Manoel Marques/Estadão ConteúdoSala do Cine Olido, em São Paulo: concorrência com streaming

Em defesa da cota de tela para filmes brasileiros

O Estado brasileiro tem que intervir para que as pessoas tenham a opção de assistir filmes brasileiros, um direito que nos tem sido negado
22.09.23

A cota de tela, lei que estabelece a obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais no circuito exibidor e na TV paga, voltou a ser discutida desde setembro de 2021, quando deixou de valer. Leis como essa costumam provocar reações mais extremadas em redes sociais, principalmente de setores liberais, que a veem apenas como protecionista, ou como se fosse tão-só uma tentativa de forçar o espectador a ver filmes brasileiros. Ainda mais porque a esquerda encampou o projeto: corre no Senado Federal uma lei do senador Randolfe Rodrigues que tem por objetivo renovar a cota de tela até 2043.

A ministra da Cultura Margareth Meneses escreveu um texto na Folha de S. Paulo em agosto dizendo que o setor cinematográfico brasileiro enfrenta a concorrência desleal de superproduções estrangeiras. “Existem diferentes mecanismos de proteção das indústrias nacionais ao redor do mundo e as cotas de tela são aplicadas em países como China, França e Coreia do Sul, além de outros locais de indústria audiovisual emergente, como Colômbia e Bolívia”, escreveu a ministra.

Já as associações de exibidores cinematográficos pensam diferente. Ainda em agosto eles escreveram uma nota bastante incisiva. A nota, encaminhada aos jornais, dizia: “(O projeto) pode ser uma pá de cal para os exibidores brasileiros, que ainda sofrem com os impactos da longa paralisação provocada pela pandemia do coronavírus (Covid-19). A proposta, segundo as principais entidades representativas do setor, pode provocar o fechamento de complexos cinematográficos que mantêm entre uma e três salas em pequenas e médias cidades do país, entre outros efeitos“.

E ainda disseram mais: “O Projeto de Lei desconsidera que os cinemas estão sofrendo com a falta de lançamentos, sejam nacionais ou internacionais, que tiveram as produções paralisadas durante a crise. Mesmo após a reabertura das salas, o setor ainda está com índice 35% inferior de lançamentos, níveis de público 40% abaixo do cenário pré-pandemia e administrando milhões em dívidas acumuladas no período, situação que tende a se agravar com a greve de roteiristas e atores de Hollywood, ainda sem solução.”

Com efeito, a proposta da cota de tela foi aprovada na Comissão de Educação e Cultura, porém sem as salas de cinema. Ficou apenas nas TVs pagas. O senador Humberto Costa argumentou que precisa de um entendimento setorizado sobre a questão do cinema, e que havia urgência e consenso no caso das TVs pagas.

As cotas de tela no cinema brasileiro existem desde 1932 e desde 2011 nas TVs pagas. Nos últimos anos, o cinema brasileiro perdeu mais de 90% do seu público, resultado da pandemia, da crise no setor e do fim da cota de tela. Para completar, existe uma crise nas atividades presenciais que afetam também outros setores – os concertos na Sala São Paulo, por exemplo, eram extremamente concorridos, hoje é possível comprar ingressos na hora. O cinema enfrenta também uma crise de identidade com os streamings – que fazem, não raro, um simulacro de cinema, imitando filmes de sucesso do passado.

Os streamings trouxeram também um outro tipo de crise: o de propriedade intelectual. No Brasil como em Hollywood reclama-se muito da atuação predatória dos streamings: eles compram filmes e séries inteiras, ou projetos de filmes e séries, e reservam para si o direito de nunca exibi-los, ou de nunca mais deixar que sejam exibidos em outro ambiente que não o deles próprios. O cineasta ou produtor, atraído por um dinheiro fixo para realizar ou terminar o seu projeto, pode entregar uma propriedade intelectual – que é parte da cultura brasileira – para um serviço de streaming e ficar à mercê das decisões desse grupo para ter sua obra exibida, o que é lamentável. Isso tem acontecido cada vez mais.

A cota de tela nos cinemas contribui para a independência do cinema brasileiro. A cota de tela nas TVs abertas e no streaming é importante pois garante que as empresas não vão só usufruir do mercado brasileiro sem promover a produção nacional. Já as cotas de tela nos cinemas garantem a independência do cinema brasileiro como produto rentável. Filmes brasileiros de grande sucesso comercial tiveram suas exibições interrompidas pela chegada de blockbusters cujo orçamento de marketing supera o orçamento de todo o cinema brasileiro do ano. Filmes que monopolizam as salas de cinema. Monopólio não é capitalismo. O Estado brasileiro tem que intervir para que as pessoas tenham a opção de assistir filmes brasileiros, um direito que nos tem sido negado. Nesse sentido, as cotas de tela para os cinemas são fundamentais.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista, escritor e fotógrafo

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  1. Desde 1932 e ainda nao deu resultado, mas agora vai! Péssima matéria, sem um um único argumento a favor dessa lei ridícula!!! Em nenhum momento o autor diz que o principal motivo do desinteresse é queda da qualidade das produçoes, inclusive as internacionais. Se o filme for bom será assistido por todos

  2. A questão é mais de qualidade dos filmes. Mesmo sem cota, tenho certeza que o documentário Elis e Tom - só tinha de ser com vc vai encher os cinemas.

  3. Texto horroroso. Gasta pouco mais de um parágrafo para defender o ponto de vista. Praticamente concluiu sem explicar.

  4. A economia é o melhor incentivo. Que o governo abra mão de alguns impostos dos pequenos produtores nacionais e de salas que se propuserem a passar filmes nacionais. Simples. Mas reduzir a sanha arrecadatória do PT é difícil.

  5. Chororô em causa própria. Produz-se filmes com baixíssima qualidade e a demanda é ínfima, forçar os exibidores é totalmente errado.

  6. É um artigo de causa própria: cineasta brasileiro defendendo subsídio para área em que atua. É interessante porque demonstra a mentalidade da classe produtiva brasileira onde todo mundo pede subsídio e intervenção do Estado brasileiro para defender sua própria área da concorrência.

  7. Cota de tela existe desde 1932 e falhou em criar produtores com independência financeira, sem rios de dinheiro do governo em projetos aprovados cheios de critérios subjetivos, e raramente ter retorno do investimento. Foi desligar a "super bem sucedida" (ironia) estatal Embrafilme que invés dos produtores nacionais andarem sozinhos, colapsaram. O modelo de produção cinematográfica nacional falhou e é necessário rediscutir tudo invés de requentar fórmula velha, e ferrar exibidores.

  8. Os serviços de streaming possibilitam que assistamos filmes e séries do mundo inteiro. Quando são bons , não importa que seja turco, alemão ou brasileiro, são avidamente assistidos no mundo inteiro. Sou contra a cota no cinema, o exibidor tem direito de exibir o que preferir. Não se pode obrigá-lo abrir a sala de exibição tendo tão poucos espectadores que não cobre as despesas.

  9. Permito-me discordar. O cinema nacional é de baixa qualidade e não vai melhorar nunca com a mão pesada do governo. Que se criem cinemas estatais então, já que é o caso... vocês verão salas cheias de filmes brasileiros e vazias de espectadores.

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