Planta da PetrobrasPlanta da Petrobras: empresa gera 15% de tudo que a União arrecada - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A magia e a contabilidade do governo

O país e o governo dependem cada vez mais de divisas vindas do petróleo e do agronegócio. No resto, não conseguimos aumentar nossa produtividade
19.10.23

“Quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las”. A frase do economista americano Thomas Sowell, um daqueles autores que você deveria ter vergonha caso não tenha lido ainda, é uma síntese quase perfeita da democracia, em especial em países subdesenvolvidos.

Some-se a ela outra ideia também de Sowell “A primeira lição da economia é a escassez: nunca há o suficiente de coisa nenhuma para satisfazer a todos que desejam possuí-la. A primeira lição da política é ignorar a primeira lição da economia” , e você está virtualmente pronto para entender a sinuca de bico em que o Brasil se encontra.

O atual governo assumiu o país em um clima de festa, prometendo “reconstrução” e “mudar tudo isso que está aí”. Na síntese do presidente durante a campanha, era garantir a “picanha e cervejinha”.

Sob o novo governo, o Teto de Gastos que impedia investimentos em saúde e educação seria derrubado. O PPI que explorava o consumidor e favorecia os acionistas da Petrobras (aqueles estrangeiros vilões que compraram ações da empresa em 2010, durante o governo Temer -2, ou FHC 4), seria derrubado.

Passados dez meses de governo, a conversa mudou. O governo anunciou que não conseguirá cumprir os mínimos constitucionais em saúde, o que obrigaria a aumentar os gastos (ou investimentos, na novilíngua contábil), em cerca de R$ 20 bilhões.

Também ficou evidente que o Preço de Paridade de Importação (PPI) e a Petrobras importam, e muito, para as contas públicas.

A estimativa do governo dá conta de que a queda no preço do petróleo irá reduzir em R$ 57 bilhões os impostos pagos pela Petrobras. Isto equivale a seis  vezes o que o governo espera arrecadar com o “imposto da Shein”, ou ainda, o total que se poderia arrecadar em impostos sobre dividendos (supondo que os ricos fossem trouxas e continuassem a operar como antes, aceitando o imposto sem reclamar).

A realidade é, sem surpresas, muito mais complexa do que a propaganda política.

Brincar com a Petrobras para agradar o eleitorado de classe média, como fez Dilma, pode custar muito caro ao governo.

E isso, claro, não apenas pela manipulação de preços, que custou aos acionistas da empresa cerca de R$ 100 bilhões, para ajudar a fraudar os índices de inflação.

Obrigar a Petrobras a comprar sondas e plataformas nacionais, mais caras e mais demoradas, para incentivar empreiteiras locais e “gerar empregos”, significa retardar a produção, levando consequentemente a uma menor arrecadação.

Em setembro deste ano, a Petrobras anunciou um novo recorde. A estatal produziu 4 milhões de barris de petróleo por dia. Numa regra de três, com o barril de petróleo cotado a R$ 474, significa dizer que a estatal teve receita de R$ 1,9 bilhão POR DIA em setembro, apenas com a produção de petróleo.

Esse valor expressivo é o que leva a estatal a pagar R$ 272 bilhões em impostos por ano, ou 15% de tudo que a União arrecada.

Como se vê, não há novos impostos ou mágica que compense intervir na Petrobras e voltarmos aos idos de 2014, quando a estatal era geradora de dividendos para partidos políticos e prejuízos à União.

Quanto ao Teto, o grande vilão, também restou evidente que a autorização para gastar significa muito pouco, ou quase nada, quando não há recursos para gastar.

Graças às reformas dos anos 90, o Brasil segue um caminho oposto ao da Argentina, e dos EUA, onde o Banco Central pode financiar o Tesouro. Por aqui, não há mágica de imprimir dinheiro e somar uns pontos a mais do PIB na dívida.

Com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2001, todo gasto do governo precisa ter origem de recursos bem definidos. E neste cenário de incertezas, os recursos fluem cada vez menos para os cofres públicos.

É importante destacar, entretanto, que o governo tem um trunfo: o PIB.

A economia brasileira deve encerrar o ano com crescimento de 2,7%, puxada pelo agro, cuja produtividade cresce 3% ao ano há quatro décadas.

Este feito deve levar a balança comercial brasileira a acumular um saldo positivo de 93 bilhões de dólares. Um grande feito para um país emergente, mas que esconde algo preocupante: o saldo recorde se deve em boa parte à queda nas importações.

Em janeiro, a previsão era de que o país importaria algo como 270 bilhões de dólares neste ano, contra 243 bilhões agora.

Independente do que dizem os adoradores das substituições de importações, que vivem no mercantilismo onde angariar saldos comerciais positivos é o mais importante, importação menor significa menor atividade econômica externa.

O saldo recorde possibilitado pela safra de grãos recorde ajuda o país a controlar seu câmbio, em um cenário de alta de juros nos EUA, favorecendo uma inflação mais contida (os preços cotados em dólar não dispararam por aqui com os juros recordes nos EUA puxando os dólares do mundo para lá).

O saldo recorde na balança comercial é mais um indicador de que as coisas não vão bem internamente.

Somando estes cenários acima descritos, vemos o tamanho do coelho que o governo terá de tirar da cartola:

A economia brasileira está com uma queda na taxa de investimentos. O país, e o governo, dependem cada vez mais de divisas vindas da produção de petróleo (um boom que irá durar, com sorte, uma ou duas décadas). E o PIB segue a tendência do agro, extremamente volátil.

O que se poderia então fazer para escapar dessa armadilha, antes que o cenário se inverta? Focar na produtividade, claro.

Se no início do ano mencionei por aqui que Lula teve “sorte” (isto é, os dados da economia ganharam impulso independente de suas ações), agora convém lembrar a outra parte da mensagem: sorte não dura para sempre.

Não quero aqui soar alarmista como um profeta do Apocalipse (até porque acredito estarmos bem longe disso). Prefiro cem vezes virar chacota por “prever” um cenário difícil hoje e daqui a um ou dois anos o Brasil estar a caminho de se tornar a Suíça da América Latina, do que acertar em cheio e ver o Brasil encarar mais uma década perdida.

Fato é que há poucos coelhos na cartola. Haddad dificilmente vai criar uma mágica relevante que faça com que a produtividade brasileira, que não cresce há quatro décadas, volte a crescer.

E o tempo para este grande truque segue se esgotando. Em 2031, o Brasil verá uma estagnação demográfica. Com menos pessoas trabalhando, a economia crescerá menos.

Ainda assim, temos um Ministro do Trabalho que atua antitrabalho, discutindo sobre como tornar mais difícil a vida de milhões de brasileiros que lutam para obter seu ganha pão com aplicativos, pois não pagam uma cota dos seus ganhos para a previdência.

Mas ainda que uma mágica não seja possível, que a realidade se imponha e se mostre mais complexa, precisamos insistir em solucionar nossos problemas.

Precisamos também garantir que o suposto mágico não seja um ilusionista, desviando o olhar da plateia enquanto realiza o truque fora da vista de todos.

Não é uma tarefa fácil, mas é a única forma de garantir que o país possa ter um futuro mais promissor. E isso deve começar exatamente agora, quando a situação ainda se beneficia de um boom do agro, ou do petróleo.

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  1. Problemas complexos que não terão soluções eficientes nas mãos dos ptralhas incompetentes que não produzem propostas mas têm o poder de implementar/vetar as que eventualmente sejam colocadas.

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