SGCOM/UFRJEm aula magna, ministro do STF disse platitudes sobre meio-ambiente ou desigualdade social para a plateia

Pacto de mediocridade 

Barroso, que preside um poder cuja remuneração média é de 63,9 mil reais por magistrado, sugeriu que devemos olhar mais para a desigualdade
02.11.23

No início do mês de outubro, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, decepcionou os alunos da Universidade de Direito da UFRJ ao ocupar sua aula magna não com os conhecimentos jurídicos acumulados em décadas de magistratura, mas com platitudes sobre temas como meio-ambiente ou desigualdade social.

Barroso, que preside um poder cuja remuneração média é de 63,9 mil reais por magistrado (o equivalente a 2 anos do salário médio no país), mencionou que devemos olhar mais para a desigualdade. Como exemplo, preferiu citar a manchete gerada pela Oxfam segundo a qual os seis mais ricos do país possuem patrimônio superior aos 100 milhões mais pobres.

De fato, segundo o Credit Suisse, responsável pelos dados usados pela Oxfam, os 100 milhões mais pobres possuem patrimônio negativo (dívidas maiores que ativos), o que significa dizer que o próprio Barroso é mais rico do que a metade mais pobre do país.

Detalhes técnicos e manchetes sensacionalistas à parte, o curioso é que pela mesma data, o Congresso Nacional discutia sobre a manutenção de um privilégio em meio a Reforma Tributária.

A manutenção da Zona Franca de Manaus, que garante 25 bilhões de reais anuais para gigantes como Coca-Cola e Ambev (a empresa que é propriedade de três dos seis citados por Barroso), está garantida, ainda que a reforma seja aprovada.

A reforma, diga-se, tornou-se um excelente resumo sobre os poderes no Brasil. Ao ler as manchetes, sabemos exatamente quem possui maior influência sobre o Congresso e, para espanto de ninguém, a população possui muito pouca, ou nenhuma influência.

Parlamentares vêm aprovando semana a semana a criação de novas exceções a regras. Chegamos ao absurdo de médicos e advogados pleitearem alíquotas menores. Sim, os médicos e advogados cuja remuneração vem, em boa parte sob a forma de dividendos (isentos de imposto de renda, portanto), querem garantir que seus serviços sejam considerados especiais.

E o motivo disso tudo, claro, está no fato de que costumamos ignorar o resumo do economista francês Frédéric Bastiat, que em seu livro A Lei dizia que em economia há “o que se vê e o que não se vê“.

Se toda exceção à reforma fosse tratada pelo que é (um aumento de impostos aos não isentos), a aprovação de tais exceções seria com toda certeza mais difícil.

Seja como for, a reforma tributária brasileira, que coloca o país junto à média global em termos de tributação, será aprovada. Finalmente, poderemos completar uma tarefa que outros tantos países fizeram nos anos 1960.

A reforma, ainda que mais furada que queijo suíço, representa um avanço.

Para voltar ao caso do ministro Barroso, tome como exemplo a remuneração média brasileira entre 1986 e 2017, calculada pelo Ipea, o Instituto Econômico de Pesquisa Aplicada.

Segundo o órgão, nestes 30 anos a renda média do setor privado caiu 4%, já a renda do Judiciário Federal subiu 90% (em ambos os casos, corrigido pela inflação do período).

Na prática, o primeiro (setor privado), paga o salário do segundo (setor público), e se sujeita às regras criadas por ele.

E tais regras, como se sabe, são confusas e improdutivas neste canto do mundo que chamamos de Brasil.

Um exemplo ainda mais óbvio? Temos 7 trilhões de reais em disputas no Judiciário envolvendo impostos. Isso equivale a 70% do PIB. São impostos que a Receita Federal cobra, mas de que o setor privado discorda. Na média da OCDE, esses números ficam em 1% do PIB.

São o Legislativo e o Judiciário competindo para ver quem cria mais insegurança.

Como se fosse pouco, o Executivo também está disposto a ajudar.

Além das ameaças tolas de revisão das reformas aprovadas nos últimos seis anos, como a reforma trabalhista (feita pelo ministro de alguns Trabalhos, Luiz Marinho), temos novos impostos e regras surgindo toda semana.

O Executivo está disposto a realizar um ajuste fiscal na base da arrecadação. De longe o pior dos dois cenários possíveis em resultados.

Segundo um estudo do FMI para o Brasil de 2015, um ajuste fiscal de 1% no PIB gera 2 resultados:

1. Se a opção for um corte de gastos na ordem de 1% do PIB, 3 anos após o corte o PIB será 0,1% maior.

2. Já se a opção for de um aumento de impostos de 1% do PIB, 3 anos após o aumento, o PIB será 1,9% menor.

O Executivo brasileiro, na figura de Fernando Haddad, escolheu a segunda opção.

O chefe do Executivo, porém, parece não ter tanta pressa. Segundo o presidente da República, não iremos cumprir a meta proposta pelo seu governo.

Teremos déficits fiscais maiores nos próximos anos. O resultado? Os juros dificilmente cairão. Continuaremos tendo déficits totais na ordem de 7,5% do PIB, ou algo como 700 bilhões de reais.

E para não dizer que por aqui só se vê o copo meio vazio, há dados positivos. O Brasil deve fechar o ano com um superávit comercial de 90 bilhões de reais. Em suma, estamos exportando mais, o que ajuda o dólar a ficar estável, diminuindo a pressão sobre a inflação.

Exportamos mais, pois o setor primário brasileiro vê sua produtividade crescer incríveis 3% ao ano. Agora, além do agro, cujo resultado deveria inspirar o país, temos também as exportações de petróleo.

Teremos uma nova chance de alinhar os astros, com uma enxurrada de dólares e com regras mais simples (não tanto quanto poderia ser, mas mais simples), em termos tributários.

E, a depender da boa vontade do Congresso, podemos ainda manter reformas como os marcos regulatórios.

Esses 3 fatores, a despeito da insistência no que deu errado em termos de políticas públicas, são a luz no fim do túnel para que o Brasil possa escapar do pacto de mediocridade existente no país.

Se eles serão suficientes, ainda é cedo para dizer. Mas para além de torcer, resta lutar para que os Três Poderes, se decidirem errar, saibam que o custo político disso é alto, e assim melhoramos os incentivos.

 

Felippe Hermes é jornalista

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Decisões populistas e erradas têm consequências desastrosas para o país. É por isso que a Coreia do Sul e alguns países da Ásia já superaram (e muito) o Brasil.

  2. Todo justiceiro social mequetrefe como o Barroso apenas se bate para acabar com o privilégio dos outros. Naqueles que garantem a sua bonança, que ninguém ouse tocar! Quanto ao Brasil e o otimismo presente nos últimos parágrafos: não se iluda, o Brasil vai fracassar, os 3 poderes se assegurarão disso, ao mesmo tempo que (e voltamos ao mesmo) asseguram os seus privilégios enquanto apontam os dedos aos dos outros.

  3. Só para os tolos (a maioria dos brasileiros) que um populista pode resolver a fome e diminuir as desigualdades. Enquanto este faz seus passeios, tira foto com rock stars, o STF manda e desmanda no Brasil.

  4. O ministro PerdeuManéNãoAmola devia se ater estritamente às atribuições de seu cargo no stf tomando como base fundamentalmente os preceitos constitucionais que de vez em quando ele se esquece.

Mais notícias
Assine agora
TOPO