Cesar Greco/Palmeiras/by Canon

Admirável gramado novo

A grama sintética barateia os custos dos eventos esportivos, mas semeia desconfiança pelos campos
22.09.23

Os New York Jets ganharam apenas um Super Bowl, a glória máxima do futebol americano, em toda sua história. Foi em 1969, na terceira vez em que o título era decidido nos moldes de disputa adotados até hoje. Desde 2010, o time não consegue nem sequer disputar os playoffs da NFL. Tudo iria mudar nesta temporada, quando o clube contratou Aaron Rodgers, um dos quarterbacks referência da liga, que prometia devolver algum protagonismo aos Jets. Até a primeira campanha do jogo de estreia, quando Rodgers rompeu o tendão de Aquiles do pé esquerdo. Para o sindicato dos jogadores, a culpa é do gramado sintético.

Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero poesia, quero perigo real, quero liberdade, quero bondade. Eu quero o pecado”, diz o Selvagem John no Admirável Mundo Novo (Biblioteca Azul) de Aldous Huxley. Os jogadores da NFL também querem distância do mundo artificial descrito pelo escritor britânico em seu clássico distópico. Lloyd Howell, diretor-executivo da NFL Players Association (NFLPA), já deixou claro: “Mudar a grama artificial para uma natural de alta qualidade é a decisão mais fácil que a NFL poderia tomar. A esmagadora maioria dos jogadores prefere [a grama natural] e os dados deixam claro que a grama natural é simplesmente mais segura do que a artificial”.

Metade dos 30 estádios que sediam partidas da NFL contam atualmente com grama artificial. É mais fácil e mais barato lidar com o gramado sintético, principalmente quando o estádio também serve de palco para shows. Mas esse tipo de piso proporciona mais aderência dos calçados dos atletas no chão, o que é um convite às lesões. Do ponto de vista financeiro, portanto, pode ser que, pelo menos no que diz respeito à qualidade atual desses gramados, os times podem estar economizando por um lado e perdendo dinheiro por outro — perder a principal estrela do time para a temporada não vai enriquecer ninguém.

Desenvolveu-se a impressão de que a quantidade de rompimentos de ligamento aumentou nesse tipo de piso, inclusive no Brasil, onde times como Palmeiras, Athletico Paranaense e Botafogo adotaram a grama artificial. Os indicativos do futebol americano parecem mais elucidativos do que os do futebol. Os dados coletados entre 2012 e 2018 pela NFL indicam 28% mais chance de machucar as pernas em campos artificiais, alega a NFLPA. No caso dos joelhos, a probabilidade de lesão subiria para 32%, e seria 69% maior para pés e tornozelo. Mas esses dados são questionados ainda e não se estabeleceram como consenso.

No caso do futebol, as dúvidas são maiores. A revista científica The Lancet divulgou em abril uma meta-análise de 22 estudos considerados confiáveis sobre o assunto. “A incidência global de lesões no futebol é menor em gramado artificial do que na grama. Com base nessas conclusões, o risco de lesões não pode ser usado como argumento contra o gramado artificial quando se considera a superfície de jogo ideal para o futebol”, concluiu a pesquisa.

No que diz respeito ao futebol brasileiro, o jornalista Paulo Vinícius Coelho, PVC, contou ao menos 16 lesões de ligamento em gramados naturais nos últimos dois anos na Série A do Campeonato Brasileiro. Nos três artificiais, foram sete — uma média maior, de 2,3, contra 0,94 na comparação com os campos tradicionais. Mas esse é um dado sem muito valor, apenas para alimentar o debate em mesas de bar.

Enquanto não se chega a um veredicto sobre a qualidade dos gramados artificias — e até que a tecnologia avance o bastante para não assustar quem joga em cima deles —, reinará a dúvida de que há algo de errado na comodidade proporcionada pela tecnologia. “Tudo bem então, estou reivindicando o direito de ser infeliz”, diz o selvagem de Huxley, desafiando a sociedade da estabilidade da Londres de 2540.

John, o Selvagem, completa: “Sem mencionar o direito de envelhecer, ser feio e impotente; o direito de ter sífilis e câncer; o direito de ter muito pouco para comer; o direito de ser péssimo; o direito de viver em constante apreensão pelo que pode acontecer amanhã; o direito de contrair febre tifoide; o direito de ser torturado por dores indescritíveis de todo tipo”. Ou pelo menos o direito de se machucar pisando em um bom e velho buraco.

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  1. Para mim o perigo maior está acontecendo fora dos campos e não dentro. Lesões sempre acontecerão com jogadores. O problema são os lesionados nas brigas após um jogo qualquer. Cada vez mais comum haver brigas e badernas após um jogo de futebol. Até quando empatam os torcedores acham motivos para brigar. Até morte sai, coisa bem difícil de acontecer num campo com grama artificial.

  2. Isso até Flamengo e Corinthians colocarem grama artificial, aí vai morrer o assunto. Como se já não usassem há anos no futebol europeu.

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