Reprodução/Redes Sociais

O Hamas é woke? 

Um cientista político americano diz que a ideologia identitária explica por que muitos progressistas justificam ou aprovam crimes cometidos pelo grupo terrorista 
19.10.23

O jornalista de um site petista disse que, embora se possa discordar das “políticas e métodos” do Hamas, o grupo palestino cumpre um papel importante na luta contra o “Estado colonial de Israel” – e concluiu afirmando que não importa o pelo do gato, desde que ele cace ratos. A antropóloga da USP compartilhou uma charge celebrando o que ela julgava ser o fim iminente da “entidade sionista” (o futuro estado Palestino, profetizou ela, vai se estender do rio Jordão até o Mediterrâneo). Uma acadêmica da área de Relações Internacionais publicou a foto de uma brasileira assassinada pelo Hamas em Israel com um comentário sucinto: “Foi tarde”

Estes são apenas três exemplos das inúmeras manifestações de apoio que a incursão terrorista do Hamas em Israel recebeu nas redes sociais. Não falo de apoio hesitante e disfarçado, mas de celebração entusiasmada, de militantes sapateando sobre 1300 civis assassinados. Na visão de muitos intelectuais, políticos e acadêmicos, o pogrom do 7 de outubro justifica-se como um ato de resistência ao colonialismo sionista.

Não foi assim só no Brasil. Estudantes promoveram manifestações pró-Hamas em várias universidades americanas, muitas vezes com a participação de docentes. Uma seção do Black Lives Matter, o movimento social mais incensado dos últimos anos, lançou um cartaz em que os terroristas que entraram em Israel voando em parapentes aparecem como heróis. 

Este foi um fenômeno de um só campo ideológico. Diante da invasão da Ucrânia, os dois extremos se tocaram na ferradura da estupidez: Putin, com seu charme despótico, seduziu tanto reaças empedernidos quanto comunas nostálgicos. Mas quando os fanáticos do Hamas carregaram o corpo de uma jovem alemã em seu desfile triunfal, só vimos espectadores levantando para aplaudir no lado esquerdo da arquibancada.

Na semana passada, citei, de passagem, o cientista político Yascha Mounk, que registrou em sua conta no X (ex-Twitter) a hesitação de políticos, veículos de imprensa e instituições acadêmicas em chamar terrorismo de terrorismo. Pois nesta segunda-feira Mounk publicou, no site Persuasion, um excelente ensaio sobre o progressismo que silencia diante de crimes cometidos por terroristas islâmicos. Ou, pior, que apoia esses crimes. 

Mounk argumenta que os dogmas de uma nova ideologia esquerdista, que ele chama de “síntese identitária” (e que nós conhecemos pela palavra inglesa woke), impedem qualquer condenação moral do terrorismo quando ele é praticado por palestinos. Tal ideologia, diz ele, “insiste para que vejamos o mundo todo por categorias de identidade, como raça”. (Mounk acaba de lançar The Identity Trap, livro em que critica essas novas correntes progressistas. Ainda não li, mas está na minha lista.)    

Identidade racial não é um critério útil para entender a interminável disputa entre israelenses e palestinos. Em Israel, observa Mounk, não será fácil discernir diferenças fenotípicas (para falar como uma militante identitária de reality show) entre um árabe e um judeu mizhari (originário do Oriente Médio ou do norte da África). Mas o pensamento identitário encontra outras categorias rígidas para julgar a situação. Ficou estabelecido que os israelenses pertencem à categoria do opressor, e os palestinos, à categoria do oprimido. Como as “relações de poder” entre os dois grupos são tidas como imutáveis, um massacre de civis – crianças inclusive – cometido por um grupo palestino não pode ser entendido como opressão. Ao contrário, trata-se de resistência à opressão. 

A argumentação de Mounk tem mais nuances do que minha paráfrase permite entrever. Ele faz um exame muito acurado das insuficiências de conceitos como “racismo estrutural” e “privilégio branco”. A despeito desses méritos, seu argumento central não me convenceu inteiramente. Se não me equivoco, a percepção do palestino como um oprimido e o uso dessa categoria para justificar atos de terror já vigoravam em meios de esquerda no século passado, bem antes da ascensão da “síntese identitária”. Ao contrário do que Mounk diz já no título de seu artigo, o identitarismo não pode ser a “raiz profunda” do problema.

Mounk admite que pode haver um componente antissemita na adesão de tantos progressistas ao Hamas, mas diz que esses preconceitos atávicos são acessórios: a glorificação da violência islâmica encontra seu fundamento ideológico na idéia identitária. Tendo a ver as coisas em sentido oposto: é o antissemitismo subterrâneo da esquerda que levou o identitarismo a conceber o judeu (e não só o israelense) como uma espécie de suprassumo da branquidade privilegiada. Parte considerável da esquerda ainda abraça o clichê antissemita do judeu como o senhor oculto do capital financeiro.

Esses preconceitos ancestrais só não costumam ser expressos em voz alta. Mas então o Hamas realizou o maior o extermínio de judeus desde o Holocausto, e a canalhice mandou o decoro às favas para festejar os mortos nas redes sociais.

***

“Esta é uma guerra que Israel não escolheu, e o país tem todo o direito de se defender.”

Esta afirmação, perto do encerramento do ensaio de Mounk, deve levantar furor em certos meios de esquerda, ainda que o autor esclareça que isso não significa um salvo conduto para que as forças israelenses punam civis pelos crimes do Hamas. Curiosamente, Mounk ainda se considera um intelectual progressista – um dissidente que gostaria de ver a esquerda abandonar a estreiteza identitária em favor de um “universalismo moral” que “lamenta a morte de inocentes, seja qual for o grupo a que eles pertencem”.  

Gostaria de comentar ainda dois bons artigos que li sobre o futuro do conflito na Faixa de Gaza – de George Packer, na The Atlantic, e de Thomas Warrick, no The New York Times (reproduzido no Brasil pelo Estadão), ambos buscando paralelos na Guerra do Iraque. Mas já me estendi demais. 

Talvez eu ainda volte ao tema. A guerra promete ser longa, e teremos muitos mortos a lamentar. 

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  1. É impressionante como as ""cartilhinhas ideológicas"" simplificam convenientemente as questões fechadas. Elas fazem 1 ""recortinho"" de fatos, são incapazes de contextualizar e deturpam a realidade de acordo c/ suas conveniências. SIM #ATACAR#, ASSASSINAR, TORTURAR, DESTRUIR, ATERRORIZAR, PRATICAR SELVAGERIA, COMETER COVARDIAS, ● Ñ É QUESTÃO DE OPINIÃO ●: ● É CRIME ● E ● CRIME É QUESTÃO FECHADA ●!!!!!! E esses imbecilóides q Ñ entendem isso, c/ certeza estão tbém c/ a cara cheia de fenetilina...

    1. As ""cartilhinhas ideológicas"" cegam os gados, cegam todos os gados, que se transformam cegamente em massas de manobra. E tornam-se zumbís subservientes aos drogados de todas as drogas.

    2. ...exatamente como os terroristas facínoras drogados do hamas.

    3. ...exatamente como os terroristas facínoras drogados do hamas.

  2. Debater em termos racionais com esquerdistas é perda de tempo, eles ficam esperando alguma fala ou gesto para rotular o oponente de alguma das categorias que eles odeiam como brancos, direita, americanos ou machos. Ai o assunto principal fica em segundo plano e o debate muda pro identitarismo. São conjuntos de mentiras que esses tolos repetem ad nauseum.

  3. É do Marxismo. Como disse o fundador da Cheka, mais ou menos assim: destroi-se o inimigo de maneira cruel, não porque o inimigo é mal, mas para implantar o terror. Não existe lobo solitário em atentados chocantes, porque o bicho sempre faz parte de uma matilha. Atualmente os animais se reúnem online. O esquerdos ainda não estão se explodindo pelas causas.

  4. Passou da hora da psiquiatria e neurologia estudarem os danos que a crença cega na disputa oprimido vs opressor causa no cérebro e na psique do indivíduo. Não pode ser apenas canalhice e completa falta de moral, tem de ser doença também.

  5. Eu também gostaria de ver a esquerda abandonando a estreiteza. Acho que o autor citado se engana ao culpar o identitarismo, pois o gosto pela crueldade nesse grupo é muito antigo: basta lembrar das camisas estampadas com Che Guevara, a defesa do regime cubano e do soviético.

  6. O que nessa turma que apoia e festeja o terrorismo do hamas é o fascismo de esquerda que aflora sem devaneios. Progressismo é o cazzo, é primitivismo mesmo.

  7. É isso aí Jerônimo Teixeira. Cada vez sinto mais nojo dessa comunidade de intelectuais de esquerda (os das UF, nem se fala) e os artistas que ficam lá de longe apoiando um anão semianalfabeto, senil que carrega hordas de idiotas para pensar com o intestino. Em breve entrarei em depressão por ser branca, descendente de europeus e não ser pobre esfomeada.

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