Estudantes e pais na entrada de um local de prova do Enem, em novembro de 2023Na entrada do Enem: no primeiro ano do governo Lula 3, exame enviesado e ideológico - Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

A redação do Enem sob a ótica de uma liberal

A banca do vestibular espera que o aluno proponha uma intervenção estatal para ajudar as mulheres na dupla jornada, mas não posso concordar com isso
10.11.23

No último domingo, foi aplicada a primeira fase do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que conteve as matérias de linguagens, ciências humanas e redação. Neste primeiro ano do governo Lula 3, o exame veio manifestamente enviesado e ideológico, expondo a dura realidade da educação no Brasil. A redação trouxe o tema “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, um tema importante e que nos faz ter certeza sobre o tipo de solução que a banca espera dos alunos: leis estatais ineficientes de proteção à mulher.

Nesse sentido, o trabalho de cuidado seria todo o trabalho de assistência e apoio que a mulher tradicionalmente presta a outras pessoas, sejam elas filhos, pais, pessoas com deficiência e assim por diante com foco, também, no trabalho doméstico, que, por si só, tem a essência de cuidado do lar. A partir do tema, entende-se que esse trabalho é invisível e isso constitui um problema, demandando uma solução. Nesse ponto, o que eu sugiro nesse texto é uma reflexão sobre os aspectos desse trabalho de cuidado e sobre como podemos solucionar os eventuais problemas que podem surgir a partir dele.

O que o tema implicitamente propõe é que a mulher tem uma dupla jornada de trabalho: o trabalho de onde ela tira a sua renda e o trabalho de cuidado com a casa e a família. Assim, o resultado disso é uma mulher exausta, que não tem tempo para si mesma e está sempre colocando o cuidado de outrem à frente do seu autocuidado. Não precisa de muito para identificar que isso é a realidade de muitas mulheres: basta participar de uma roda de conversa de amigas, de mães, da igreja, do trabalho. Sempre terá uma mulher a iniciar um desabafo sobre a sua exaustão em tentar “conciliar tudo”.

Traçando um paralelo com a questão da desigualdade salarial entre homens e mulheres, é interessante analisarmos os estudos de Claudia Goldin, vencedora do prêmio Nobel de Economia 2023. Uma das conclusões que Goldin chegou é a de que as mulheres despendem mais tempo para a família, filhos especialmente ao engravidarem, momento em que precisam pausar a carreira e casa, o que faz retardarem as suas carreiras e seus turnos, consequentemente ganhando estatisticamente menos. Claro que isso é apenas a análise de um dos indicativos, de modo que a complexidade do tema exige a análise de diversos outros fatores. Mas nos comprova que, de fato, o trabalho de cuidado é muito concreto na vida da mulher, principalmente após o nascimento do primeiro filho.

O trabalho de cuidado, sem dúvidas, afeta as carreiras das mulheres. Mas como podemos endereçar esse problema, com tantos contextos familiares e sociais diferentes? Existem mulheres que podem ser amparadas não só no dever de cuidado, como também financeiramente pelo parceiro ou por familiares, o que pode amenizar essas consequências. Mas também existem mulheres que são mães solteiras, que possuem parceiros alcoólatras, que vivem sob baixa condição socioeconômica. Como essas mulheres podem ser amparadas? A banca do Enem espera que os jovens proponham uma intervenção estatal, mas eu não concordo que a mão coercitiva do Estado seja a resposta para isso.

Essa realidade, em primeiro lugar, acontece dentro da esfera privada e o melhor dos mundos é quando, dentro dessa esfera, os parceiros decidem entre si sobre a divisão de tarefas. Muitas mulheres decidem pausar a carreira para cumprir o papel de mãe, quando têm suporte financeiro para tanto, enquanto outras não têm essa escolha ou simplesmente optam por não abrir mão disso. Por outro lado, se observamos um padrão em mulheres exaustas por causa da dupla jornada, precisamos entender que a questão é cultural e precisa ser debatida. Assim, nenhuma lei estatal será tão suficiente quanto a educação familiar proveniente da cultura. Tarefas domésticas são resultado da manutenção das necessidades básicas do ser humano. Portanto, homens precisam ser igualmente estimulados e ensinados a ser proativos dentro de casa.

Outra solução que consigo enxergar e que já vem fazendo a diferença na vida das mulheres é a inovação do mercado e a modernização das relações de trabalho. Claudia Goldin concluiu que a invenção da pílula anticoncepcional teve papel fundamental no desenvolvimento das carreiras das mulheres, garantindo que elas pudessem focar em suas formações e especializações antes de decidir ter filhos. Os estudos de Goldin mostram que a parcela de mulheres na graduação aumentou de 10% em 1970 para para 36% em 1980. Além disso, ela também concluiu que o trabalho flexível é um bom remédio, de modo que ajuda a mulher a administrar o seu tempo melhor e estimula os homens a participarem mais ativamente no trabalho de cuidado.

O tema proposto no Enem é, de fato, extremamente complexo. A própria Cláudia Goldin acumula décadas de brilhantes estudos sobre os assuntos referentes ao gênero. Esses estudos são essenciais para entendermos as raízes dos problemas e encontrarmos soluções que, acima de tudo, exaltem a liberdade da mulher. E isso a esquerda faz muito mal. Por isso, me preocupa como será feita a correção de provas que que tragam soluções culturais e privadas, em vez de propor que o Estado aponte o seu dedo coercitivo para resolver problemas que é incapaz de resolver.

 

Letícia Barros é advogada, empreendedora e vice-presidente do LOLA Brasil.

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  1. Sem mais. Cabe ao estado regular e punir os infratores. Imiscuir-se demasiado no mercado de trabalho não resulta em algo positivo

  2. A esquerdalha fétida imagina que o Estado é provedor de tudo e querem que esse Estado seja cada vez maior aumentando as possibilidades de corrupção e submissão da sociedade. A questão deve ser resolvida com a repartição de tarefas entre o casal e também com os filhos em idade suficiente para ajudar nas tarefas.

  3. Talvez eu possa colaborar com a minha experiência de, como pãe, cujo casal de filhos sobrou pra mim, após a separação conjugal, em “Como criei filhos fortes e felizes”, em e-book na Amazon e em papel no Clube de Autores; é uma lição e tanto; claro que, para isso, inteligência, bom senso e praticidade são fundamentais; fiquem espertas, senhoras; vejam minhas dicas.

  4. Também acho que as mulheres deveriam botar os maridos e filhos folgados pra ajudarem em casa. Só que muitas vezes nem elas mesmas querem dividir. Acham que “eles não vão saber fazer nada direito”. Então aguentem, ora.

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