Foto: Reprodução/Instagram/Thaís BilenkyJosé Roberto de Toledo (à esq,), Thaís Bilenky e Fernando de Barros e Silva, os ex-apresentadores do Foro de Teresina

As carpideiras 2.0 e os surfistas de treta

02.11.23

Como as pessoas ficam emocionadas nas redes sociais, né? E não estou me referindo a tragédias reais, como as guerras em curso no Oriente Médio e na Ucrânia — nesse caso, o padrão dos habitantes das redes é sinalizar virtude e mostrar para a respectiva torcida (ou os financiadores) que está do lado certo. Estou falando de uma espécie de versão 2.0 das carpideiras, aquelas mulheres contratadas para chorar e se descabelar por um defunto que mal conheciam.

Pensei na comparação nesta semana, diante da repercussão do encerramento do Foro de Teresina, o podcast de política da revista Piauí. Aqui sou obrigado a fazer um disclaimer talvez longo, para que não me acusem de ser envejozo: conheço há muito tempo (e em geral admiro) os jornalistas que faziam o programa, inegavelmente um dos melhores do Brasil na sua categoria. E depois de começar o Latitude, nosso humilde podcast “para situar você no mundo”, pude ter a dimensão do trabalho duro que esse tipo de empreitada exige quando é feito profissionalmente. Você que acha que é só pôr meia dúzia de três ou quatro para conversar e apertar o botão da gravação: achou muito errado.

Também entendo perfeitamente a tristeza de qualquer fã quando a coisa que ele considera tão boa cumpre sua sina de não durar muito: isso vale para podcasts, programas de TV, bandas de rock e até para relações interpessoais. Ainda mais quando o fim é resultado de algum desentendimento interno, como parece ter sido o caso. Mas confesso que algumas das reações ao final do Foro nas redes me chocaram: vi pessoas dizendo que choraram “o dia inteiro” quando souberam da notícia, outras se perguntavam (aparentemente a sério) como viver depois do encerramento do podcast — e por aí foi, numa comoção que chegou facilmente aos trending topics do X, ex-Twitter. “Torcedores, calma!” Não é fim dos Beatles, não é morte do Ayrton Senna, os podcasters estão todos vivos e ainda são plenamente capazes de emplacar novos projetos, parem com esse drama todo.

Foi nesse ponto que me dei conta de que essas reações incrivelmente adultas têm menos a ver com os méritos do programa em si (que são muitos) e mais com o exercício da comoção como performance para as redes sociais. Assim como a indignação performática, ela rende likes — as carpideiras tradicionais recebiam dinheiro para prantear os mortos desconhecidos; as de hoje aceitam como moeda os coraçõezinhos no X, que podem eventualmente se converter em dinheiro —, produz engajamento, sinaliza com clareza a que tribo você pertence.

(Essa não é a única maneira de engajar, claro: assim como existem surfistas de trem, na internet há os surfistas de treta, que aproveitaram o ensejo para expor supostos podres da Piauí ou dos envolvidos no fim do podcast. E há a legião de indignados que promete cancelar a assinatura da revista, o que me faz pensar que, se todos fossem assinantes de verdade, a Piauí seria o New York Times.)

De novo: não estou diminuindo, muito menos negando, a tristeza sincera dos fãs do programa ou de qualquer outro produto cultural. Mas, como volta e meia me sinto assombrado pelo espírito de Nelson Rodrigues (sempre este homem fatal), todo esse drama — em muitos sentidos, inclusive no de encenação — me lembrou nosso maior dramaturgo dizendo que “a grande dor não se assoa”. Eu acrescentaria que a grande tristeza também não se tuíta, não se tiktokeia e não é instagramável; se faz tudo isso, está mais para performance que para qualquer outra coisa. Quando a comoção e a esmola são demais, os santos desconfiam.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Desta vez a competição pelo troféu ficou entre dois ministros do governo Lula. Quase dei o título a Fernando Haddad, que primeiro disse a uma repórter “querida, vai fazer o seu trabalho” — coisa que em outros tempos, antes do reino encantado de Sua Lulidade, seria chamada de misoginia — e depois se queixou de que a jornalista “fez uma pergunta muito dura”: ui, coitadinho. É isso que dá passar a vida inteira sendo alisado por repórteres, o político fica mal-acostumado mesmo. Mas Haddad perdeu essa no momento em que a gloriosa Anielle Franco (foto) chegou atropelando com a afirmação de que a expressão “buraco negro” é racista. Talvez seja a goiabice do ano, ou da década — nem sei o que dizer (na verdade sei, mas não convém publicar nesta revista de família que é a Crusoé).

 

Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

 

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  1. Eu sempre soube que o Einstein e o Steve Hawking eram racistas quando deduziram a existência do "buraco negro" (contém ironia). Caramba, quando a gente pensa que não pode piorar vem essa goiabice da ministra, parece até cortina de fumaça para tirar o foco de que o PT, o Lula (e todas as esquerdas em geral) são antissionistas, e o Haddad está nos corners, só parece.

  2. Gostava muito do Foro de Teresina, mas quando estava a grande jornalista Malú Gaspar. Depois se tornou um pamfletarismo petista.

  3. Sempre começo a leitura da Crusoé pelo Ruy e nunca me arrependo. É um preparo pro que o Bananão nosso de cada dia nos proporciona.

  4. Não tenho dúvidas que o Prêmio deva ser concedido à ilustre Ministra Anielle. Mulher de currículo invejável. Enfim estará sendo reconhecida pelos seus feitos, e não por ser irmã de alguém.

  5. Nas minhas redes sociais, nada, rigorosamente nada sobre Piauí ou Foro de Teresina. Rogério, repense as sua redes e seus amigos. Sempre é tempo!

  6. Matador, como sempre! Aliás, hoje, ao tentar acessar a Crusoé da semana, não entrou; senti uma espécie de Síndrome de abstinência (como senti com as saídas espontâneas do Mainardi e do Sabino), mas não me descabelei nem pensei em me jogar do meu oitavo andar, apenas tentei entrar em contato com a revista, que acabou entrando depois…e espero que continue com boa saúde!

    1. A mesma coisa tem acontecido com o meu acesso. A sua coluna não aparece na página da Crusoé. Tive que dar um Google e só assim encontrei a de novembro.

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