Foto: Marcelo Regua/AmaerjRonaldo Alves de Andrade, o advogado que disse que Camilo Cristófaro estava sendo tão injustiçado quanto Eichmann

Loucademia de Direito

22.09.23

Muito tempo atrás, na época em que prestei vestibular para jornalismo (gigantescos répteis caminhavam sobre a Terra etc.), eu olhava para os meus colegas que tentavam entrar em faculdades de direito e — garotinho inocente, garotinho juvenil — pensava o seguinte: “Puxa, para ser advogado o Fulano vai ter que prestar vestibular e, lá na frente, o exame da OAB. Não deve ser fácil”. Como diz o clichê, a vida ensina: hoje acho que OAB é pouco. Está claro que faltam exames psicotécnico e toxicológico, além de um teste para saber se o candidato a exercer a nobre profissão da advocacia passa ileso pelo mata-burro.

Digo isso porque, neste país maravilhoso que é o Bananão, a semana que passou foi pródiga em craques que chutam com as quatro — ou certified malucos, ou as duas coisas juntas — exercendo o direito da maneira mais torta possível. O exemplo óbvio é o campeonato de vergonha alheia disputado no STF, com transmissão ao vivo pela TV Justiça, pelos advogados dos réus do 8 de janeiro. Pode haver algo mais vexatório que o sujeito que, na tribuna, confundiu “O Príncipe” com “O Pequeno Príncipe” e meteu um “os fins justificam os meios” no livro infantil de Antoine de Saint-Exupéry? (Pode, quando você descobre que o mesmo gênio da advocacia tem uma condenação em Votuporanga, SP, por literalmente bater na mãe. No Brasil, há sempre um alçapão no fundo do poço.)

O highlight da sessão foi “O Pequeno Princípe” de Maquiavel, mas houve outros grandes momentos, como a advogada que chorou no julgamento por ter sido “ignorada” pelo PGR e pelo ministro relator, Alexandre de Moraes. E também o desembargador aposentado Sebastião Coelho, que atuou como advogado de um dos acusados e disse “nestas bancadas aqui estão as pessoas mais odiadas deste país” na cara dos ministros do STF. OK, a torcida das redes sociais, ou pelo menos uma parte dela, se sentiu “de alma lavada”, e há uma discussão muito pertinente sobre o Supremo ser ou não o lugar correto para o julgamento (“este tribunal é ilegítimo”, disse também Coelho). Mas vamos convir que xingar os juízes do seu caso não é uma estratégia de defesa particularmente brilhante — a não ser que você, causídico, ache que lacrar é mais importante que absolver o seu cliente.

Porque parece ser disso que se trata: o que deveria ser um trabalho para defender o cliente, pelo qual os advogados geralmente são (muito bem) pagos, vira trampolim para o momento de glória do ás do direito embaixo dos holofotes. A hora do “agora eu se consagro!”, como diria o narrador esportivo Milton Leite.

Não consigo ver de outra maneira a, por assim dizer, atuação do advogado Ronaldo Alves de Andrade — outro desembargador aposentado, aliás — no que deveria ser a defesa do agora ex-vereador Camilo Cristófaro na Câmara de São Paulo. Cristófaro estava sendo acusado de racismo, e acabaria cassado pelos pares com 47 votos a favor, 5 abstenções e nenhum voto contra. Apesar disso, seu advogado achou ótima ideia compará-lo a um criminoso de guerra nazista, o “injustiçado” Adolf Eichmann. “O julgamento só poderia ser um: enforcamento de Adolf Eichmann. Não poderia haver julgamento imparcial, ele não estava sendo julgado por julgadores imparciais“, disse Andrade no plenário. Puxa vida, coitadinho do nazista. Quem precisa de acusação com uma defesa assim?

Esta é a hora de fazer aquele disclaimer: nada contra advogados, tenho até amigos que são. Mas o Brasil virou uma espécie de episódio interminável da série Loucademia de Direito, incluindo juízes e procuradores — e, como sempre digo, comédia deixa de ser engraçada se é você que está dentro dela levando a bigorna na cabeça, como o Coiote do Papa-Léguas. Mesmo levando em conta a secular tradição esculhambatória do Bananão, essa esculhambação não é legal (legal de bacana, não legal de lei). Só espero que os estudantes e operadores do direito não se empenhem tanto na disputa do Brasileirão do retardo — até porque é difícil bater os estudantes de medicina que acharam que pôr o pinto para fora e chacoalhar durante um jogo de vôlei feminino era uma ideia daora.

***

A GOIABICE DA SEMANA

O prêmio desta semana quase foi para a sensibilidade da equipe da ex-BBB Juliette anunciando a turnê “Ciclone” no Rio Grande do Sul, em que um ciclone matou pelo menos 49 pessoas não faz muito tempo — mas vá lá, é o nome do álbum que a cantora lançou antes da tragédia, e ela pediu desculpas. O troféu fica, portanto, com a imprensa governista, que é sempre ridícula (seja qual for o presidente), mas sempre se supera: uma de suas estrelas disse que o encontro entre Lula e Joe Biden (foto) serviu para o brasileiro “dar uma força ao democrata na batalha para derrotar Trump no ano que vem”. A reeleição está no papo para Biden: certeza que milhões de americanos vão votar influenciados por Mr. Squid.

 

Foto: Ricardo Stuckert / PR

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  1. Excelente artigo, como sempre. Acredito que uma pauta interessante seria o crescimento vertiginoso da Faculdades EAD. Existem até graduações superiores de Enfermagem. No caso aqui, os cursos de Direito entram na mesma esteira. Nada contra, mas a capacidade do MEC fiscalizar a qualidades desses cursos é reconhecidamente nula. Noutra esteira, os exames de ordem para os médicos apresentam notas ridículas abaixo de cinco. Mesmo assim a "carteirinha" é garantida. Os resultados estão aí.

  2. Maioria de votos pela descriminalização do aborto no Brasil, sem consulta protocolar ao prezado povo e pagador de impostos, sugere deficiente ou insuficiente qualidade da formação jurídica que ministros receberam nos bancos de Direito e Justiça em suas academias. Além de outras aleivosias mais….

  3. Divirjo de vc Roger apenas no caso do advogado Coelho. Considerando que os "juízes"já possuem veredito, e que o recurso irá para os mesmos..Jogar no ventilador parece ser a única alternativa mesmo

  4. Os advogados também mereceriam um reforço na matéria de redação e lógica, creio. A questão do caráter já fica ceio difícil demudar, daí cada um vai advogar pro seu grupo de preferência mesmo. Na própria imprensa vemos as matérias sendo tratadas conforme o interesse do patrocinador. E o cidadão que se defenda

  5. A turma do clube garantista do charuto está matando o nosso bananão. Fico pensando se isso é ruim no fim das contas. Será que nasce algo melhor depois?

  6. Nada mais me surpreende desde que ouvi o advogado de minha família dizer: "Não confie em nenhum advogado!".

  7. Essa Loucademia de Direito está causando uma enorme insegurança jurídica. Mas o jumento Descondenado declarar que motoboy usa fraldão por não ter banheiro disponível, é medalha de ouro na Goiabice da Semana.

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