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A economia brasileira e o dia da marmota 

Governo segue apostando que consumir mais irá deixar os brasileiros ricos, ignorando a necessidade de melhoria do ambiente de negócios
22.09.23

O feitiço do tempo, filme estrelado por Bill Murray e lançado no ano de 1993, tornou-se um clássico. No filme, Murray interpreta um repórter designado para cobrir “o dia da marmota” em uma cidadezinha do interior americano.

O plot, porém, está no fato de que Murray, ao acordar no dia seguinte, percebe que voltou no tempo, ou melhor, ao início do dia anterior. E isso se repete durante dias e dias, como uma maldição.

Neste canto de mundo chamado Brasil, essa é uma realidade quando o assunto é economia.

Vivemos em um eterno dia da marmota, com ciclos de altos e baixos, reformas e esforços por mudanças, que no entanto se mostram inócuos quando acordamos no dia seguinte.

Sim, somos hoje um país mais resiliente, com um agro cuja produtividade cresce 3% ao ano, o que em outras palavras significa dizer que em 24 anos a produção do agro com o mesmo espaço de terra terá dobrado. O mesmo, porém, não ocorre em serviços, onde produzimos a mesma riqueza média por trabalhador há 50 anos.

Nos últimos anos agregamos um diferencial em relação ao agro. Nos tornamos também um país com grande produção de petróleo, o que ajuda nossa balança comercial a ficar mais parruda. Isso, claro, para não falar do setor de minérios.

Em suma, somos um país que quebra rochas e ara a terra, mas de resto fazemos pouco bem, que dirá “muito bem“.

Isto não é, nem de longe, um demérito. Ao contrário, sermos mais produtivos em algo do que Estados Unidos e Europa deveria encher o brasileiro de orgulho. Mas também de uma dúvida sincera: por que não conseguimos replicar o mesmo em outras áreas?

O atual governo, que já alardeia um PIB acima de 3% em 2023, parece ter a resposta: crédito.

E assim, a FGV divulgou o PIB do segundo semestre deste ano, confirmando que o consumo das famílias cresceu 2,6%.

Em resumo, PIB é a riqueza que um país produz ao longo de um ano. Dentre as formas de averiguar qual foi essa riqueza, é possível somar o consumo do governo, das famílias e das empresas, além do nosso saldo na balança comercial.

Mas há um componente relevante nisso tudo, e que o indicador apontado pela FGV demonstra estar com problemas: o investimento.

Nossa taxa de investimentos caiu 3,2% no segundo trimestre.

Em resumo: estamos consumindo mais, mas investindo menos. Isso só é possível pois há ainda uma capacidade ociosa na economia, o que não dura para sempre.

Se pretendemos crescer de verdade, é preciso investir.

E é aí que entra o risco de estarmos vivendo um dia da marmota.

Ao longo da história brasileira, há inúmeros casos de presidentes cujos mandatos foram centrados em reformas.

Os mais famosos, sem juízo de valor, são Campos Sales, Castelo Branco, Fernando Henrique e Temer/Bolsonaro.

Em comum, esses presidentes também podem dizer que foram sucedidos por governos menos reformistas, que focaram em ampliar os gastos.

Campos Salles foi sucedido por Rodrigues Alves, que além das contas em dia, deu a sorte de ver um boom de commodities como a borracha, que inundou os cofres públicos. Terminou conhecido pelas grandes obras na capital federal.

Castelo Branco foi sucedido por Costa e Silva, e este por Médici, que levaria ao “milagre econômico“, em suma: gasto público e endividamento em dólar para crescermos.

Fernando Henrique e Temer/Bolsonaro foram sucedidos por Lula. Que a despeito de um início focado em reformas, culminou em aumentos de gastos.

E este “a despeito” se faz notar também no atual governo Lula.

Lula aproveitou-se da situação combalida do teto de gastos, que sofreu na última eleição mais do que um argentino trocando pesos por dólar, para derrubar de vez a regra fiscal.

No lugar, criou-se o arcabouço fiscal. Um nome estranho para uma regra estranha, que já se sabe que não será cumprida.

E sabe-se, claro, pois para cumprir a regra é necessário que o governo crie novas formas de arrecadar recursos, algo que o país não tem condições de oferecer.

Mas falarmos em gasto público é apenas parte da questão. Mesmo o maior dos governos, ainda possui dificuldade quando o assunto é gastar. E o governo petista sabe disso.

Não há espaço no orçamento público para gastar. Mas existe um lugar onde há espaço de sobra: no caixa dos bancos públicos.

Ainda no final de 2022, aqui nesta mesma coluna, sugeri ao leitor deixar de lado o orçamento público e olhar para as estatais.

Desde então, a Petrobras já anunciou planos de investir R$ 230 bilhões em usinas eólicas offshore, ignorando que elas custem 10 vezes mais que as onshore.

A mesma Petrobras é parte fundamental do novo PAC, que aponta uma cifra trilionária em investimentos estatais.

Os bancos públicos, como também adiantei aqui, cobrem a outra ponta.

Em 2022, o Itaú BBA estimava que os bancos públicos tinham capacidade de emprestar R$ 2 trilhões a mais. Isso equivale a cerca de 20% do PIB.

E o problema disso? O principal problema é que o aumento do crédito de bancos públicos eleva a existência de crédito direcionado.

São programas especiais, com taxas especiais.

Em uma economia dominada por taxas de juros definidas não pelo score do cliente, mas pela vontade política, a Selic, a taxa básica de juros, tem pouco ou nenhum efeito e a inflação avança. Vimos isso em 2015 quando 70% do crédito no país era crédito direcionado.

Se veremos isso de novo, ainda é cedo para dizer, mas há sempre o risco, claro.

O risco que podemos definir como certeza que corremos está no fato de que o governo atual continua a apostar no consumo (dele próprio, das famílias e das empresas), para gerar prosperidade.

Em outra coluna aqui, comentei sobre o mito de que podemos ficar ricos gastando. Seria um sonho, mas infelizmente difícil de ocorrer.

Seja como for, a predominância desta mentalidade é o que nos torna parte de um “feitiço do tempo“, em que as condições para crescer de fato são raramente abordadas.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Estou precisando de palavras que me tragam esperança. Não aguento mais ver para onde Lula e sua corja estão nos jogando. Só um povo gado feliz pode achar que esses últimos governos vieram para resolver o problema da qualidade de vida que bradam em Palanques e nas mídias vendidas.

  2. Ao contrário do protagonista do filme, infelizmente no Brasil não aprendemos.nada em.nosso interminável "dia da marmota".

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