Queda de árvore e fios elétricos em São PauloQueda de árvores e fios elétricos em São Paulo: o interesse público não prevalece - Foto: Reprodução/X Enel

Enel, Aneel e Nunes, o trio das trevas

Para livrar o cidadão da inépcia do serviço público, o capitalismo inventou a privatização, mas esta não resistiu à volúpia de políticos e empresários
10.11.23

O serviço público sempre foi mal administrado pela casta funcional encarregada de tomar conta das repartições e das empresas estatais. Preguiça, malemolência, proteção corporativista, familiar ou partidária são apenas alguns dos males que, no passado, faziam das linhas telefônicas um investimento  quase inalcançáveis para os mais pobres, incapazes de bancar as altas contas cobradas pelos marajás. O chamado neocapitalismo foi convocado para resolver o problema: privatizar as firmas encarregadas da prestação desses serviços, levando em conta a necessidade de desempenho na gestão de negócios  gigantescos. Para evitar a influência maligna das castas que controlam os poderes republicanos recorreu-se à fórmula mágica das agências reguladoras, que passariam a fiscalizar as firmas privatizadas.

Tudo funcionaria como um mecanismo da refinada relojoaria suíça se não atravessasse cada conta um malefício próprio da gestão pública: a intromissão indevida e inevitável dos barões das negociatas impunes. A tal da democracia, tão decantada na campanha eleitoral presidencial de 2022 para desalojar os milicos indesejáveis da manipulação dos cordéis, não teve, não tem, não teria e não terá força para impor o interesse do cidadão comum, vulgo consumidor, ao negócio sujo em que se transformou a administração dos antigos serviços públicos, ora privatizados. As mazelas normais do nepotismo, do favoritismo e de outros crimes transformaram a aparente lâmpada de Aladim num pedaço enferrujado de metal imprestável.

São elas que explicam, mas não justificam, recentes agressões ao bolso furado do distinto público em campos de atuação diversos como plano de saúde e iluminação pública, entregues a grupos capitalistas cuja prioridade não se submete ao devido interesse da cidadania, mas ao nem sempre limpo jogo negocista, muito próxima da negociata. As agências de proteção ao consumidor têm agido nesta pátria do compadrio e da desonra como capatazes dos interesses mais sujos, do pior tipo de capitalismo bélico existente. As leis são preparadas, debatidas e aprovadas por agentes infernais do mais nefasto coronelismo, que torna a origem desse malefício uma espécie de jardim de infância das práticas negociais de hoje.

O Centrão comanda o Poder Legislativo e submete o Executivo a um jogo sujo de parcerias sórdidas. Artur Lira e Luiz da Silva acostumaram-se a esse toma lá da cá num sistema absurdo, cujo padroeiro é o humilde santo dos pobres e dos passarinhos, o monge Francisco de Assis, inspiração da lei do “é dando que se recebe”. Um exemplo claro disso é a revelação de aumentos insuportáveis de preços não observados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS). Negócios fechados após a implementação do Estatuto do Idoso, em 1º de janeiro de 2004, prevêem variações de preços em dez bandas etárias até os 59 anos. Na última faixa, o aumento não pode ser seis vezes maior que a do primeiro grupo etário, de até 18 anos. Por isso, quando o beneficiário completa 59, geralmente recebe um reajuste mais pesado. “As operadoras têm encontrado brechas para que, na última faixa, os clientes ainda possam encarar reajustes de 100% ou mais”, afirmou a advogada e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete.

Exemplo em campo absolutamente diverso é o do abandono com que a empresa italiana Enel tratou a interrupção de eletricidade na Grande São Paulo,  em conseqüência do vendaval que acompanhou a tempestade registrada na tarde de sexta-feira, 3 de novembro de 2023. Cinco dias após o toró, o presidente da prestadora de serviços, Max Lins, disse que a vegetação foi o “principal ofensor” da rede elétrica. Em entrevista coletiva na sede da empresa, ele afirmou que 95% das ocorrências de falta de luz registradas foram causadas por quedas de árvores. Segundo a empresa, cerca de mil árvores derrubadas no temporal atingiram a rede elétrica. Testemunha ocular das condições de trabalho da empresa italiana relatou o sucateamento do material necessário para impedir a catástrofe que é exposto a quem a visita. Nada ele disse, nada ninguém lhe perguntou.

Qualquer pessoa que circule pelas ruas da capital paulista testemunha as trevas nas quais elas estão imersas. Não é difícil flagrar a responsabilidade da patrulha que não a combate: o citado Max Lins, Sandoval Feitosa, diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cuja palavra ninguém ouviu, e o prefeito paulistano, Ricardo Nunes, incapaz de encontrar qualquer explicação para a óbvia deficiência na poda das árvores que apodrecem a céu aberto na capital. Esse trio compõe a patrulha das trevas, que apagou a luz de centenas de milhares de lares paulistanos sem encontrar nada de razoável para dizer, nem apontar que medidas pretende tomar para evitar a repetição inevitável quando o verão e novos temporais voltarem a atingir a maior cidade do País. Difícil explicar o que tronco podre de árvore tem a ver com rua às escuras.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

 

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  1. CARACA, ISSO SIM É UMA CERTÍSSIMA INTERPRETAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO. PARA MIM, ATÉ A POLÍCIA TINHA QUE SER PRIVATIZADA. TUDO QUE O GOVERNO POE A MÃO (DEPOIS POE NO BOLSO) DESANDA.

  2. Os comentaristas anteriores falaram (ou escreveram) é q o Lula/PT descaracterizou as Agências Reguladoras, criadas no governo FHC p serem administradas por pessoas idôneas, sem vínculos ideológicos e outros, com o governo de plantão, com Presidentes e funcionários concursados e planos de carreira para fiscalizar as empresas privatizadas. Lula avacalhou tudo p/ lotear os cargos e controle politico das Agências Reguladoras. Está tudo uma merda, do jeito q o PT gosta. C/ corrupção e incompetência!

  3. Privatizaram tudo mas colocaram quem fiscaliza, as AGÊNCIAS REGULADORAS, nas mãos dessa POLÍTICALHA CORRUPTA e CARCOMIDA. As empresas privadas, sempre foram e sempre serão, ávidas pelo lucro e que se exploda o CONSUMIDOR, assim cabe ao estado, leia-se AGÊNCIAS REGULADORAS, a obrigação de zelar e fiscalizar o cumprimento das regras. Criaram MONOPÓLIOS PRIVADOS e querem agora que tudo funcione. MONOPÓLIO é sempre ruim, seja ele PÚBLICO ou PRIVADO.

  4. Imagino quanto foi o prejuízo de cada morador e quem eles deverão recorrer para rever um mínimo de suas perdas. Pelo que já vi na TV um está jogando a bola para o outro. Prefeito, Aneel, Enel. Até a árvore deverá ser processada. Mas soluição memso é cada um por si e Deus por todos.

  5. E o pior está por acontecer... Um grupo de espertões e lobistas milionários de todos os poderes estão debatendo a Cartorização da Justiça, também chamada de "Desjudicialização". O cidadão ao invés de resolver a execução no purgatório, Justiça, vai ser transferido para o inferno, Cartório. Em nenhum país do mundo se transferiu as execuções e atribuições da Justiça para os Cartórios, mas a "Desjudicialização" à brasileira vai fazer isso em favor dos ricos donos de Cartórios com apoio dos poderes.

  6. Um detalhe. Quando acontece um desastre desse com Estatal, o prejuízo é nosso e nosso. Quando acontece com Empresa Privada, o prejuízo é nosso e dos acionistas da Empresa.

  7. A questão é que a pesada burocracia e a absurda carga tributária tornam tudo muito cartelizado, e sem possibilidade de concorrência real.

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