Foto: Tony Winston - Agência Saúde-DFIntervencionismo inviabilizou muitos planos de saúde individuais, que ficaram muito caros

Remédio errado

Reforma apresentada por deputado federal Duarte Júnior pode deixar milhões de usuários sem plano de saúde
14.09.23

Em matéria de saúde, um remédio utilizado sem um diagnóstico preciso pode causar efeitos piores do que o problema que se tentava curar. As iniciativas que estão sendo estudadas para o setor de planos de saúde no Congresso podem ser um remédio desse tipo.

Nesta semana, o deputado federal Duarte Júnior (PSB-MA) apresentou a sua versão do Projeto de Lei 7.419/2006, que altera a legislação sobre saúde suplementar. O substitutivo reúne 276 projetos de lei apresentados ao longo dos últimos 17 anos e vem sendo tratado como “reforma dos planos de saúde”. Caso seja aprovado da maneira como está, ele pode desorganizar o setor de planos empresariais, que atende cerca de 35,6  milhões de usuários, segundo os números divulgados em julho pela  Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 

A proposta submete os reajustes dos planos empresariais ao controle da ANS, como já acontece com os planos individuais, que hoje reúnem cerca de 9 milhões de pessoas. “Não caberá à ANS dizer um percentual, mas sim avaliar as razões que deram causa ao reajuste. Em se tratando de um aumento substancialmente superior ao dos planos individuais, caberá à ANS agir para evitar qualquer tipo de reajuste abusivo e desproporcional”, afirmou o deputado em entrevista coletiva realizada nesta semana.

Duarte Júnior também quer proibir que planos coletivos sejam rescindidos unilateralmente pelas operadoras. O encerramento dos contratos só seria autorizado em caso de fraude ou inadimplência de três meses, desde que  notificações pelo atraso tenham sido feitas a cada 20 dias e um alerta sobre a possibilidade de cancelamento tenha sido emitido no quinquagésimo dia.

Em manifestação oficial nesta semana, as entidades representativas do setor enfocaram essas duas questões. “O relatório desconsidera peculiaridades do setor de saúde suplementar e compromete pilares fundamentais de seu funcionamento, ao propor a proibição do cancelamento de planos coletivos pelas operadoras e instituir regras de reajuste de mensalidades que carecem de mais especificidade, aperfeiçoamento técnico e análise atuarial para conhecimento dos impactos”, destaca o comunicado assinado por entidades como a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), Unimed do Brasil e Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas.

As 700 operadoras de planos de saúde enfrentam um de seus momentos mais difíceis desde que a área passou a ser regulada, há 25 anos. Depois de registrar resultados operacionais positivos durante a pandemia, o setor viu o cenário se inverter a partir do segundo trimestre de 2021. A diferença entre receitas e gastos atingiu o recorde de R$ 12,5 bilhões negativos no terceiro trimestre de 2022. Houve melhora desde então, segundo o painel financeiro divulgado pela ANS no início deste mês, mas não a ponto de levar os números  para o azul. Ao final o primeiro semestre de 2023, os resultados operacionais  foram de R$ 4,3 bilhões negativos. Sim, é fato que aplicações financeiras permitiram que o setor registrasse lucro de R$ 2 bilhões nesse mesmo período. Num cenário macroeconômico de juros elevados, esses investimentos foram capazes de compensar o prejuízo no dia a dia da prestação de serviços. Isso não deve confundir a análise: os planos de saúde têm rentabilidade negativa no momento atual. As circunstâncias podem se tornar ainda mais difíceis caso as medidas que tramitam no Congresso sejam aprovadas.

Acreditamos no diálogo para chegar em um senso comum que seja bom para todos, mas especialmente para os beneficiários da saúde suplementar. A Unidas, assim como as demais entidades, vê com ressalvas alguns pontos presentes no relatório, que desconsideram questões específicas do setor e podem comprometer sua sustentabilidade – fazendo com o que o plano de saúde tenha um acesso ainda mais limitado. Contudo, entendemos que essa é uma primeira versão e de que o bom senso irá prevalecer nas discussões”, informou a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas).

Duarte Júnior é pré-candidato à prefeitura de São Luís e foi presidente do Procon na capital maranhense. Quando era integrante do órgão de defesa do consumidor, atuou para impedir aumento de passagens de ônibus na capital, interferindo diretamente na regulamentação do mercado local.

Foi com intervenções desse tipo e ações populistas, como presidente do Procon, que Duarte se tornou o deputado estadual mais votado do estado em 2018. Em 2022, ele conseguiu seu primeiro mandato de deputado federal.

Questionado por Crusoé, Duarte Júnior lançou dúvidas sobre o impacto que seu plano teria sobre as operadoras. “Não tem como ter prejuízo com a limitação das hipóteses de reajuste. As empresas teriam prejuízo somente se falássemos: ‘Não pode reajustar’. Estamos falando que pode, mas com uma base de cálculo diferente. Em vez de avaliar 29 vidas, vão avaliar 99 vidas. Com isso a gente dilui o risco e traz um reajuste mais brando ao consumidor brasileiro”, afirma o deputado. “Quanto a dizer que uma empresa vai falir, vai quebrar, porque a partir de hoje ela será proibida de rescindir um contrato realmente eu não consigo crer nisso. A gente quer que a empresa tenha lucro, mas que ela cumpra o seu objeto nessa relação contratual. Agora, se eu tiver que fazer uma escolha entre a vida de uma pessoa e a sobrevivência de uma dessas empresas, eu vou escolher a vida das pessoas.”

Essa, no entanto, é uma maneira simplista e caricatural de ver as coisas. A verdadeira questão é que o setor de planos empresariais precisa se manter saudável. Se a matemática dos planos empresariais se tornar insustentável, esse mercado pode se retrair. Milhões de pessoas que hoje utilizam esses produtos poderiam perdê-los, inundando o SUS com novas demandas. E o SUS, sabemos, já não consegue atender a contento o volume de consultas e tratamentos que recebe atualmente.

Nos últimos anos, os planos coletivos passaram a dominar o mercado justamente por causa da excessiva regulamentação estatal nos planos individuais. Agora, se a ANS estabelecer o controle de preços também nessa modalidade, isso pode se tornar um grande vilão para a melhoria dos tratamentos de saúde privada no Brasil“, diz o analista político Luan Sperandio, conselheiro do Ranking dos Políticos. “Como os agentes econômicos sempre se adaptam às regras institucionais, a consequência poderia ser o abandono dos planos coletivos e um número maior de brasileiros passando a depender do SUS.”

Nesta quinta-feira, o presidente da Câmara Arthur Lira deu um sinal bem vindo de que a discussão sobre a mudança nos planos empresariais será feita com cuidado.

“Não vamos fazer nada açodado sobre esse tema, que é crítico. Tem muita reclamação sobre o substitutivo”, disse ele. “Vou me reunir, nestes próximos 15 dias, com todas as operadoras de planos de saúde, que estão muito preocupadas com o relatório.”

As intenções de Duarte Júnior podem até ser boas. Mas se a reforma não for calibrada, o cidadão sofrerá com seus efeitos colaterais.

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  1. matéria tendenciosa. quem é empresário de plano de saúde sabe ou deveria saber que está exercendo uma função pública, e que todo contrato tem uma função social. logo, não cabe ficar reclamando de que seus lucros estão caindo. o que o deputado propoe é que os aumentos sejam justificados, porque estão muito acima da inflação. e os médicos não recebem o repasse desses aumentos.

  2. Papel aceita tudo. O mercado termina se desestruturando com essas intervenções. Pelo que vemos no setor de combustíveis,esse governo gosta de intervir e de promover ações populistas. Tomara que os parlamentares discutam bem essa matéria

  3. A vingança contra a classe média. Não bastasse o imposto indireto que pagamos por não termos saúde, educação e segurança públicas minimamente descentes. Enquanto isso os poderosos só se tratam nos hospitais butique de São Paulo, pagos por quem? Por nós otários com trabalho honesto, sem caixa dois e sem dinheiro enfiado no toba. Ou iniciamos já uma discussão séria e bottom-up sobre uma nova arquitetura de Estado o

    1. Ou vamos deixar uma herança maldita para nossos filhos e netos. Quando não uma guerra civil. Hora de agir, tia-tac...

  4. MAIS UM PICA RETA ANENCÉFALO DO MARANHÃO DE FUFUCA E SARNENTO .ATÉ QUANDO ESSES 🐀🐀VÃO CONTINUAR DESTRUINDO O PAÍS ?

  5. Simplista, eu diria até tendenciosa, é a reportagem. "...que seja bom para todos, mas especialmente para os benficiários da saúde suplementar..." quanta hipocrisia.

    1. Concordo,muito tendenciosa e rasa. Não menciona nada sobre a qualidade baixa de atendimento dos planos em geral, das romarias pra conseguir liberação de procedimentos e preços abusivos praticados.

  6. Ajuste de preço é sempre tema delicado para tentar se resolver na canetada. Todavia uma regulamentação para evitar aumentos abusivos é necessária

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