Leonardo Sá/Agência SenadoPlano Piloto e rodoviária: cidade continuará sendo única, porque ninguém quer copiá-la

Por que Brasília não é um sucesso urbanístico

Por mero desejo dos planejadores, a capital não pode gozar dos benefícios da verticalização
02.11.23

Supostamente um sonho de Dom Bosco, desenhada por Lúcio Costa, decorada por Niemeyer e idealizada por Juscelino, Brasília é linda. Não me levem a mal, eu amo Brasília e me considero a verdadeira candanga: uma nordestina (potiguar de origem) e que tive o privilégio de viver em Brasília por pouco mais de três anos. Assim como todos os demais candangos, saí do Nordeste para continuar a construção constante da capital federal. Meu sonho era vencer e expandir meus horizontes, que eram bastante limitados em uma das capitais de estado mais pobres do país.

Brasília, juntamente com cidades soviéticas e chinesas, é usada como exemplo de cidades planejadas que anularam a atuação dos mercados de forma quase que absoluta para elevar o bem-estar dos cidadãos. Não há como negar o privilégio de se viver no plano piloto da capital federal, ao mesmo tempo em que não se pode negar a inacessibilidade gerada pelos preços na área.

A sua excentricidade a torna linda, exótica, inimaginável. Não à toa, Brasília é detentora da maior área tombada do mundo e foi inscrita pela UNESCO na lista de bens do Patrimônio Mundial, em 1987. Porém, qualquer estudioso de urbanismo sabe como Brasília sempre é usada como sinônimo do que não se deve fazer.

A começar pelo lago Paranoá, Brasília é uma cidade inteiramente artificial — digna de protagonizar uma das fabulosas casas da Barbie. Não há como se negar a inacessibilidade brasiliense: seja pelo aspecto da mobilidade urbana, custo de vida ou custo de habitação.

Cidades sem mercados são o sonho de um planejador urbano, como disse Alain Bertaud em sua obra Ordem Sem Design. Apenas dessa maneira os planejadores podem fazer o design urbano mais futurístico, e então os mercados se adaptariam às pessoas e às cidades. Porém, essa ordem não segue os mecanismos ocultos que fazem as cidades espontaneamente funcionarem.

Brasília é o exemplo perfeito de uma cidade que, por mero desejo dos planejadores, não pode gozar dos benefícios da verticalização no plano piloto. Não à toa, quem mora ou já morou em Brasília conhece bem como funciona o sistema de preços na área: a despeito de qualquer melhoria, os preços sempre sobem de forma natural. Afinal, há aumento populacional e eterna demanda habitacional na capital do país, mas não há compasso com a oferta de forma paralela.

As regulamentações que impõem as formas de construção do Plano Piloto, tanto em termos de forma como de altura, contradizem totalmente as forças esperadas do mercado ao impedir novas construções nos locais de mais alta demanda. Assim, força-se o adensamento nas áreas satélites, fora dos limites urbanos, longe dos maiores polos empregadores da capital e de baixa densidade demográfica.

O bairro de Águas Claras, onde a verticalização é permitida, tem atraído uma população crescente e de demanda reprimida que não quer se limitar aos antigos edifícios do Plano e que não possui capital suficiente para morar em residências nos Lagos sul ou norte. Antes mesmo de haver essa migração dentro da cidade, parte da população já migrava para as áreas comerciais que inicialmente não haviam sido projetadas para abrigar residentes.

Por ser tratada como um grande museu à céu aberto, a cidade tem sim o seu valor cultural, sobretudo para os brasileiros. Certamente, essa foi a escolha política e urbanística dos planejadores por diversas razões. Porém, o modelo não foi copiado em nenhum outro lugar do mundo justamente por ser insustentável, ineficiente e inacessível.

É certo que o período histórico de construção de Brasília e as visões desenvolvimentistas de JK — com amplo objetivo de expandir o rodoviarismo brasileiro — influenciaram a dependência automobilística da cidade. Mesmo mais de 60 anos depois de sua fundação, a origem da cidade sustentada pela primazia do transporte individual faz de Brasília uma cidade pouco simpática a pedestres e ao transporte público em geral — seja metrô, seja ônibus.

Por exemplo, o Eixão Rodoviário — que vai da asa sul até a asa norte de Brasília — apesar de ter apenas treze quilômetros de extensão, se viajado de transporte público, leva quase duas horas de ponta a ponta. Caso seja viajado de carro, dura apenas vinte minutos. Se isso vale para a área mais central da cidade, se intensifica em regiões periféricas ou que, apesar de próximas, não possuem qualquer sistema de transporte público que facilite a locomoção.

Assim, tanto sob o ponto de vista da verticalização quanto da mobilidade urbana, Brasília é o exemplo perfeito de quando a lógica de regulações não desafiadas leva a ineficiências. A cidade, de fato, foi escolhida para ser um museu a céu aberto e não deve mudar o padrão, apesar de sua inacessibilidade. Morar no plano piloto traz qualidade de vida aos seus moradores e um requinte luxuoso aos visitantes da capital federal.

Brasília, é certo, será sempre única. Afinal, não há qualquer outro lugar no mundo disposto a copiar seus custos e ineficiências, a despeito da beleza inquestionável.

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  1. Porque é feia não produz nada, nem deveria existir, e é sustentada pela riqueza do resto da população, principalmente mais pobre.

    1. E a minha pergunta é : se não produz NADA, como pode crescer densamente? Hj é a terceira cidade mais populosa do Brasil, segundo o IBGE! O que essas pessoas que vão para BSB fazem? O que as atrai? Se espremer nas cidades satélites? Desculpem, mas não entendo.

  2. O argumento apresenta uma falha ao afirmar que "o modelo não foi copiado em lugar nenhum do mundo". No Brasil, a capital de Tocantins, Palmas segue um estrutura urbanística muito semelhante. Outra falha é não considerar o fator humano, pois uma série de políticos tomaram decisões que criaram problemas graves na estrutura da capital.

  3. Beleza inquestionável? Eu acho bem questionável a beleza do Plano Piloto... Sol de matar por tudo. Áreas vazias. Inexistência de calçada. Trânsito pesado ininterrupto.

  4. Acho que a colunista é muito jovem para se aventurar a escrever sobre Brasília, seja criticando ou elogiando pois tudo parece fora de lugar. Não é o plano culpado por não ser reproduzido, apesar de ser chamado de plano piloto; não por culpa de Lucio Costa ou dos idealizadores da nova capital, o problema é que a educação e cultura não evoluíram o suficiente e continuamos no mesmo atraso em que estávamos nos anos 50/60; não aproveitamos o embalo e repetimos as cidades medíocres.

  5. Só conheço o Aeroporto de Brasília e a história de sua construção. E, é nesse ponto que tenho que concordar que foi muito infeliz planejar uma cidade para funcionamento de curto prazo. É como quem trabalha com Moda. Cada criação tem tempo de vida curto, e não preza a estética e nem a ética. Só está baseada em delírios de um criador pouco preocupado com as consequências de seu trabalho.

  6. A proteção da Unesco dificulta a adequação de áreas dentro do próprio plano piloto, como a W3 sul e as casas das quadras 700, induzido ao baixo aproveitamento ou até abandono dessas areas

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