Ricardo StuckertHaddad com secretária do Tesouro americano, Janet Yellen

O ruim é inimigo do péssimo

Criou-se uma expectativa tão negativa lá atrás que o simples fato de ter um ministro que fala em responsabilidade fiscal já é um alívio
22.09.23

Nesta semana, os economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes escreveram um artigo do tipo “para cortar os pulsos”. Nele, há uma lista dos riscos fiscais aos quais o Brasil está submetido e da pouca força (ou vontade) que o governo tem demonstrado para minimizá-los.

Assim, vão-se empilhando sinais negativos sem, contudo, uma deterioração das perspectivas de mercado, fenômeno que precisa ser compreendido. Costuma-se dizer que São Paulo não entende Brasília, mas é o caso de se perguntar também se Brasília é capaz de entender São Paulo.

Bombas fiscais sempre vão existir. O Congresso Nacional tende, historicamente, a ter um comportamento mais perdulário do que o Planalto, até porque apenas o chefe do Executivo respondia administrativamente pela não observação de limites de gastos (esse item foi alterado pelo arcabouço fiscal). O que chama atenção desta vez é a ausência de poder de veto do governo em temas que têm sido aprovados com o apoio da base, como se fossem matérias consensuais.

Os mais chamativos são uma PEC do senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso, que federaliza milhares de funcionários públicos de ex-territórios, entre eles o seu estado político, Amapá, com um custo estimado para a União de 10 bilhões de reais, e uma carona dada pelo projeto de renovação da desoneração da folha de pagamento de setores econômicos para municípios brasileiros que aumentou a renúncia tributária de 9 bilhões de reais para mais de 18 bilhões de reais.

Tudo combinado com uma forte expansão de gastos ligada à agenda de “reconstrução do Estado”: aumento do Bolsa Família, aumento real do salário-mínimo, uma tímida atualização do imposto de renda para que pessoas com ganhos de até dois salários-mínimos não deixassem a condição de isentos e aumento para servidores do Executivo de 9%.

O governo ataca com uma forte agenda arrecadatória. Cerca de 20% da pauta prioritária é composta por medidas para melhorar a receita. Para alcançar o equilíbrio fiscal em 2024 seria preciso, segundo o economista Samuel Pessôa, um esforço adicional de 10% em um contexto de crescimento do PIB em torno de 3%.

Para contar com algum apoio social para um aumento extremamente pesado para um prazo tão curto, o ministro Fernando Haddad criou uma narrativa social, concentrando as medidas no chamado “andar de cima”. Sem entrar no mérito projetos, no entanto, deve-se ter em mente que estratos sociais privilegiados só assim o são porque possuem proteção política e, portanto, haverá resistência significativa. Sem falar no questionamento generalizado do efetivo potencial de arrecadação das medidas.

Coube ao relator do Orçamento, deputado Danilo Forte (União/CE), dizer que “o rei está nu”, alertando que é preciso mudar a meta fiscal para uma situação mais realista. Ele tem repetido constantemente que precisa “achar” mais R$ 160 bilhões – Samuel Pessôa afirma que o rombo real é de R$ 282 bi – e que despesas novas não param de aparecer. Enquanto isso, no Congresso, ninguém assume a responsabilidade pela aprovação do aumento de imposto. Diante disso, o que o mercado estaria esperando para entrar em “modo desespero”?

André Perfeito, um economista influente na Faria Lima, disse em um comunicado para os seus clientes que “não faz sentido algum um mercado, que sempre reclamou das questões fiscais, ficar agora fingindo que não vê os desafios na mesa da Fazenda. Todos nós sabemos que a agenda econômica deste segundo semestre é muito mais difícil que do início do ano. Uma hora voltamos ao ‘normal’”.

Se há um reconhecimento de que o otimismo demonstrado não corresponde à realidade e sabendo que o mercado tem à sua disposição toda informação que precisa para formar um bom juízo do caso, deve-se perguntar se a racionalidade econômica, característica desse tipo de ator, não se contamina por vezes com a racionalidade política.

Se for esse o caso, pode-se pensar em três hipóteses que não são necessariamente excludentes. A primeira é a de que o péssimo é inimigo do ruim, isto é, criou-se uma expectativa tão negativa lá atrás que o simples fato de ter um ministro que fala em responsabilidade fiscal já é um alívio. Curioso aí que pode haver um comportamento de torcida em favor de Haddad, considerando que, no caso de ele fracassar, o substituto poderia ser um heterodoxo da Unicamp, por exemplo.

A segunda, mais ingênua, seria uma crença do mercado de que, na hora “H”, o Congresso, estimulado pecuniariamente pelo Planalto, tirará um coelho da cartola e o problema do déficit será solucionado. Essa percepção remete à tradição brasileira de estar sempre à beira do abismo, mas nunca dar o passo que falta. Por último, há a frase de que no longo prazo “estaremos todos mortos”, do economista John Maynard Keynes. Ou seja, só existe o hoje e enquanto a irreversibilidade do buraco fiscal não estiver clara, vai-se ganhando dinheiro com o cenário “this is fine”… Lembrando que o mercado ganha em qualquer cenário.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

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  1. Adorei a chamada: "O Ruim é inimigo do Péssimo", que bem descreve o rumo que nosso rico país vem tseguindo nos ultimos 20 anos, pelo menos. A propósito, este Randolfe é da última mesmo, que sujeitinho bem picareta! Decepcionante.

  2. Sob a batuta do bando e tentáculos o destino do Brasil é a Venezuela ... O comuno-bolivarionismo destrói o país que à beira do caos ruma ao LIXO ... e o pior está por vir.

    1. Nada mais tolo que achar que bolsas esmolas que apenas minimizam a fomes dos manés nos levem a algum lugar e se levam é à alienação de uma nação faminta e ignorante ... se querem keynesianismo basta reeestruturar economicamente o país com foco na renda do trabalho tirando este galinheiro de 500 anos de semi-escravidão e que faria de nós um país forte, rico e indestrutível ... mas o povo sem opções escolheu o mal maior e isto terá preço no seu lombo .. haja cangalhas pros manés !!!

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