Foto: Wesley-Allen/The Town/DivulgaçãoA cantora Luísa Sonza durante seu show no festival The Town, em São Paulo, no início de setembro

O mundo é dos ofendidinhos

15.09.23

Todo mundo que conhece a vida e a obra de Nelson Rodrigues sabe o que ele dizia sobre ser vaiado: “Posso dizer, sem nenhuma pose, que para minha sensibilidade autoral a verdadeira apoteose é a vaia. É claro que isso não o impediu de reagir agressivamente ao que a internet hoje chama de “carinho da torcida”: Ruy Castro conta que, quando a peça Perdoa-me por Me Traíres estreou no Municipal do Rio, em 1957, Nelson — autor do texto e ator nessa primeira montagem — reagiu às vaias e insultos do público aos gritos de “Burros! Zebus!”.

Também é famosa a reação de Caetano Veloso à plateia de estudantes de esquerda que o vaiavam no Tuca, o teatro da PUC de São Paulo, em 1968, durante a apresentação de “É Proibido Proibir” (e que já citei algumas vezes aqui): “Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder?”. O discurso, aliás, é muito mais memorável que a música, da qual o próprio Caetano não gostava — tanto que a gravadora o lançou como lado B do compacto, com o nome de “Ambiente de Festival” (mais um dos exemplos em que o lado B é melhor que o A, o que é comum acontecer com discos de vinil e com pessoas).

Comecei escrevendo isso para dizer que, de certa forma, há uma tradição em que se inserem as reações de Marina Sena e Luísa Sonza às “vaias” que levaram por suas participações no festival de música The Town — especialmente Marina, que se dedicou a uma empreitada destinada ao fracasso desde o começo: homenagear Gal Costa interpretando algumas das músicas mais difíceis de seu repertório. Escrevi “vaias” entre aspas porque a coisa não se deu ao vivo: foram vaias virtuais, dentro do habitat natural dessas cantoras (e dos seus seguidores, e dos seus haters), que nascem, crescem e se reproduzem pelas redes sociais.

Na resposta ao “carinho da torcida”, também pelas redes, Luísa e Marina capricharam no autoconfete. “Estamos criando uma nova geração de novos grandes nomes da música brasileira, mas o que vocês conseguem é só diminuir e se recusam a enxergar o que já está escancarado na cara de vocês”, disse a primeira. A segunda afirmou não ter “sobrenome” (o que, admito, foi uma boa cutucada nos nepobabies da MPB) e acrescentou: “Não havia nenhum motivo para eu estar aqui a não ser minha própria coragem, dedicação, autenticidade e talento. Vocês que se mordam!”. Penso que ainda falta a essa turma comer um bocado de arroz com feijão, mas certamente é porque sou velho — assumidaço, nem precisa o fandom das duas jogar isso na cara. Etarismo é preconceito 100% liberado para quem é progressista, ainda que fique atrás do hate a evangélicos.

Falei em fandom e acrescento: não era nada difícil encontrar nas redes elogios aos shows de Marina e Luísa no The Town. Por que, então, as cantoras se doeram com as opiniões de tuiteiros que não têm nem dez seguidores? Aí está a grande diferença em relação aos tempos de Nelson e Caetano: elas escolheram se importar, porque amplificar as críticas dá mais engajamento e movimenta as redes sociais. Não faz sentido dizer que os artistas de hoje têm a pele mais fina que os do passado e, por isso, não sabem lidar com as vaias. Pelo contrário: os de hoje usam o hate contra eles para engajar, e podem fazer isso muito mais rápido do que na época do “falem mal, mas falem de mim” analógico. Tudo é marketing, e o mundo das redes sociais é dos ofendidinhos: deixar bem claro o quanto a postagem X ou Y agrediu você profundamente — mesmo que seja mais um caso de indignação como performance — dá clique. Treta vende, e todo mundo prefere o pau comendo na casa de Noca a opiniões sensatas e tediosas.

Não adianta um Ricky Gervais dizer, em resposta aos que se sentem insultados por humoristas, coisas como sentir-se ofendido não significa que você esteja certo. As pessoas das redes — e, hoje, não só nelas — querem se ofender e querem ser compensadas por isso, com engajamento e, dependendo do caso, compensações monetárias e/ou censura ao ofensor. A única solução que vislumbro é manter uma caverna mental no Afeganistão, onde não pega nem wi-fi, para a gente se esconder de vez em quando (ênfase no “mental”: ir de verdade lá para o meio dos talibãs ainda me parece pior que viver entre os ofendidinhos).

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A GOIABICE DA SEMANA

A sucessão de besteiras ditas por Sua Lulidade (foto) e seus súditos sobre o Tribunal Penal Internacional deve ter sido um dos momentos mais ridículos da política externa brasileira em todos os tempos. Primeiro, Lula disse que Vladimir Putin, mesmo com ordem de prisão emitida pelo TPI em razão dos seus crimes na invasão da Ucrânia, não seria preso se viesse ao Brasil. Depois, o presidente alegou que “nem sabia da existência” do tribunal, para o qual indicou a juíza Sylvia Steiner em 2004, e chamou de “bagrinhos” os signatários da corte — que tem entre seus 123 países Alemanha, Japão e dois membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, França e Reino Unido. Nisso Flávio Dino, que não perde uma oportunidade de bajular o chefe, afirmou que a diplomacia brasileira vai “analisar” se o país deve continuar no TPI, o que não cabe ao Itamaraty decidir. Querer pular fora do tribunal que julga crimes contra a humanidade — o mesmo para o qual os petistas queriam mandar Jair Bolsonaro por suas atitudes durante a pandemia da Covid — é coisa de governo bananeiro.

Foto: Firstpost/Índia/Reprodução

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  1. O “rock in Rio” paulista é um “case” de flopagem a ser estudado, se o original já não tinha rock, o spin-off NÃO TINHA MÚSICA‼️😳 “Ahhhh, mas teve o FF…”; verdade, mas o line-up medonho do festival, verdadeiro Febeapá, para ficar horrendamente perfeito só faltou Tiririca, “Caneta Azul” e “Eguinha Pocotó”. Porque “o nome dela é Waldemar”, isso teve.

  2. Admiro você, Ruy Goiaba, perder tempo com essas duas "artistas". No The Town também estiveram a Mônica Salmaso e a Vanessa Moreno - acredito que as conhece - e cantaram acompanhada pela Banda Mantiqueira e pela SP Big Band. As duas cantoras que citei e os músicos que as acompanharam fazem parte do Brasil que presta. Não vamos valorizar podridão. E, às sextas-feiras, no Papo Antagonista, fale para o Felipe Moura Brasil tem samba de excelente qualidade como tem no Rio. Leve-o ao Ó do Borogodó

  3. Pretensão e primarismo à parte, são papos de cachaceiro essa vontade de diminuir o tamanho do Brasil que teve o desplante de recolocar no comando criatura tão perniciosa e despreparada…

  4. Quanto a Marina Sena, não conhecia e achei horrível a performance, me lembrou a voz da Pablo Vittar. Quanto ao Lula, dizer não conhecer um órgão que ele acionou quando era oportuno, é mais uma das mentiras diárias de alguém que não merecia estar onde está. Votei nulo nessa, mas com Bolsonaro fora, vou engrossar o coro do Fora, Lula, fora PT nas próximas eleições.

  5. Certíssimo, mas pelo que vejo entre luloafetivos é que eles mesmos acham desculpas para encobrir essa gafe: "o que isso vai mudar no país? O TPI não faz falta para nós etc. Mas como são ignorantes como seu sagrado Lulapai é bem compreensível. Agora, quanto as mocinhas é fácil observar incompetência para ser celebridade musical e dom para ser consideradas artistas. No máximo são "Instalações" para ficarem paradas em fotos de Instagram.

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