Verdades e versões sobre as greves do ABC
Dois fatos relevantes na história da queda da ditadura militar de 1964 no Brasil ocorreram no segundo semestre deste ano da pouca graça de 2023. O ex-advogado de Lula quando presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (hoje do ABC), Almir Pazzianotto Pinto, publicou em 31 de março um livro fundamental para relembrar e elucidar os movimentos dos operários da indústria automobilística na virada dos 70 para os 80 do século passado, Greve – Grevismo na Nova República, pela Editora Mizuno. No sábado, 28 de outubro, morreu em Torrinha no interior paulista o advogado e político Antônio Tito Costa, 63 dias antes de completar seu 101º aniversário. Almir, esbanjando lucidez hoje aos 86 anos, caipira como o falecido, tem muito a relembrar da atuação que tornou o ex-prefeito de São Bernardo um verdadeiro herói da democracia brasileira e da liberdade conquistada pelos operários das grandes montadoras de automóveis e outras indústrias no país.
O presidente da República também teria, se não lhe faltasse vontade, muito a celebrar pela presença dos dois personagens deste texto nos eventos que o tornaram presidente da República por três vezes e hoje o mais celebrado da História. Não se diga que o evento fatídico tivesse se ausentado do cotidiano presidencial. Ao contrário, o advogado foi citado em texto editado pelo chefe do Poder Executivo em suas redes sociais. Ali está escrito, registrado e gravado: “Tito Costa foi político, prefeito de São Bernardo do Campo, meu colega constituinte e um grande advogado e jurista. Atuou de forma democrática durante as greves do ABC nos anos 1970, em tempos difíceis e de muita pressão contra a organização dos trabalhadores. Convivemos e dialogamos muito naquela época e nas décadas seguintes na nossa São Bernardo do Campo. Meus sentimentos aos seus filhos, netos e amigos.” É possível até concluir que o filho de dona Lidu foi mais generoso dos que se referiram publicamente ao desaparecimento definitivo do histórico herói de nossa precária democracia.
É justo também registrar que os meios de comunicação foram mais parcimoniosos na reprodução dos feitos do líder do que o principal beneficiário deles. Mas isso não impede que a História seja desrespeitada não apenas para a recordação correta dos fatos, mas também de suas consequências. Em entrevista ao autor destas linhas, outra testemunha deste capítulo relevante da história da República e das lutas operárias chegou a afirmar que o redator ao qual o chefe do governo encomendou a corriqueira louvação post-mortem não tinha o devido conhecimento dos fatos para dar os destaques que o episódio comportava. Não, Lula, Tito Costa não foi apenas um “político” ou seu “colega constituinte”. Mas muito mais alguém que atuou de forma corajosa e democrática como prefeito do município onde ocorreram os conflitos entre grevistas e agentes repressores da ditadura militar que, à época, assolava o país. Testemunhas oculares e auditivas dos fatos de antanho, Almir e este repórter poderíamos, se consultados pelo apressado escriba da nota fria e pontual, esclarecer que na derrubada da ditadura protagonizada por Lula e seus liderados, Tito teve comportamento mais do que relevante, bravo e heroico. Pondo em risco o próprio mandato, para o qual foi eleito e depois reeleito, o especialista em direito eleitoral ora em tela cedeu várias vezes o paço em frente à sede da prefeitura para manifestações dos grevistas. Numa ocasião, teve o gabinete invadido pelos esbirros da polícia do regime autocrático em busca de líderes lá abrigados pelo chefe do Executivo municipal. A própria família Silva passou 20 dias no sítio de Torrinha, onde o herói deste texto viveu sua aposentadoria do foro e dos cargos públicos, fora do alcance do DOPS estadual e dos centros de tortura do nada glorioso Exército Nacional, à época campo de ação de torturadores a pretexto de travarem uma guerra suja.
Não foi o único. Carlos Alberto Libânio Cristo, o frei Beto, dominicano leigo, hospedou-se na casa de Lula com dona Marisa e os filhos, quando o chefe da família esteve preso. Convém destacar o papel de destaque de outro herói da democracia naquele mesmo cenário, o então bispo de Santo André, dom Cláudio Hummes, que morreu também em ostracismo no ano passado após longa enfermidade em São Paulo, de que foi arcebispo, ocasião em que chegou a ser cotado para figurar na eventualidade de ocupar o lugar ao qual foi elevado o argentino Bergoglio, atual papa Francisco. Dom Cláudio correu o grave risco de abrir a matriz de São Bernardo, sob sua jurisdição, para reuniões dos sindicalistas postos na ilegalidade pelos milicos e para a gestão do fundo da greve.
Pelas contas de Pazzianotto, no Nêumanne Entrevista no YouTube, a única greve que pôde cantar vitória foi a de 1978, decretada pelos operários da Scania e apoiada por Lula na presidência do sindicato. Mas ninguém negará que as derrotas dolorosas das grandes paralisações seguintes tiveram alta relevância no desgaste que levou o regime tecnocrático-militar ao desmanche.
Nada disso tira o mérito de Lula na liderança desse processo, que o levou à prisão e à intervenção na presidência em que se destacou para chegar ao êxito político das três gestões presidenciais. Um reconhecimento cabal da participação de Almir, Tito, Beto, dom Cláudio e outros até tornaria seu feito mais valioso.
José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor
Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.
O Nêumanne surtou. Só faltou dar beijo na boca do condenado.
O papel do lula foi ser um pelego safado a serviço do dops, que entregou os "companheiros" em troca de vantagens pessoais.
Faltou dizer se a história de luladrão inclui a de vender greves e suspensão delas. Se realmente vivia em contubérnio com os empresários e multinacionais
Ué, e o Dr. Ulysses desapareceu desse cenário? Virou poeira porque já faleceu? Tenha paciência, né?
Admirável seu conhecimento da história deste país. Parabéns, Nêumanne!
Meu sogro trabalhava por ali na a época e contava que coisas desabonadoras semelhantes ao que já foi verificado já eram modus operandi.