Logotipo da AncineAncine: processos extremamente burocráticos e demorados do começo ao fim - Foto: Divulgação

A burocratização das leis de incentivo

Por causa de desvios e escândalos, a mão do Estado terminou por pesar demais numa lei que foi criada para liberalizar a produção cultural
19.10.23

A Lei Rouanet foi criada com o objetivo de desestatizar o financiamento da cultura. O incentivo deixava de ser direto (como nos editais, em que o dinheiro passa do Estado para o proponente), e passava a ser indireto (através da isenção fiscal). E não só isso: a lei isenta o estado de decidir o que financiar. A princípio, qualquer projeto que estiver com os documentos e o orçamento corretos é aprovado. Cabe às empresas decidir o que vai efetivamente ser financiado.

É por isso que os petistas se opuseram à Lei Rouanet quando foi criada, e o governo Lula tentou de todas as formas mudá-la – sem sucesso.

Eles diziam que a Lei Rouanet era a privatização da cultura. Contra a lei, criaram uma série de editais durante os governos Lula e Dilma, em que podiam selecionar diretamente os projetos aprovados e até sugerir previamente o tema do projeto cultural (por exemplo, com um edital de filmes sobre arte popular nordestina).

O fato é que a Lei Rouanet se afirmou como o principal instrumento de fomento à cultura e, nos últimos anos, até mesmo aqueles que se opuseram à sua criação (a militância do PT e os artistas mais inclinados à esquerda), a tem defendido – inclusive por causa da oposição da militância bolsonarista nas redes sociais.

Dois anos depois da criada a Lei Rouanet, foi criada a Lei do Audiovisual, com o mesmo espírito. Ela é regulada pelo Ministério da Cultura, assim como a Rouanet, mas tem a liberação de recursos realizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine). A lei permite que pessoas físicas e jurídicas patrocinem projetos audiovisuais aprovados. Pessoa Jurídica pode patrocinar com até 4% do que paga de IR e pessoa física, com 6%.

Na prática, tanto a Lei Rouanet como a Lei do Audiovisual não fomentam a cultura com dinheiro público, por isso o fomento é chamado de indireto – o dinheiro não passa pelo governo. É dinheiro que viria a ser público. Ele passa da conta da empresa patrocinadora para a conta da empresa produtora, ou da pessoa física para o propoente.

Entretanto, o dinheiro gasto nos projetos é fiscalizado pelo Estado. Antes mesmo de a Ancine liberar os recursos, o proponente precisa apresentar a análise complementar. Trata-se da análise detalhada do projeto técnico do filme, incluindo desenho de produção, observando seu orçamento. Segundo as normas atuais, a liberação fica condicionada ao seguinte requisito: comprovação de financiamento de no mínimo 80% do valor total do projeto. Não é um processo simples, é extremamente burocrático e demorado do começo ao fim.

A aprovação na Ancine por si só é demorada. Os projetos que estão sendo aprovados atualmente, em outubro de 2023, foram inscritos no final do ano passado. A Ancine tem demorado quase um ano para aprovar um projeto para captação. Mesmo aprovados, os projetos que têm mais de 80% dos recursos captados ainda vão ter que passar pela análise complementar, que demora dois ou três meses – ou seja, os projetos inscritos no final de 2022 só vão ser filmados em 2024, no mínimo.

A mão do Estado terminou por pesar demais numa lei que foi criada para liberalizar a produção cultural. É claro que todo o histórico de burocratização aconteceu em consequência de um processo marcado por desvios de dinheiro no cinema nacional, projetos que não prestaram contas, filmes que captaram recursos e ficaram incompletos etc. O problema é que as leis de incentivo, com o passar do tempo, perderam sua função originária e se tornaram tão burocráticas quanto o Estado que as administra.

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