Foto: Divulgação/Angel StudiosO ator Jim Caviezel em 'Som da Liberdade': filme não-de-esquerda

Seis verdades irreconciliáveis

Se qualquer filme não-de-esquerda pode render muito dinheiro, por que filmes assim não são feitos às dúzias? Este artigo desvenda o mistério
29.09.23

Vou dizer algumas verdades, para quebrar a rotina, talvez:

1) A maior parte das pessoas do mundo, se não são de direita nem conservadores, pelo menos não são de esquerda.

2) O Brasil não é diferente nisso; pelo contrário, tem uma maioria mais conservadora que, sei lá eu, a Suíça.

3) Excetuando-se algumas almas secas, as pessoas precisam de histórias e procuram histórias, seja sob a forma de filmes, ou de séries, romances, quadrinhos etc.

4) Atender à demanda por histórias desse público gigantesco de pessoas vagamente conservadoras (ou não-de-esquerda) seria gigantescamente lucrativo.

5) As grandes empresas, os grandes empresários e os executivos das grandes empresas que vendem filmes, séries, romances, quadrinhos etc. são descritos como capitalistas monstruosamente gananciosos, que colocam o lucro acima de tudo.

6) Atualmente a proporção de filmes, séries de tevê, romances, quadrinhos etc.  que não são estridentemente de esquerda é muito pequena.

Essas são as Seis Verdades Irreconciliáveis que desci da montanha para proclamar. Como elas podem ser verdadeiras, todas ao mesmo tempo? Ao final do artigo reconciliarei essas verdades.

Falo disso por causa de dois filmes recentes, ambos conservadores, ou não-de-esquerda, e ambos muito bem-sucedidos: Nefarious e Som da Liberdade (foto), que estreou este final de semana nos cinemas.

Filmes não-de-esquerda são um gênero de filme, como horror, comédia, filme de roubo, filme de doença terminal etc. Houve uma época em que quase todo filme era não-de-esquerda, mas nos últimos dez anos esse é um gênero que praticamente desapareceu. É capaz que de 2013 para cá tenham sido feitos mais filmes musicais que filmes não-de-esquerda. De vez em quando um amigo recomenda um filme para mim com as palavras “não sei como foi feito”, ou “não sei como deixaram passar”. Mas é algo bastante raro, e esses dois filmes furaram o bloqueio de alguma maneira.

Nefarious é um filme razoavelmente bem-feito de possessão demoníaca; tem lá os seus defeitos e não é muito sutil, digamos, com discursos e lições de moral ditas nas fuças do espectador. Se você concorda com as lições de moral, talvez goste, porque temos tão poucas chances de ouvir essas coisas no cinema; se não gosta, não vai ver dez minutos do filme, que é como eu me sinto vendo noventa por cento da programação atualmente na Netflix.

Som da Liberdade, sobre policiais que lutam contra pedofilia, confesso que só vi uns minutos. É um pouco pesado demais para mim. Honestamente, prefiro ver Cantando na Chuva pela oitava vez. Mas o ponto é que o filme é um sucesso de público e um fracasso de crítica. Tanto o Washington Post quanto a Bloomberg contrataram um pedófilo para fazer a crítica do filme (“ativista de pedofilia”, perdão). O Estado de S. Paulo relata um pouco enojado que, no Brasil, o filme lotou de policiais e evangélicos.

Como a esquerda decide defender tudo que os evangélicos odeiam, e os evangélicos parecem odiar a pedofilia, a esquerda, bom, não digo que ame a pedofilia, assim com todas as letras, mas parecem insinuar o tempo todo que detestar muito a pedofilia é um pouco brega, um pouco esquisito, um pouco declassé.

Um dos consolos dos anos e anos de derrota cultural que tivemos contra a esquerda é que, meio por acaso até, nós os não-de-esquerda os colocamos na posição grotesca de ter que parecer não se importarem muito com a pedofilia.

Compare a insistência com que a esquerda repete que “pedofilia é doença” e a indignação com que eles tratam casos de homens mais velhos que têm relacionamentos com mulheres de vinte, ou até de trinta. O esquerdista moderno é alguém que parece ficar mais indignado, pelo menos em termos de manifestação pública, com um homem de trinta que faz sexo com uma garota de vinte do que com um homem de trinta que faz sexo com uma garota de dez. É uma armadilha que eles criaram para si mesmos; não somos, nós não-de-esquerda, espertos o suficiente para ter criado essa armadilha para eles.

Esses dois filmes demonstram o que já era óbvio: qualquer filme não-de-esquerda pode render muito dinheiro. Imagine um filme brasileiro que fosse um Tropa de Elite desinibido, que não pedisse desculpas por existir e não se desdissesse numa continuação. Por que filmes assim não são feitos às dúzias?

Sobre as Seis Verdades Irreconciliáveis, é bastante claro que a número 5 não é factual. Ninguém no mundo inteiro se interessa por dinheiro acima de qualquer coisa. Não existe essa pessoa. A verdade óbvia é que todos preferem status a dinheiro. É óbvio até para um executivo de audiovisual brasileiro que filmes não-de-esquerda dariam dinheiro. E não digo que eles não querem dinheiro. Querem. Querer, querem. Mas eles querem status muito mais do que querem dinheiro, e a verdade é que status e dinheiro não são a mesma coisa.

Querem que os outros pensem bem deles, que os admirem, que os elogiem, que os convidem para festas, que não os achem uns direitistas desclassificados. E por isso rasgam dinheiro. É por isso que capitalistas malvados vêm rasgando dinheiro há décadas, e vão continuar rasgando dinheiro enquanto houver dinheiro para ser rasgado e status para ser galgado.

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  1. Adoro assistir filmes, principalmente aqueles baseados numa história real, e acabei assistindo ao "Som da Liberdade", e "tiro o chapéu" para esta turma que conta uma história como ninguém, e vale a pena acompanhar mais um caso em que o bem vence o mal.

  2. Concordo plenamente com você, Alexandre. E tenho que usar o momento para refletir por que eu continuo pagando a Netflix se não assisto mais nada lá. Confesso que tenho sempre a esperança que uma hora alguém vai dizer " Aquele filme que está na Netfix é imperdível!!"

  3. O filme é excelente, porém de fato pesadíssimo e tem que ter estômago de aço pra assistir. A questão que a esquerda se recusa a enxergar é que trata-de de história real. Tudo aquilo é fato. Não adianta espernear.

    1. Isto se deve a qualquer bebum é mais inteligente que você, que vomita seus instintos primitos - ativista de pedofilia...

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