ReproduçãoCasa em Kfar Aza, no sul de Israel

Lições de Camus e Berlin sobre terrorismo

Os ataques terroristas do Hamas e a lei do talião na resposta do inimigo israelense cessarão quando um Estado Palestino conviver com Israel
20.10.23

As primeiras vítimas do terrorismo do Hamas em Israel no sábado, 7, foram pacíficos espectadores de uma rave que tentaram se esconder em sanitários químicos. Nada é pior na vida do que a morte, qualquer morte e qualquer seja a idade de executados de forma fria ou quente, de costas ou de frente, vestidos ou seminus. Nada justifica o terrorismo. Enquanto a guerra fria entre comunistas e capitalistas era disputada na Coreia, que terminou com a divisão daquele país em dois, em Paris dois sobreviventes da invasão da França pela Alemanha nazista de Adolf Hitler travavam afogueado debate ideológico sobre uma novidade no Norte da África, o uso militar de atentados terroristas como arma de propaganda política ou disputa  territorial, que já havia acendido o estopim da Primeira Grande Guerra Mundial no assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em Sarajevo pelo terrorista sérvio Gavrilo Princip. Passados 119 anos, os palestinos inimigos de Israel praticaram a maior série de atentados terroristas da História. A resposta do país invadido foi imediata e brutal com bombardeios sobre locais, onde, segundo Israel, os invasores de seu território viviam ou escondiam armamentos.

Os pioneiros no uso militar do terrorismo com objetivos políticos foram os argelinos, que conquistariam nas armas a libertação do jugo colonial francês, já então desmoralizado pela invasão do secular inimigo fronteiriço, a Prússia, sob a tirania do primeiro-ministro nazista nascido na Áustria. Um debate filosófico de altíssimo nível se travou entre dois dos maiores pensadores da França: o parisiense Jean-Paul Sartre e o pied noir (pé negro em francês), branco nascido na colônia no Norte da África, Argélia, Albert Camus. Os dois contendores conquistaram o Prêmio Nobel da Literatura, que o primeiro recusou e o segundo recebeu. As aparências indicavam que Sartre seria sempre lembrado como filósofo e Camus como ficcionista, mercê de suas obras primas O Estrangeiro A Peste. O outro teve um cortejo fúnebre que lotaram as ruas da dita Cidade Luz. Camus nem tanto. Mas consequências funestas, como a explosão das Torres Gêmeas em Nova York e agora a guerra que teve o cessar-fogo negado pela maior potência militar, política e econômica do mundo, deram razão ao editorialista do jornal Combat. Enquanto os massacres de inocentes liderados pelo Al Qaeda e agora pelo Hamas mantêm o genial autor de Huis Clos nos altares ideológicos da esquerda, do em geral ele ocupa o topo do Olimpo da literatura por causa do primoroso texto de As Palavras.

Agora na presidência do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o governo brasileiro levou à votação uma decisão de imediato cessar fogo na área conflagrada. O documento, apoiado por 12 votos, foi derrubado pelos Estados Unidos. E serviu para mostrar que, ao contrário do que os partidos que controlam os cordéis da política brasileira imaginam, a ONU não tem poder sequer para decretar com um cessar fogo provisório para suspensão da monstruosa crise humanitária da população civil e desarmada pela ação do grupo armado que a governa. No entanto, o Brasil continua jogando o jogo hipócrita da diplomacia e fingindo que tem uma participação relevante no concerto das nações que realmente mandam na instituição. Ou seja, as maiores potências militares mundiais dispõem de arsenais nucleares e poder de veto no tal do conselho, no qual todos prestam atenção a ameaças, mas ninguém se dispõe a ouvir e muito menos a seguir pitacos alheios de parceiros desarmados, nosso caso específico. Os sequestros de bebês, mulheres e idosos, com acusação de algumas execuções entre os que não sobreviveram, reforçam a razão de quem não encontra justificativa alguma para ataques do tipo.

Israel orgulha-se do gênio militar de seu general Moshe Dayan, que repeliu o ataque surpreendente de Síria e Egito na guerra dos seis dias, seja pelo talento estratégico, seja pela visão cautelosa dos efeitos maléficos da ancestral lei do talião, citada no Velho Testamento, mas ausente de quaisquer jurisprudências no mundo civilizado, ao não exterminar o vencido exército egípcio em Gaza (lá mesmo) para preservar o futuro do gênero humano. Não se imagine também que os israelenses sejam inocentes históricos em ataques terroristas. É célebre o episódio em que o grande filósofo liberal e opositor do terrorismo Isaiah Berlin recusou-se a apertar a mão do então primeiro-ministro de Israel, Menachem Begin, planejador da explosão do Hotel King David em Jerusalém. Este resultou em 91 vítimas fatais, em 1946, na luta dos guerrilheiros israelitas contra a autoridade britânica que administrava a cidade sagrada dos hebreus.

Ante tais exemplos é razoável a advertência do professor Reginaldo Nasser, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em Nêumanne Entrevista no meu canal do YouTube. De acordo com sua análise, há uma saída para os recorrentes ataques terroristas de grupos radicais palestinos como o Hamas e a reação, que Berlin também reprovaria, de Benjamin Netanyahu de enfrentar o inimigo poltrão com a covardia do “dente por dente, olho por olho”. Paz duradoura só quando for, enfim, instalado em territórios ocupados por esses grupos armados, um Estado Palestino, a ser recebido no contexto diplomático internacional. A cegueira de ambos os lados só será curada com a institucionalização proposta sempre adiada.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. José!!! O tão desejado Estado Palestino ao lado de um Estado de Israel só poderá existir quando os palestinos aceitarem a existência de Israel. Enquanto o Irã continuar declarando que Israel deve ser varrido do mapa e armar terroristas mundo afora para essa finalidade, não haverá possibilidade de paz. Enquanto a lei do talião, você foi um pouco longe e bastante leviano. Se fosse lei do talião, precisaria invadir uma rave palestina e caçar os jovens desarmados, estuprar as moças. 1/2

  2. Qual estado palestino. Igual aos de seus irmãos no O. M.? E para viverem em qual paz? O romantismo utópico ocidental só vai causar mais problemas na região, e não seria a primeira vez.

  3. Confuso a relação das posições de Camus e Sartre com os ataques terroristas das Torres em 2001 e do Hamas agora.

  4. O grande entrave à um Estado Palestino é quem ficará com Jerusalem? Fora o ódio reinante nesta região. Chance zero á curto prazo, para desespero de inocentes.

  5. Na Alemanha, nunca houve primeiro-ministro. Há Chanceleres, Kanzler. No caso de Hitler, Reichskanzler, hoje em dia, Bundeskanzler

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