Cristiano Zanin cumprimeinta convidado em sua posseO recém-empossado ministro do STF Cristiano Zanin: o Judas do PT - Foto: Paulo Dantas via Instagram

O falso traidor e os bons traidores

Petistas que acusam Cristiano Zanin no STF não entendem que não pode trair a esquerda quem nunca se comprometeu com ela
01.09.23

Cristiano Zanin é um traidor. Esta foi a sentença sem recurso passada por muito petista no Twitter (desculpa aí, Elon: não vou me acostumar a chamar seu novo brinquedo de X).

Não se ouve esse epíteto duro vindo de figurões do PT, que em geral só criticam o novo indicado de Lula ao STF quando falam em off com jornalistas. Nas redes, porém, os  petistas miúdos soltam a voz. “Vim aqui só para dizer: Zanin, odeio você”, disse um progressista magoado, acrescentando depois um palavrão e a palavra “traidor”. “Pelos sinais dados até agora, Zanin é mais um traidor no STF (em meio a tantos outros)”, desabafou um lulista inconformado.

Os “tantos outros”, suponho, são indicações de Lula e Dilma que não seguiram a linha justa do partido quando julgaram a corrupa petista: Joaquim Barbosa, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin. E os tais “sinais” que Zanin vem dando são decisões contrárias a bandeiras tradicionais da esquerda. No seu primeiro mês no Supremo, ele votou, por exemplo, contra a descriminalização do porte de maconha e contra a suspensão de sentença de dois homens que haviam roubado itens de pouco valor (Dura lex sed lex, não é mesmo? Onde o Brasil vai parar o Brasil se tolerar pequenos furtos…)

Pode-se discordar dos votos de Zanin. Mas não cabe falar em traição. Quem conhecia de fato o pensamento jurídico e político do advogado Cristiano Zanin antes de sua indicação ao STF? Na sabatina do Senado, ele foi questionado sobre a questão específica das drogas e deu uma resposta razoavelmente clara: “A minha visão, efetivamente, é a de que a droga é um mal que precisa ser combatido”.

Não pode trair causas da esquerda quem nunca esteve efetivamente comprometido com elas. Os petistas ingênuos que vociferam contra Zanin deixaram-se levar pelo personalismo extremo que caracteriza o partido. Na visão torta dessa gente, se um advogado defendeu Lula em processos de corrupção, então esse advogado só pode ser antifascista, antirracista e fã de Bacurau. Pois Lula é a esquerda encarnada e barbada.

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A ideia de traição carrega um apelo primitivo à lealdade que une clãs oligárquicos e famílias mafiosas. Será que essa noção ainda cabe em uma democracia moderna?

O sujeito baixo que troca ideias e ideais por dinheiro, cargos e vantagens – este sempre merecerá ser chamado de traidor. Mas a acusação hoje é usada com mais frequência para desqualificar quem simplesmente revisou suas ideias políticas e concluiu que elas estavam equivocadas. Ou para isolar e expurgar aquele membro do grupo ou partido que comete a heresia de negociar com o adversário. Exemplo recente: Tarcísio de Freitas apoiou, com condições, a reforma tributária proposta pelo governo petista – e converteu-se em Judas para os bolsonaristas.

Zanin, antes o apóstolo da inocência do Messias, hoje é o Judas do PT.

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Judas é o título do último romance de Amós Oz (1939-2018). O protagonista é um jovem e desorientado intelectual de esquerda, Shmuel Asch, que planeja escrever um ensaio histórico sobre a figura de Judas e sua associação com mitos antissemitas. O tema da traição atravessa a narrativa, que tem lugar entre 1959 e 1960, quando Jerusalém era uma cidade dividida, com a porção oriental ocupada pela Jordânia.

Eu trabalhava em Veja quando a Companhia das Letras lançou Judas no Brasil, e fui a Tel Aviv entrevistar o grande romancista israelense no domingo em que o Brasil deu a vitória a Dilma Rousseff no segundo turno contra Aécio Neves. No sofá de sua sala cercada de estantes de livros, ao lado do afável gato Freddie, Oz me apresentou a uma noção positiva de traição. Esclareceu que não falava do “traidor trivial”, cujas convicções superficiais estão à venda por qualquer preço. Tinha em mente uma criatura de outra estirpe: o líder que tem a coragem de contrariar as intransigências mais arraigadas de seus liderados para conduzi-los a tempos melhores.

Entre os exemplos de “boa traição” que o autor de A Caixa Preta apresentou, estava Abraham Lincoln, considerado um traidor por metade de seu país pela ousadia de defender o fim da escravidão. Oz também citou dois casos mais próximos: “Quando o presidente egípcio Anwar Sadat veio a Israel para firmar o acordo de paz, grande parte do mundo árabe o chamou de traidor. Quando o primeiro-ministro israelense Menachem Begin devolveu o Sinai a Sadat em troca de paz, muitos israelenses o chamaram de traidor”. Sadat pagou mais caro por aquilo que muitos egípcios perceberam como traição: foi assassinado durante uma parada militar no Cairo, em 1981.

Os russos que hoje são encarcerados por protestarem contra a guerra da Ucrânia serão os bons traidores de nossos dias. Até onde minha vista alcança, não encontro nenhum brasileiro que mereça entrar nessa categoria.

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  1. Cristiano Zanin é a derradeira boa nova vinda do STF! O Brasil decente aguarda outras a seguir. 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

  2. Bem feito aos petistas por serem tão miseravelmente posicionados no passado brilhante do Comunismo. São ignorante e infantis: desde o Estudante Universitário, passando pelos Intelectuais (é o cúmulo!) e chegando aos artistas interesseiros como Chico Buarque, Caetano, Daniela Mercury etc.

  3. ZANIN É BOLSONARISTA kkkkkkk ... Lê Brèsil né pas un paix serieux .. Charles de Gaulle fantasiado de Carmem Miranda na Parada Gay em Sampa.

  4. Bolsonaro indicou pro STF dois caras que se mostram "fiéis" à sua ideologia até hoje. Claro que não saíram de sua cabeça de poucos miolos. Essa é a diferença com Lula: este escolhe quem ELE quer, sem muito estudo do que faz. Continue assim.

  5. A maioria do público que se diz interessada por politica no Brasil tem uma visão altamente infantilizada de como funciona o sistema politico, e reduz a discussão para o que é um jogo de futebol, basicamente. Um "eu contra eles" permanente. E oportunistas como Lula e Bolsonaro tem aprendido usar esse fenômeno com grande efeito para fidelizar mentes que pensam politica com a profundidade de um pires.

  6. Na visão limitada e muito infantilizada dos petistas, o mundo simplesmente se divide entre "nós e eles". Preto e branco, sem cinza. Honestidade e bom senso não tem lugar no raciocínio deles. Somente "a causa" tem importância. A qualquer preço. Visão religiosa de mundo. Medieval.

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