Foto: Ricardo Stuckert/PRLula e Janja desfilam no Rolls-Royce presidencial durante os festejos do último Sete de Setembro, em Brasília

Nossa democracia fajuta entre pleitos

O governo do povo se exerce de dois em dois anos para mandatos quadrienais e desaba na vigência de leis com urnas caladas
15.09.23

Este é o primeiro de três anos sem votações para preenchimento de vagas nos Poderes Executivo e Legislativo federais. Então, está aberta a temporada da facilitação da ocupação de cargos eletivos que garantam a permanência da casta dirigente política e burocrática em seus castelos de chumbo, com a mínima transparência permissível. Nela agem todos os poderes para reduzirem o quão possível for o tal do que se exerce em nome do povo, mas o mais distante possível dos seus lares e o mais exclusivo possível dos palácios invioláveis. Aí entra em ação a elite judiciária, para abocanhar mais privilégios e avalizar a concreção da ilicitude legalizada.

Onze poderosos magistrados, reunidos, exercem a última instância da corte, o apodo favorito do tal Supremo Tribunal Federal, que nunca se perde pelo nome, ou STF. Quando o chefe do Executivo fazia o curso prático de exercício da casta hereditária, inapropriadamente denominada Índia, a primeira lady dançava sobre a meia centena de cadáveres do ciclone no Vale do Taquari e apagava a própria mensagem para não deixar vestígios da ousadia. O que se mostrou inviável. Afinal, um dos nobiliarcas que o “cara” nomeou para o posto “supremo”, Dias Toffoli, escarrou na inapelável lei ao anular acordo de leniência de uma empreiteira associada, criando um édito bem a propósito do privilégio de casta: manda quem nasce nobre, à ralé cabe obedecer. Com a mesma caneta que impediu a ida do ex-presidente, à época presidiário, de comparecer ao enterro de um irmão, Toffoli cancelou toda a leniência obtida pela Operação Lava Jato em busca da clemência improvável da vítima de sua asquerosa desumanidade.

A plebe ignara, que paga impostos e sustenta tal casta de políticos, marajás e outros nobres engalanados, não foi informada se o perdão foi concedido. Mas pode prever que novos gestos de arrependimento substituirão eventuais juízos baseados no Direito vão para desiguais, que lhe serão dirigidos.

Enquanto isso, o clã do ex-parlamentar que levou a atual presidente do Banco do Brics ampliado à rua disse a que veio ao assinar um projeto, dito de minirreforma eleitoral, que antecede os pleitos da mesma forma que as eliminatórias da Fifa selecionam as equipes que participarão do próximo evento quadrienal do futebol profissional, o Mundial da América do Norte. A deputada fluminense Danielle, vulgo Dani, herdou a herança paterna de Eduardo Cunha, que pode exigir o esquecimento de seu codinome no propinoduto da ex-empreiteira baiana, Caranguejo, derivado de seu estilo de caminhar, que a filha não executa. Nem precisava para cumprir a tarefa dada pelo chefe de todos os clãs por mais um ano e meio, Arthur Lira: o dever de clã de garantir impunidade e sigilo para os companheiros que inovaram o direito público no maior desafio que uma democracia já enfrentou, o execrável orçamento secreto. Agora, ela apadrinhou mais uma minirreforma que maximiza privilégios e minimiza punições à delinquência. Com o aval da esquerda no poder executivo em minúsculas, representado pelo petista Rubens Pereira Júnior, do Maranhão de Flávio Dino, primeiro ocupante do Ministério da Injustiça.

A obra de Cunha e Pereira, reunindo condenados da Lava Jato e representantes da nobreza sindical, entronizada no Planalto, rasura a Lei da Ficha Limpa, único texto legal vigente da “democracia” eleitoral brasileira de real origem popular. A ditadura da nobiliarquia partidária não elimina os oito anos de inelegibilidade dos pilhados em furto do erário, mas reduz a contagem do prazo da próxima eleição para a data da condenação do nobre descuidado que se deixou cair em tentação e não se livrou do mal, amém. Cunha e Pereira inovaram para valer dando natureza grupal ao permitirem a candidatura coletiva. Segundo a proposta de emenda constitucional em questão, o candidato pode fazer propaganda eleitoral com as urnas ainda conectadas. Feita e aprovada por velhacos confessos, a proposta mantém o corte do repasse de verbas do Fundo Partidário no período em que durar a eventual falta de sua prestação de contas.

Nos primeiros nove meses da democracia “do amor e da união” (kkkk), a first dama desfilou em Rolls Royce de vestido vermelho, talvez por achar verde e amarelo cafonas. E o maridão, ao lado, que recorreu ao Tribunal Penal Internacional de Haia para condenar a Lava Jato e o antecessor, Jair Bolsonaro, se achou no direito de anular contratos internacionais firmados desde Deodoro. No que não deixa de ter razão ideológica, de vez que se tratava de um hierarca militar golpista.

Lula está no terceiro mandato, feito similar às indulgências plenas pagas ao papa. Resta esperar novos absurdos similares a nos serem servidos no próximo ano, de eventual quarta estação fajuta explícita, nesta véspera da democracia com as urnas eletrônicas desligadas da tomada.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, escritor e poeta.

 

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  1. Parabéns, Neumane. Belo artigo. Eu só fico pensando se o apelido de Caranguejo do Cunha não se deu em referência ao personagem do cartoon Bob Esponja. O chefe do Bob é o Siri Cascudo, um caranguejo que só pensa em dinheiro.

  2. Nêumanne como sempre um dos grandes críticos de nossa época, mostrando que não faz parte do armazém de secos e molhados dos lamentáveis editoriais brasileiros. Uma coisa é certa, no Brasil não se morre de tédio, mas de raiva e tristeza...

  3. A leitura deste seu texto é um manifesto cuja propagação teria que constar, além do editorial de nossos mais populares jornais e revistas, repetido no jornal nacional e similares… o povo brasileiro precisa acordar!

    1. Neumanne sendo Nêumanne. Obrigada precisava muito de um texto desse.estou desalentada. Onde esse supremo pretende chegar.Nunca vi tanta desumanidade tanta falta de carater de classe de berço de homens e mulheres supremos . Vao Passar

  4. Nêumanne, você concorda que temos que trazer novos nomes para já estarem se misturando ao de Lula e Bolsonaro. Acho isso está se criando um vício na cabeça do eleitor ignorante (no sentido literal da palavra) a perpetuar esses vigaristas no poder?

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