Pedro França Agência SenadoAugusto Aras: escolhido por Bolsonaro para acabar com o "lavajatismo"

Um sucessor para Aras

Lula busca procurador-geral da República que seja próximo a ele e mantenha proteção da casta política
14.09.23

O presidente Lula está em pleno processo de escolha do novo procurador-geral da República. Quando o martelo for batido, provavelmente na semana que vem, o nome divulgado será o quarto indicado pelo petista. Mas o cargo que deveria defender os interesses da sociedade brasileira e assegurar o cumprimento dos preceitos constitucionais tem sido usado para proteger a casta política, temerosa de ser punida por delitos diversos, principalmente por corrupção. Pelos sinais enviados até agora, o ungido deverá seguir na mesma toada do procurador-geral Augusto Aras, escolhido por Bolsonaro em 2019. O novo procurador, então, será mais um exemplo de denominador comum entre o bolsonarismo e o lulismo, com todos buscando defender os próprios interesses e os de seus colegas, a despeito das demandas da sociedade.

Ao explicar quais seriam os critérios para definir o próximo procurador-geral, Lula afirmou que o importante seria um Ministério Público que não partisse para o ataque, e criticou a operação Lava Jato, sem citá-la. “Eu sempre tive o mais profundo respeito pelo Ministério Público. É uma das instituições que eu idolatrava neste país. Depois dessa quadrilha, eu perdi muita confiança. Eu perdi porque é um bando de aloprados que acharam que poderiam tomar o poder. Estavam atacando todo mundo ao mesmo tempo. Atacando o governo, atacando o Poder Executivo, atacando o Legislativo, atacando a Suprema Corte, atacando todo mundo. Eles fizeram a sociedade brasileira refém durante muito tempo”. Lula também criticou a Lava Jato por fazer “denúncias falsas” e que esse tipo de atitude pode transformar a vida das pessoas em um inferno. “Vocês não sabem o inferno que vocês causam quando vocês fazem uma denúncia leviana. No meu caso, foi leviandade”, disse quando ainda era candidato.

Os dois nomes que estão sendo cotados devem atender o presidente nesse sentido. O favorito, neste momento, é o vice-procurador-geral eleitoral Paulo Gonet. O carioca, nascido em 1961, ganhou espaço junto ao Palácio do Planalto por ter atuado em prol do governo Lula nas ações de inelegibilidade de Jair Bolsonaro no TSE. Considerado linha dura, Gonet foi cirúrgico nas investigações que miravam o ex-presidente da República e seus aliados. Além disso, Gonet tem um padrinho importante: o ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE. Outro figurão que endossa a candidatura de Gonet é o ministro Gilmar Mendes. Afinal de contas, o vice-PGE fundou, em 1998, com Gilmar e Inocênico Coelho, o Instituo Brasiliense de Direito Público — universidade de referência na área jurídica na capital do país. No final de agosto, Lula teve uma conversa reservada com Gonet. No papo, o petista disse apenas que gostaria de um MPF que não eleja e persiga adversários, em uma referência clara ao ex-PGR Rodrigo Janot.

Outro nome que ganhou espaço nas últimas semanas é o do subprocurador Antônio Carlos Bigonha. Ele tem sido defendido principalmente por integrantes do PT. Bigonha se destacou na área ambiental, defende a indenização de vítimas da ditadura militar e teve uma ação crítica ao longo da Operação Lava Jato, o que é sempre um ativo importante para Lula.

O cargo de procurador-geral da República é um dos mais peculiares da máquina pública. O procurador é o chefe do Ministério Público, um poder que foi criado, em vários países, como um órgão de acusação criminal. A Constituição de 1988 afirma que o Ministério Público é o defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos da sociedade. Seu objetivo último é garantir a punição dos culpados de crimes e livrar os inocentes. Fiscaliza, assim, o sistema para ver se as regras constitucionais estão sendo cumpridas.

A Procuradoria-Geral da República está no topo da pirâmide do Ministério Público, e fica responsável pelas ações que tramitam no Supremo Tribunal Federal. Na mesa em forma de “U” do plenário da corte, em Brasília, o procurador ou seus indicados têm uma cadeira reservada à direita do presidente do tribunal. Desse assento, ele, sozinho, é responsável por todas as denúncias criminais de pessoas com foro privilegiado, como deputados e senadores. O procurador-geral também propõe ações de análise de constitucionalidade e emite pareceres em todas as ações que passam pelo STF. Sua independência foi assegurada com a Constituição de 1988, que retirou da PGR a incumbência de defender o presidente da República, criando para isso a Advocacia-Geral da União, um órgão separado.

A missão da PGR, contudo, muitas vezes é minada pela forma como o procurador-geral é selecionado. Por ser indicado pelo presidente, ainda que seja referendado pelo Senado em seguida, o seu ocupante costuma ter dificuldades na hora de cumprir com sua função de representar a sociedade. Na dúvida entre obedecer a dois senhores ao mesmo tempo, o procurador normalmente escolhe um deles. “O Brasil copiou o modelo constitucional americano em que as indicações são feitas pelo presidente da República. Isso faz com que os escolhidos costumem ter alguma proximidade com o chefe de governo”, diz Rubens Beçak, professor associado da Universidade de São Paulo. “É claro que alguns procuradores-gerais são menos dispostos a satisfazer a vontade daqueles que os indicaram, mas essa possibilidade está sempre presente.”

O caso mais conhecido de procurador-geral subserviente foi o de Geraldo Brindeiro, que ganhou a alcunha de engavetador-geral da República. No cargo entre 1995 e 2003, ele não deu seguimento a diversas denúncias contra o seu padrinho, o presidente Fernando Henrique Cardoso. No seu primeiro mandato, Cardoso passou no Congresso uma emenda constitucional para permitir a reeleição, sob denúncias de compra de votos. Todas foram ignoradas. A oposição petista chiou muito e conseguiu colar o apelido de “engavetador-geral da República” em Brindeiro.

Um ponto fora da curva na história da PGR foram os inquéritos do mensalão, do petrolão e da Lava Jato. Em 2012, o procurador-geral Antônio Fernando Souza denunciou quarenta políticos de uma só vez ao STF, no início do julgamento do mensalão. Mas quem mais se destacou por sua independência no comando da PGR foi Rodrigo Janot, indicado por Dilma Rousseff, em 2013. Ele comandou a instituição no auge da Lava Jato. No momento em que a sociedade brasileira estava descontente com a política e os múltiplos casos de desvios, Janot deu esperanças de que os corruptos, políticos e empresários, não sairiam impunes. Em 2015, ele pediu a prisão do petista Delcídio do Amaral, líder do governo Dilma no Senado, por aparecer em uma gravação tentando comprar o silêncio de Nestor Cerveró, um ex-diretor da Petrobras enrolado na Lava Jato. Dois anos depois, após a homologação da delação premiada de executivos da Odebrecht (cujas provas o ministro do STF Dias Toffoli tenta anular), pediu a instauração de 74 inquéritos de uma única vez. Janot também apresentou duas denúncias contra o presidente Michel Temer por supostamente ter recebido propina de executivos da JBS. Não teve medo de enfrentar o STF, quando pediu que o ministro Gilmar Mendes fosse considerado suspeito e não julgasse o caso do amigo Jacob Barata, empresário do setor de transporte público, preso no Rio de Janeiro. Mendes foi padrinho de casamento da filha de Barata. Nos últimos meses de seu mandato, ao ser questionado se continuaria no mesmo ritmo, Janot afirmou: “Enquanto houver bambu, lá vai flecha”.

O sistema político não perdoou tanta agressividade e se vingou. Com força ainda maior, uma onda apoiada pela esquerda e pela direita reverteu o avanço do Ministério Público contra políticos. Quem percebeu esse movimento ainda no início e soube surfar muito bem nele foi Augusto Aras. Após a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, o advogado baiano se apresentou como um crítico de Janot e da operação Lava Jato, que seguia ameaçando políticos em Brasília. Dessa forma, e com apoio do Centrão, Aras ganhou o posto. Nos anos seguintes, ele foi instrumental ao afastar as investigações de rachadinhas na família Bolsonaro. Um levantamento do jornal O Globo do começo deste ano mostrou que Aras se aliou a Bolsonaro e seus filhos em 95% das 184 ações apresentadas no Supremo. O procurador-geral sempre foi explícito em suas pretensões. “É hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure”, disse. Ele também alardeou suas conquistas: “Mudamos o perfil de um Ministério Público punitivista”. Seu principal legado foi ter desmontado a maior operação contra a corrupção da história do país, ao cortar o seu financiamento e acabar com suas forças-tarefas. Dentro do Ministério Público, Aras criou diversos inimigos que queriam realizar o seu próprio trabalho como manda a Constituição, mas a plateia formada por políticos adorou, tanto que Aras foi reconduzido ao cargo em agosto de 2021, com indicação de Bolsonaro e voto favorável de 55 dos 81 senadores.

Aras prestou-se ao mesmo papel de Brindeiro e veio a compartilhar com ele o mesmo apelido de engavetador-geral. Ele não abriu nenhuma denúncia contra o presidente durante a pandemia de Covid, mesmo após a CPI concluir seu relatório. O único inquérito que foi aberto contra Bolsonaro foi a suposta interferência do mandatário na Polícia Federal — uma acusação feita por Sergio Moro. Mas a investigação foi arquivada em seguida. Após Bolsonaro perder a eleição no ano passado, Aras começou a se aproximar de Lula e do PT, na esperança de ganhar mais um mandato. Os esforços foram em vão.

Uma forma de reduzir a influência do presidente ou impedir que a Procuradoria-Geral da República se torne um órgão servil é a obediência à lista tríplice. Trata-se de uma tradição criada em 2001, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Após uma eleição em que todos os membros ativos do Ministério Público participam, a ANPR forma uma lista com três nomes e a entrega ao presidente. Para figurar nela, os candidatos não precisam circular pelos corredores e restaurantes de Brasília, mas devem ganhar o apoio dos próprios colegas, com os quais não têm uma relação hierárquica (no Ministério Público, os procuradores têm ampla autonomia). O processo reduz a chance de uma escolha apenas por critérios pessoais do presidente ou baseada no autointeresse dos políticos. Brindeiro e Aras, os dois engavetadores-gerais, não integraram essa lista. O primeiro, porque foi nomeado antes de a lista existir, e Aras, porque Bolsonaro decidiu romper com a praxe.

Esta semana, após diversas críticas, os assessores de Lula deram indicações de que o presidente consultaria a lista tríplice e conversaria com os seus integrantes, mas não deram nenhuma garantia de que Lula a usaria em sua decisão. Para Lula, hoje, não há nada mais importante que evitar a repetição de um passado em que ele e outros políticos eram acossados por procuradores.

Mais do que um Ministério Público servil, o Brasil precisa de uma instituição que cumpra o seu papel com independência e dentro da legislação. Como escreveu o professor de direito Conrado Hubner Mendes em sua coluna na Folha, nesta semana: “Aras sairá vitorioso se, no seu lugar, Lula nomear um de seus clones: inexpressivo na carreira, dócil com o poder, indócil com a crítica, indiferente ao sofrimento, inescrupuloso com a Constituição”.

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  1. OU SEJA, MAIS UM "ENGAVETADOR" DOS ATOS CRIMINOSOS DOS PODEROSOS. MAIS UMA VERGONHA NACIONAL. JÁ TEMOS TANTAS.

  2. Não sei quem ganhará está disputa, mas já sei quem perdeu, ou "quem perdemos"... O critério de escolha do MPF e STF deveria mudar totalmente. A lista tríplice obrigatória no MPF e pro STF tmb, com divisão de vagas equilibradas entre magistrados (3), procuradores (3), defensores públicos (3) e advogados civis (2). Poderia ser pensado ainda em pelo menos uma mulher e um homem pra cada categoria. Tornar o mais impessoal possível. Aliás, colocar advogado pessoal e parente, nem pensar!

  3. A PGR é a última trincheira de defesa do galinheiro em chamas e lixo, a nomeação de mais um capacho será a certeza de que o último aparelhamento levará o país irremediavelmente ao comuno-bolovarianismo e à escravização de milhões de manés ... mera questão de tempo.

  4. Será que veremos uma PGR realmente fazendo um trabalho digno? Difícil ter esperanças. Movem-se com o bel prazer do mandatário da vez. O povo que se dane!

  5. Saudades do Janot. A escolha de um nome fora da lista tríplice é mais um legado nefasto do Bolsonaro que o pt não hesitará em aproveitar

  6. Não me decepcionar eu dessa vez. A maioria dos citados pra serem escolhidos pelo Lula não pode ser pior que o Aras. Nunca o apelido de engavetados geral da União foi tão bem aplicado

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