainda é possível falar em modéstia na primeira divisão inglesa —, contratou um diretor criativo para tratar de sua próxima coleção de inverno. Liverpool e Newcastle devem fazer o mesmo movimento, espelhados no sucesso dos inexpressivos Venezia FC, de Veneza, e Kallithea, de Atenas, que passaram por rebrands e se tornaram fenômenos globais após lançar seus uniformes repaginados no ano passado.

Um outro exemplo eloquente: a Prada firmou uma parceria recentemente com a Adidas para lançar chuteiras. Elas custam 595 dólares (cerca de 2,9 mil reais). Restam poucos tamanhos no site da grife. E essa relação da alta costura com o esporte não é lá tão recente. “Desde o final do século 19, os trajes de esporte multiplicaram-se: em 1904, a casa Burberry apresentava um catálogo de 254 páginas consagrado quase inteiramente ao vestuário esportivo de confecção. No começo dos anos 1920, a Alta Costura lançou-se nesse espaço: em 1922, Patou faz uma primeira apresentação de trajes de esporte e de ar livre; em 1925, abre sua loja, Le Coin des Sports. O chique, então, será usar conjuntos esporte mesmo para passear na cidade e ir ao restaurante: o sportswear fez sua primeira aparição de ‘classe’”, conta Gilles Lipovetsky em O Império do Efêmero (Companhia de Bolso).

O interesse do mundo da moda se explica por alguns números. Segundo a Sports Brief, apenas o Manchester United, que não vai lá muito bem das pernas, mas tem uma história gloriosa, vendeu 3,22 milhões de camisas via Adidas no mundo inteiro ao longo de 2022. A Transparency Market Research Inc. estima em 12,13 bilhões de dólares o tamanho desse mercado em 2023 — até 2031, ele terá chegado a valer 20 bilhões de dólares.

O sucesso é tanto que se desenvolveu um mercado paralelo na Ásia. As “camisas tailandesas” custam um terço das originais e estão por todo o lugar. A febre do momento é o uniforme de Lionel Messi no Inter Miami, outro clube que vale muito menos futebolisticamente do que do ponto de vista do marketing. Há ainda o mercado vintage, de uniformes de época — principalmente a partir da década de 1990 —, e o de camisas retrô, que emulam uniformes históricos, como o do Napoli de Maradona ou da Holanda de Cruyff.

Lipovetsky diz que “a moda é menos signo das ambições de classes do que saída do mundo da tradição, é um desses espelhos onde se torna visível aquilo que faz nosso destino histórico mais singular: a negação do poder imemorial do passado tradicional, a febre moderna das novidades, a celebração do presente social”. Mas os uniformes de Beckenbauer, Pelé e Bergkamp são eternos, não saem de moda.

Os uniformes de cada temporada — de todas as temporadas — são eternos. Contam a história de determinado período, estejam associados às maiores vitórias ou derrotas, e seguem retornando. A marca d’água da CBF no tetracampeonato do Brasil, a jaqueta bicolor de Telê Santana no primeiro mundial de clubes do São Paulo, o Palmeiras mágico da Parmalat, as poucas listras do Flamengo de Zico, a camisa de David Beckham no United, que ressurgiu como fantasia no Halloween deste ano nos EUA.

Primeiro grande dispositivo a produzir social e regularmente a personalidade aparente, a moda estetizou e individualizou a vaidade humana, conseguiu fazer do superficial um instrumento de salvação, uma finalidade da existência”, diz Lipovetsky. Um instrumento de salvação, uma finalidade da existência. Eu diria o mesmo sobre o futebol.

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  1. Foi a beleza da sua camisa que me fez torcedor do Vasco. Impossível esquecer dos modelos da adidas de meados de 80, quando se estreia Romário no profissional, ou da Kappa de 97.

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