Atores atoraram essa semana

Qual é a única categoria de pessoas que a sociedade faz questão de pagar para que não falem nada da própria cabeça, e para que só falem o que alguém escreveu para eles num pedaço de papel?

Qual é essa categoria, Letícia Sabatella?

E por que você acha que isso acontece, José de Abreu?

Vocês acham que isso é por acaso? Não vejo a sociedade dando dinheiro para frentistas, dentistas, floricultores, cirurgiões plásticos, compositores de jingles, personal trainers, adestradores de leões e até mesmo DJs para que eles fiquem quietos e só falem o que está escrito num papel.

Talvez a sociedade devesse, quase com certeza talvez devesse, mas isso é outra discussão. Aparentemente, só há dinheiro suficiente para fazer isso com uma categoria de pessoas por enquanto, e obviamente é a categoria que inclui Mark Ruffalo, Meryl Streep, Ana de Armas, Emma Watson, Viola Davis, Dado Dolabella, Leandra Leal, Marieta Severo, Paulo Betti e outras pessoas conhecidas pelo mau hábito de falarem em voz alta o que não foi escrito antes pra eles num papel.

E por que selecionamos essa categoria? Não sei, é uma boa pergunta. Mas não será possível, talvez, que a sabedoria milenar da humanidade selecionou atores como a categoria que não deve nunca falar por conta própria porque, espertamente, nossos antepassados identificaram neles uma preguiça fora do normal para estudar o assunto que eles querem debater, adicionada a uma ignorância correspondente, a uma vaidade patológica que constrange as aves no céu e a um sentimentalismo possivelmente exacerbado por diversos remédios de tarja preta?

O mundo inteiro deveria pagar para que Letícia Sabatella nunca falasse nada, porque ela é tão bonita. Não sei vocês mas sempre levo um choque quando uma pessoa tão bonita diz algo que me parece torpe ou estúpido. É como se eu passasse por um jardim, assobiando inocentemente e sentindo a brisa, e uma camélia virasse pra mim e me dissesse:

“A maior parte dos civis israelenses mortos no ataque terrorista do Hamas em 7/10/23 foi abatida por soldados israelenses”

Há um choque. Um desagradável abalo quase metafísico. Fico achando que algum ventríloquo está escondido em algum lugar. Um ventríloquo maligno, feio como esses jornalistas de cinquenta anos que ficam fazendo lives a favor do Hamas. Porque isso não pode ter saído de uma flor, pode? E igualmente não pode ter sido dito por essa atriz que parece saída de um quadro acadêmico brasileiro do século XIX, retratando uma beleza brejeira lendo no alpendre da fazenda (chamado “Tardes da Fazenda” ou “Leituras de Sinhá”).

Isso foi o que na verdade La Sabatella publicou no stories do Instagram dela, mas o meu choque foi o mesmo. E também da Confederação Israelita do Brasil, que disse que “mensagens como essa de Sabatella são mentiras hediondas, dolorosas e ofensivas”; o que pela primeira vez me fez ficar do lado de uma confederação contra uma mulher bonita.

Pressionada, ela fez um vídeo chorando, e postou tuíte atrás de tuíte, terminando dizendo que “não apoia o Hammas” (sic). Mas era tarde demais. Pra mim Letícia Sabatella errando o nome do Hamas para demonstrar falta de intimidade foi um pouco como alguém fingindo errar o nome do amante (“Paulo Honírio? Juro por Deus que não conheço nenhum Paulo Honírio, Jorge!”)

Não levo esse choque, é evidente, quando José de Abreu fala alguma coisa torpe ou estúpida. Quem leva? Esta semana, em todo caso, ele só fez a mesma coisa que Letícia Sabatella. Mas nele combina. Quando ele diz isso, o Universo não parece ter saído dos eixos.

Termino contando, caso você não saiba, um dos acontecimentos políticos mais importantes desde a queda do muro de Berlim: esta semana Ana de Armas deixou de seguir Gal Gadot no Instagram.

Aparentemente Gal Gadot, que é israelense (Miss Israel 2004), ajudou a produzir um filme com imagens dos ataques terroristas do massacre do dia 7 de outubro. E isso deve ter chocado a atriz cubana Ana de Armas, por algum motivo que me é inconcebível, porque não consigo imaginar que alguém com traços tão redondos de coelho de desenho animado possa ser contra a veiculação das imagens daquele massacre. A beleza feminina me faz ser mau psicólogo, talvez.

O quê, você acha que estou sendo frívolo? É a briga política mais importante desde que Sartre e Camus brigaram por causa da guerra da Argélia. Fui dormir ontem pensando que esse poderia ser o estopim mais ridículo possível, e de alguma forma também o mais apropriado, para a Terceira Guerra Mundial.