A literatura de “alta-ajuda”
No livro A Cultura do Barroco, o historiador espanhol descreve como períodos de crise produzem uma literatura de “remédios”, uma forma de resposta à crises econômicas e sociais. Livros que tratam de curar os problemas da sociedade, como um médico faz com o corpo.
Não é à toa que o barroco espanhol – período retratado no livro de Maravall – produziu um dos grandes livros do que hoje seria chamado de auto-ajuda, A Arte da Prudência, de Baltasar Gracián. Não duvido que esse clássico fique hoje na sessão de autoajuda das livrarias. O jornalista e editor Wagner Carelli, porém, cunhou um termo mais conveniente: alta-ajuda. Ou seja, uma forma mais elevada e concentrada do gênero literário tão popular.
O clássico do padre jesuíta espanhol Baltasar Gracián, com trezentos aforismos, foi admirado por Arthur Schopenhauer: o filósofo aprendeu espanhol e traduziu o livro para o alemão. Ele escreveu que a obra “oferece antecipadamente um ensinamento que os jovens só obteriam depois de longa experiência”.
A Arte da Prudência tem conselhos práticos para a vida em sociedade (“tratar com quem se possa aprender”), para a vida profissional (“escusar vitórias sobre o patrão”), para desenvolvimento do próprio talento (“mais consegue uma mediocridade com aplicação que uma superioridade sem ela”). O livro é constantemente citado em best sellers recentes como As 48 Leis do Poder, de Robert Greene – esse sim, um autoajuda convencional, que parte de uma historinha, a historinha tem uma moral, da moral se depreende uma lei, a lei pode ser reforçada com outras histórias e por aí vai.
Por exemplo: conta-se a história de Nicolas Fouquet, o ministro das finanças de Luís XIV, cujo modo de vida extravagante o levou a ser aprisionado pelo rei. A moral da história é: se você superar o seu chefe, pode se dar mal. A lei é: não ofusque o brilho do mestre. Aforismo de Gracián é citado: “Toda vitória é odiada. Sobre o chefe, insana ou fatal”.
Livros de autoajuda não dão contribuições literárias, muito menos filosóficas, mas estão entre os mais influentes. Os clássicos Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas, de Dale Carnagie, e A Lei do Triunfo, de Napoleon Hill, venderam dezenas de milhões de cópias mundo afora. Até José Geraldo Vieira, escritor brasileiro erudito, os cita no livro A Ladeira da Memória, de 1950: “O caixeiro-viajante de guarda-pó dorme sonhando com os conselhos behavioristas de Napoleon Hill e Dale Carnagie”.
O psicólogo clínico Jordan Peterson usou exatamente esse modelo de livro de auto-ajuda para escrever o seu Doze Regras para a Vida – um antídoto para o caos. O livro é um sucesso de vendas, com mais de um milhão de cópias vendidas. A larga experiência como psicólogo deu a Peterson a bagagem para se conectar com as necessidades mais básicas, especialmente de jovens. Entre as regras estão coisas mais elementares – “conserte a postura”, “arrume o quarto”, “diga a verdade” –, e outras não tão elementares – “pare de fazer apenas o que é rápido e fácil”. Talvez tenha chegado próximo de fazer um livro de alta-ajuda, com valor universal.
Mas inventou de escrever uma continuação, chamado Além da Ordem: Mais Doze Regras para a Vida. No livro ele trás insights baseados na psicologia e no que chama de “grandes mitos e histórias da humanidade”. Peterson tira lições de moral até mesmo do enredo de Harry Potter, o que parece um pouco forçado.
Vivemos um período de crise como o período barroco. Não é à toa que as pessoas buscam tanto serem aconselhadas. E isso não é só nos livros mas também em rede social: são vídeos, cursos sobre comportamento, podcasts.
Em comum entre esquerda e direita nesse quesito é a postura normativa: a tecnologia e as redes sociais trouxeram tantas possibilidades novas, que o indivíduo muito facilmente se perde, e busca quem lhe diga o que fazer.
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Os livros de autoajuda ajudam muito o seus autores, estão todos ricos, escrevem sobre o óbvio, na mais.
Pois é... Parece que coisas óbvias, que deveriam ser transmitidas pela oralidade em família ou amigos não são mais. É as pessoas passam a buscar nesses meios citados. Mas, como aprendi nos bancos escolares diante de questões de prova : " Poxa mestre, mas é óbvio que a resposta é essa". " Meu filho, o ÓBVIO tem que ser dito e escrito." Acho que é por aí...
O problema nem é buscar ajuda, mas sim que muitos vendem ajuda sem ter qualquer condição de ensinar nada a ninguém.
Corrija: ele traz, verbo trazer
Esses livros de autoajuda me deixam muito irritada. Mais ainda quando contamos alguns problemas a algum amigo e ele te aconselha a ler uma das "obras de salvação". Os jovens de 18, 30 e até o pessoal de meia-idade (40-50) ainda estão caindo nessa.