Foto: Adam Schultz/ The White House via FlickrJoe Biden durante visita a Israel, em julho de 2022: apoio "sólido como uma rocha"

Mais um enrosco para a Casa Branca

13.10.23

Ao planejar o maior ataque terrorista da história de Israel, o Hamas escolheu cuidadosamente a data. A invasão do sábado, 7 de outubro, ocorreu um dia após os 50 anos do início da Guerra do Yom Kippur, em 1973. Nesse conflito, o último lançado por países árabes contra Israel, o país foi pego desprevenido, da mesma maneira como ocorreu esta semana. Outra semelhança é que a invasão se deu durante um feriado religioso, pois os judeus estavam celebrando o Alegria da Torá, que marca o fim da leitura do livro sagrado. Mas há ainda outra similaridade, que o Hamas não previu. Na Guerra do Yom Kippur, os Estados Unidos deram apoio irrestrito a Israel, garantindo a vitória do país naquele confronto e estabelecendo uma parceria que se estenderia pelas décadas seguintes. Meio século depois, esses laços entre americanos e israelenses foram renovados, o que terá implicações para o resto do mundo.

Naquele conflito em 1973, Egito e Síria iniciaram, com apoio da União Soviética, uma invasão para reconquistar territórios que esses países tinham perdido na Guerra dos Seis Dias, de 1967. Rapidamente, o presidente americano Richard Nixon estabeleceu uma ponte aérea para enviar mantimentos e munições para os israelenses acuados. “Mandem tudo o que puder voar”, disse Nixon naquela época. Foi a maior ponte aérea militar da história, superior até à que abasteceu Berlim após a Segunda Guerra Mundial. Com os suprimentos americanos, os israelenses contra-atacaram, vencendo a guerra três semanas depois.

Desta vez, o presidente americano Joe Biden publicou um tuíte no sábado, 7, dia do ataque, declarando solidariedade a Israel. Nos dias seguintes, ele disse que o apoio seria “incondicional” e “sólido como uma rocha”. Na terça, em um discurso de dez minutos, Biden declarou como isso aconteceria. “Estamos aumentando a assistência militar, incluindo munições e interceptadores para reabastecer o Domo de Ferro”, disse o presidente americano. Washington também enviou à região um moderno porta-aviões de propulsão nuclear na terça-feira (10). Nos próximos dias, chegam um cruzador, quatro destroieres e caças para missões de vigilância na região.

A guerra em Israel, contudo, ocorre em um momento em que os Estados Unidos estão envolvidos em outra guerra, ainda que não de forma direta. O país tem sido o principal fornecedor de armas para a Ucrânia do presidente Volodymyr Zelensky contra a invasão russa, ordenada pelo presidente Vladimir Putin. Aliás, o russo tentou tirar uma casquinha da guerra em Israel, feliz com o fato de que a atenção do mundo se desviou dos seus tropeços na Ucrânia. “Penso que muitos concordarão comigo que este é um exemplo claro do fracasso da política dos Estados Unidos no Oriente Médio, que tentou monopolizar qualquer acordo (entre israelenses e palestinos)”, disse Putin nesta terça-feira, 10.

Do ponto de vista financeiro e militar, não há problemas para que os Estados Unidos se envolvam em mais um conflito no mundo. O envio de uma esquadra é muito mais um sinal para evitar futuras escaladas do conflito com o Hezbollah  (que atua no sul do Líbano e é outra ameaça existencial a Israel) e com o Irã, acusada de financiar o Hamas. Não haverá envolvimento de tropas americanas na guerra, como também não ocorreu nas duas intifadas e em outros conflitos na região.

Do ponto de vista político, o Congresso americano está fechado com Israel. No Partido Democrata, o presidente Joe Biden sabe que precisa contar com apoio da comunidade judaica para tentar a reeleição no ano que vem. “Biden quer ser candidato à reeleição e isso pode fazer toda a diferença pra ele. Ele precisa demonstrar para a comunidade internacional, e também para a comunidade doméstica, a sua força em combater o terrorismo, principalmente se apresentando do lado de Israel“, diz Christopher Mendonça, professor de Relações Internacionais do Ibmec, em Belo Horizonte. No Partido Republicano, o propósito é para proteger um aliado americano no Oriente Médio. “Para Israel, não vai faltar apoio, já que a direita americana quer ver mantida a hegemonia israelense na região”, diz Fabrício Pontin, professor da Universidade LaSalle, em Porto Alegre. Na quarta, 11, uma comitiva bipartidária americana esteve em Israel para demonstrar apoio.

A relação entre o governo americano e o de Benjamin Netanyahu, que estava estremecida, foi reatada. Este ano, o governo de Joe Biden mostrou irritação com os planos de Netanyahu e do Parlamento israelense, a Knesset, de limitar o poder da Suprema Corte local. À época, a Casa Branca mandou sinais de contrariedade e chamou o presidente de Israel, Isaac Herzog, para indicar sua insatisfação. As manifestações da Casa Branca foram até mais claras do que os comunicados em defesa da democracia brasileira emitidos durante o governo de Jair Bolsonaro.

Para os Estados Unidos, a principal dúvida é como ficará o apoio à Ucrânia. Há sinais de que a sociedade americana já não está tão disposta a ajudar Kiev por um longo tempo. “A causa ucraniana tem sido um ponto de pressão crescente para os republicanos da Câmara”, diz Pontin.

Outro fator que pode gerar mais incerteza em Washington é o comportamento futuro da China. O Partido Comunista Chinês pode entender que, uma vez que os americanos estão bastante ocupados com duas guerras, este é o melhor momento de invadir Taiwan. A batalha é considerada inevitável. A questão é mais “quando” irá ocorrer, e não “se“. Na imprensa de Taiwan, militares aposentados usaram a invasão de Israel para defender que a sua pequena nação deve se preparar para um ataque iminente. Até o momento, o primeiro-ministro chinês Xi Jinping foi diplomático ao se referir à guerra no Oriente Médio. Ele disse, primeiramente em um comunicado, que “todas as partes” devem agir com cautela. Também falou diante das câmeras que a China é amiga dos dois lados. A preocupação, contudo, não é como a China irá lidar na briga entre Israel e o Hamas, e sim se ficará tentada a travar a sua própria guerra. No ano passado, ao ser questionado se defenderia a ilha, Biden respondeu: “Sim, se de fato houver um ataque sem precedentes“.

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