XinhuaTrem na província de Xinjiang: intelectuais acreditam que mentes brilhantes podem organizar a economia

A China está desacelerando. E agora é pra valer

Apesar da torcida de alguns, o país ainda parece longe de ter descoberto a fórmula do crescimento eterno, estando sujeito a dilemas mais do que conhecidos da economia
08.09.23

Foi na edição número 1, publicada em 1961, que Paul Samuelson publicou pela primeira vez sua previsão de que a economia da União Soviética, URSS, ultrapassaria a americana.

Naquela época, a ideia de Samuelson era que isso levaria entre 23 e 36 anos, ocorrendo portanto entre 1984 e 1997. A economia americana, quando ele formulou essa ideia, era duas vezes maior do que a soviética.

Passada uma década, na edição de 1970, ano em que o economista seria premiado com o Nobel, Samuelson trouxe uma atualização. A previsão dizia que a URSS passaria os EUA como maior economia do mundo entre 1988 e 2005. Já na edição de 1980, a previsão falava entre 2002 e 2012 para o mesmo evento.

O também economista Bryan Caplan, autor do excelente O mito do eleitor racional: por que as democracias escolhem péssimas políticas públicas, examinou em 2009 livros como os de Samuelson, o mais utilizado manual de introdução à economia em toda segunda metade do século 20, constatando um certo viés pró-economia soviética.

E os motivos não chegam a espantar. Segundo Caplan, a ideia de que a economia possa ser organizada por mentes brilhantes é muito tentadora para as elites intelectuais. Por outro lado, eles não se empolgam com a ideia de que a decisão de um fazendeiro no meio-oeste americano tem tanto impacto na produção de um determinado bem quanto a de um estudante de artes em Massachusetts.

Se você acompanhou o fenômeno Oppenheimer nos cinemas, deve ter sentido o mesmo clima. Físicos, que estudam para entender as leis que formam o universo, acreditam que a economia e a sociedade, podem ser regidas por leis similares. Basta os intelectuais as descobrirem.

De fato, ao longo da história econômica, não foram poucos os que se aventuraram em descobrir como manipular as engrenagens. O neozelandês William Philips, um economista que sobreviveu aos campos de concentração japoneses na segunda guerra graças a sua familiaridade com a mecânica (Philips cresceu em uma fazenda na Nova Zelândia, tendo montado e desmontado tratores quando jovem), chegou a a apresentar a “máquina de prever a economia“, nos anos 40.

Philips propunha que existia um trade-off, ou uma troca, entre desemprego e inflação. Quanto menor a inflação, maior o desemprego. Na teoria faz sentido. Menos pessoas empregadas significa menos consumo, menor pressão sobre preços.

O problema? Nos anos 70, o mundo vivenciou a estagflação com os dois choques do petróleo. O mundo teve inflação elevada e desemprego também elevado. A curva de Philips, que agregava dados de de meio século, foi substituída pela Nova Curva de Philips.

Para além dessa paixão em tentar prever a economia, o sucesso soviético em sair de uma economia feudal para se tornar uma potência industrial, cativou economistas, levando-os a questionar os passos do capitalismo.

Daron Acemoglu, o economista mais citado do mundo hoje, e também a figurinha que todos aguardam ser premiada no Nobel, cita essa questão em seu livro Por que as nações fracassam.

Segundo ele, junto do coautor James Robinson, o processo de “capturar” é um processo relativamente mais simples do que o de processo de desbravar a fronteira.

Para entender melhor, veja o exemplo da ditadura brasileira. Das 24 usinas acima de 1.000 MW de potência, 21 foram construídas durante a ditadura. O motivo é simples. Construímos Itaipu, destruindo as sete quedas do Iguaçu, sem oposição ou qualquer outra preocupação, afinal, é uma ditadura. Que oposição existiria?

O mesmo pode ser visto na União Soviética, ou na China atual.

Seguindo os planos do governo, eliminando a oposição, é possível copiar e implementar tecnologias que deram certo, atingindo assim um desenvolvimento similar ao dos países ricos em décadas atrás.

Tornar-se rico, porém, exige muito mais do que copiar o que deu certo.

Países ricos têm uma questão fundamental em comum: eles permitem que empreendimentos ruins sejam eliminados de maneira rápida e eficiente.

No Brasil que discute o papel das empreiteiras corruptas na geração de emprego, este tipo de discussão ainda passa longe. Em economias planificadas, este também é um problema.

É impossível inovar sem aceitar o risco inerente à inovação. É impossível criar algo novo se não aceita a falha, não cria competição e teste.

É por razões como essas que, a despeito de os soviéticos terem sido pioneiros em atingir o espaço e em inúmeras tecnologias, foram os americanos que tornaram essas tecnologias bens disponíveis para a população em geral.

A disputa por atingir o consumidor, e não por agradar o burocrata e mostrar serviço, move o capitalismo (ainda que governos insistam em proteger indústrias ineficientes, “grandes demais para quebrar“).

Somadas todas essas características, não é difícil entender os motivos de a tão alardeada ultrapassagem chinesa sobre a economia dos EUA estar sempre sendo adiada.

A previsão inicial de que isso ocorreria no início dos anos 2020 já foi afastada para 2030, e há quem diga que isso pode jamais ocorrer.

Particularmente, se minha opinião fosse relevante nessa discussão (e tenho consciência de que não é), diria que é possível, mas que pouco importa.

Em tudo que li no intuito de trazer a você um resumo dessa discussão, o que mais se torna ponto pacífico é que: a economia chinesa pode ultrapassar a dos EUA, mas a China dificilmente sairá da armadilha da renda média.

A China poderá ultrapassar os EUA em riqueza total, mas nunca se tornará um país com nível de renda que a coloque como um país rico.

E, no fundo, para longe das paradas militares e da propaganda típica de regimes planificados e ditatoriais, é isso que importa. A qualidade de vida do cidadão médio chinês continuará longe daquela de países ricos.

Levanto tais questões, pois as dúvidas que permeiam a economia chinesa voltaram a se tornar presentes no debate econômico.

A população chinesa está caindo, um fenômeno visto em poucos lugares do mundo, o que leva a uma menor demanda de produtos exportados pelo Brasil, o que por sua vez, mostra que o tema também nos diz respeito.

Há menos chineses jovens iniciando sua vida, fazendo com que menos imóveis, e portanto menos minério de ferro sejam demandados.

Para o Brasil, a desaceleração da economia chinesa implica que teremos, mais do que nunca, de focar em desenvolver nossa produtividade em setores como serviços e indústria.

É possível que o agro, nossa potência econômica, encontre na China e na Nigéria, futuros importadores, mas não devemos colocar nossas esperanças no crescimento alheio.

Convém focar, como sempre, nos nossos problemas.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. OU SEJA, TANTO NA CHINA, NA RÚSSIA, NO BRASIL E EM OUTRAS ECONÔMIAS DITADORIAIS, SÓ OS GOVERNANTES E SEUS AMIGOS FICARÃO RICOS. O POVO CONTINUARÁ POBRE E DESQUALIFICADO (COMO QUEREM OS DITADORES DE ESQUERDA OU DE DIREITA).

  2. Uma profusão de dados, FELLIPE HERMES, muito interessante! Agradecimentos por eles! Na verdade parece q o capitalismo já está dando sinais, ainda q por enquanto tênues, de esgotamento da fórmula, depois do surgimento de novos e evoluídos conceitos como 'sustentabilidade', 'consciência ecológica', 'minimalismo de consumo' etc. O q provavelmente acontecerá em breve, é o ainda próspero Hemisfério Norte, desenvolver o Hemisfério Sul p/ expandir e dar vazão à fórmula capitalista até q esta se egote.

    1. Não se trata de apenas conjecturas de simples "pitonisa" "adivinhadora" rsrs... mas, de projeções resultantes dos debates de grupos da área e também de áreas multidisciplinares conexas, da alta elite 'pensante' planetária que inclusive, já há alguns anos, publicou trabalhos a respeito, notadamente no idioma francês. A conferir a respeito em idioma inglês, sob o qual provavelmente se iniciou a difusão do tema.

    2. O desenvolvimento do H. Sul pelo H. Norte ñ acontecerá em nenhum momento p/ fatores como 'humanismo', claro, mas pela natural voracidade da fórmula capitalista q, em dias q todos nós das gerações presentes ñ assistiremos, tb se esgotará e se findará p/ completo, no modelo como a conhecemos. Acontecerá sua substituição p/ algo (ou sistema) q ainda ñ sabemos precisar mas, q será absolutamente novo, e p/ nós totalm. inusitado, num outro modus vivendi da sociedade planetária q já será então uníssona

  3. POR FALAR EM CHINA: A Receita Federal, além de cobrar indevidamente taxas em compras de valores abaixo do limite estipulado de isenção feitas em sites chineses e, embora assim mesmo pagas pelo extorquido consumidor, ainda está retendo as compras sem entregar aos Correios há mais de mês sem dar notícia alguma do paradeiro das compras. Exatamente como ""se fosse""(???!!!!) confisco. MUITO digamos ""ESTRANHO"", não é mesmo????

    1. Fora os pacotes estranhamente extraviados.... ""fora do fluxo"" como eles dizem nos correios....

    2. Confisco digamos... suave e delicadamente assim....""irregular"", ""improcedente""....

  4. Um corolário deste artigo é que, à luz da desaceleração chinesa, e além do dever de casa que nos cabe fazer, também os formuladores de nossas políticas estratégicas precisarão reavaliar e modular os alvos da interação brasileira com as parcerias econômicas internacionais. Parabéns ao autor pela boa qualidade da análise.

  5. O artigo acima, muito interessante, nos alerta que não existem donos da verdade, nem mesmo os que tenham ganho um Nobel. Aliás, parece que ninguém entende realmente de economia. E, acho, o mesmo se aplica ao meio ambiente e clima, muito mais complexos que a economia. Mas chovem donos da verdade nesses três assuntos.

  6. Ainda que as Sete Quedas não sejam do Iguaçu, vejo muita clareza no que diz, Felipe. E, no fundo não vejo esperança de mudanças substancias que alterem a economia mundial. Para o Brasil, que caminha para trás, mais difícil será alcançar alguma melhoria. Nosso povo prefere populistas que mentem para se eleger, se elegem, depois fazem tudo que querem, e o povo, que neles votou, nem percebe.

  7. Artigo interessante até que li: Sete quedas do Iguaçu! Quando eu visitei as sete quedas elas ficavam no Rio Paraná, na altura da cidade de Guaíra, bem longe do Rio Iguaçu. Uma rápida consulta ao Wikipedia evitaria isso.

    1. A Itaipu foi construída no Rio Paraná e a área alagada encobriu as Sete Quedas. O fiasco de Belo Monte é um exemplo de um empreendimento de grande porte construído para ficar metade do ano sem geração de energia, por não ter reservatório, devido à politização do projeto, que deixou a engenharia em segundo plano. O comparativo de democracias e ditaduras na execução de obras de infraestrutura foi bem explorado na matéria. Muito boa a análise.

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